quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Compra, mãe!


PLANETA SUSTENTAVEL

CONSUMO CONSCIENTE

Exemplo e lições sobre finanças são as melhores medidas para incentivar o consumo consciente nos filhos desde cedo - criando, assim, adultos que fogem do desperdício, do consumismo exagerado e das dívidas

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Flickr U.S. Department of Agriculture Food Nutrition Service/Divulgação

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    Às vésperas do Natal, quem tem filhos (ou netos, sobrinhos, afilhados...) sabe que uma das frases mais repetidas por eles nessa época é: "Eu quero!". O alvo podem ser inúmeros objetos de desejo, que vão mudando ao sabor da fértil e volátil vontade infantil - em algumas vezes, influenciada por amigos e, em outras, pela escola, pela publicidade ou até pelo personagem adorado do desenho animado. Pior: não é só nessa data que eles têm pedidos na ponta da língua. Então, como ensiná-los que não podem ter tudo que desejam?

    Em abril deste ano, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aprovou a resolução 163. Ela considera abusiva toda publicidade ou comunicação (aí incluídos de anúncios na televisão a embalagens de brinquedos) direcionadas à criança com o objetivo de convencê-la a consumir - tudo isso pode, desde que o alvo seja o adulto.

    Como seria natural, em um assunto tão delicado e que envolve tanto dinheiro - calcula-se que crianças e jovens brasileiros movimentem em torno de 50 bilhões de reais por ano em produtos -, a resolução provocou enorme polêmica. De um lado, o Conanda e um grupo de ONGs advogam em prol da proteção total e irrestrita da infância via proibição. De outro, agências e anunciantes exigem seu direito à liberdade de expressão e à já tradicional autorregulação do mercado.

    "Qualquer mensagem dirigida à criança para convencê-la a comprar alguma coisa busca o bem do fornecedor, que quer aumentar seus lucros. E nós queremos proteger a criança, independentemente do produto anunciado", diz a advogada Ekaterine Karageorgiadis, do Instituto Alana, que tem como missão "honrar as crianças" e vem servindo como porta-voz favorável à norma. "Essa resolução é fruto de um processo de sensibilização da sociedade. Não tem status de lei, mas é uma norma interpretativa das leis vigentes. E dá critérios para a aplicação delas", explica Ekaterine. Em outras palavras, funciona como uma ferramenta de auxílio na avaliação do que diz a Constituição, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

    No outro lado do ringue, essa questão não parece tão clara e muito menos satisfatoriamente debatida. "A resolução é um retrocesso. Ela está mexendo na liberdade de expressão, interferindo no funcionamento de empresas privadas e destruindo uma cadeia de produção. Está prejudicando ainda a cultura e a economia do país", critica a empresária Monica de Sousa, filha do desenhista Mauricio de Sousa e diretora executiva da Mauricio de Sousa Produções. E a empresária completa: "Melhor do que proibir é educar, e até mesmo a publicidade é capaz de ensinar uma criança a ter discernimento. Ou, então, ela vai aprender isso com seus pais, os responsáveis pelo consumo dos filhos".

    Por enquanto, o principal efeito prático da resolução foi provocar um amplo debate sobre consumismo infantil. Se proibir toda forma de publicidade e comunicação, sem dúvida, não é o único caminho possível, especialmente em uma sociedade de consumo como a nossa, o segredo para domar o "Eu quero! Eu quero! Eu quero" dos pequenos é justamente ensiná-los a consumir de forma consciente - para que, no futuro, sejam também adultos que saibam comprar com parcimônia e evitar o desperdício.

    O CONSUMO NÃO É O VILÃO
    "Em primeiro lugar, é preciso saber diferenciar consumo de consumismo. O consumo é algo bom. O segundo, não. É como se diz: ‘O consumidor é aquele que tem fome, consome e sacia sua fome. O consumista é o que consome, consome, consome, e a fome nunca some’", explica Jurandir Sell Macedo, professor de finanças pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina e autor do livro A Árvore do Dinheiro (Insular). O essencial, segundo ressalta, é mostrar às crianças como saciar essa fome e evitar o consumo de bens desnecessários e em excesso; é ensiná-las a avaliar o impacto positivo e negativo de seu ato, maximizando o primeiro e minimizando o segundo. Mas como? Os especialistas são unânimes em responder: pelo exemplo dos pais.

    "Nem a publicidade, independentemente de quanto é provocativa, nem o grupo de amigos nem a escola, nada é páreo para a influência dos pais", alerta a especialista em educação financeira Cássia D¿Aquino, autora do livro Como Falar de Dinheiro com Seu Filho (Editora Saraiva). "Assim, se não quer criar filhos consumistas, sua primeira atitude deve ser avaliar o próprio comportamento."

    Não adianta brigar com as crianças porque elas insistem em pedir cada um dos lançamentos que surgem nas lojas se, na primeira oportunidade, você se joga na liquidação e sai carregada. “Ou, ainda pior, se você trata o ato de comprar como uma recompensa emocional ou um antidepressivo de uso indiscriminado para combater as turbulências normais da vida - uma bronca do chefe, uma discussão com o marido, a decepção com a dieta da moda...”.

