artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97 por cento”. Ron Patterson (2014)
[EcoDebate] O ser humano é uma das espécies caçulas da Terra. O Homo Sapiens surgiu na África a cerca de 200 mil anos e se espalhou por todo o território mundial. As grandes migrações do passado e o processo de globalização têm tornado o mundo cada vez mais ecúmeno, com impactos crescentes das atividades antrópicas sobre o meio ambiente e a redução das áreas anecúmenas. O termo anecúmeno designa uma área da superfície terrestre emersa que não seja habitada pelo ser humano de forma permanente, opondo-se ao termo ecúmeno que designa uma área onde os humanos permanecem no presente.
Como o Planeta é um só, todas as espécies estão em constante competição entre si, bem como com os membros de sua própria espécie. Todas as espécies evoluíram e fizeram adaptações voltadas para a sobrevivência. A Águia tem voo, garras, mira telescópica e assim por diante. Todas as outras espécies têm adaptações similares. O Homo sapiens desenvolveu várias adaptações, sendo que há uma que lhe dá uma enorme vantagem sobre todas as outras: sua capacidade intelectual. Esta habilidade favorece a competição com outras espécies para a alimentação e território. O ser humano não só venceu as demais espécies, como, na verdade, está em processo de acabar com elas, provocando uma grande extinção em massa, especialmente dos vertebrados da Terra (Patterson, 2014).
Para