    Querer tudo, as pessoas querem mesmo, isso é do ser humano, e é natural que a criança também queira. O que não é natural é os pais cederem sempre. Eles é que devem saber o que é ou não é conveniente para a criança", defende Cássia. Segundo ela, é mais duro até para um adulto resistir a dar um presente para os filhos do que é para a criança não receber esse presente. "Os adultos se sentem incompetentes, incapazes, malvados", diz Cássia. E isso acontece especialmente quando a relação parental é cercada de culpa (por não acompanhar a lição de casa, por perder a apresentação do balé, por não dar colo sempre...). Lembre-se: longe de fazer mal, não ter todos os desejos atendidos desenvolverá na criança a capacidade de lidar com frustrações, algo tão essencial na vida adulta.

    ESTIMULE O SENSO CRÍTICO
    Para ajudar nessa tarefa, Silvia Sá, gerente de educação do Instituto Akatu, cuja missão é mobilizar a sociedade para o consumo consciente, propõe que se desperte na criança, desde cedo, um senso crítico em relação ao que ela quer. Para tanto, proponha seis perguntas básicas antes de cada compra: 1. Por que comprar? (por que o amigo tem? Por que está na propaganda? Por que está em promoção?).

    2. O que comprar?
    3. De quem comprar? (da empresa que se preocupa com o planeta e as pessoas ou da concorrente?). 4. Como comprar? (à vista, com desconto, ou parcelado no cartão?).
     5. Como usar aquilo para que dure mais?
    6. Como descartar? "Com essas perguntas, estimulamos que as próprias crianças façam o julgamento de um produto", diz Silvia. O instituto vem reforçando esse trabalho com uma plataforma educacional voltada para as escolas - em um ano, já passam de mil as cadastradas, no Brasil inteiro.

    Com o auxílio de vídeos, jogos e planos de aula, a Edukatu transborda para as classes uma discussão que ainda depende muito do trabalho dos pais (veja quadro da página ao lado). "Precisamos resgatar, de fato, que lugar o consumo deve ter na nossa vida, que é o de gerar bem-estar, não dependência", aponta. "Não é uma questão de tirar o supérfluo, porque é justamente nele que está a graça, e sim de evitar o desperdício, avaliar e fazer trocas em prol de um sonho familiar conjunto ou mesmo um sonho da criança", explica a professora de educação financeira Celina Macedo, autora do livro Filhos: Seu Melhor Investimento (Campus).

    A CARTILHA DOS PAIS

    1. Dê o exemplo
    Se a criança pede alguma coisa e você diz não, mas, em seguida, vai ao shopping e volta cheia de sacolas, ela percebe a dissonância entre ação e discurso. "Faça o que gostaria que seus filhos fizessem também", recomenda a professora de educação financeira Celina Macedo.
    2. Faça uma lista de compras
    Chame os pequenos para participar. Peça ajuda para verificar o que está faltando em casa e anote. No mercado, restrinja-se ao planejado. Se, lá, a criança pedir algum item especial, mostre que ele não está na lista e combine que, na próxima vez, precisam se lembrar de incluí-lo. Para essa estratégia funcionar, você também deve se ater ao combinado - uma saída mais flexível é permitir que cada um compre um produto extra.
    3. Adote a mesada
    É um modo de ensinar as lições básicas de educação financeira. Comece aos 6 anos. Até os 11, prefira a semanada. Experts sugerem um cálculo simples para determinar o valor: 1 real por ano de vida a cada semana. Mas depende, por exemplo, se o dinheiro será usado para pagar o lanche na escola. E é preciso dar reajustes. "Se a mesada é dosada, o resultado é bom. Só exige comprometimento dos pais, que não podem falhar", diz a expert Cássia.
    4. Fale com as crianças de dinheiro
    E não só quando ele está faltando e a família passa por uma crise. Trate do assunto com naturalidade sempre: mostre que as coisas custam um determinado valor que só pode ser pago com o salário do seu trabalho.
    5. Envolva os filhos nos sonhos familiares
    Pode ser uma viagem para a Disney ou um jantar comemorativo. "Assim, eles participam do planejamento financeiro da casa e, de forma natural, vão se organizar também", explica o educador Jurandir Macedo.
    6. Incentive a doação e a troca
    É essencial que as crianças limpem seu baú de tempos em tempos. Até porque interesses mudam e brinquedos ficam encostados. Sem falar que alguns quebram, peças se perdem. As feiras de troca têm se multiplicado e, nelas, logo se percebe que o brinquedo esquecido por um pode virar a próxima diversão de outro. Mas sem paranoia. "A infância dura pouco. Se a visão que os pais têm do consumo se torna exacerbada, para qualquer lado, gera angústia na criança, em vez de educar. Ter algumas bobagens faz parte", lembra Cássia.  

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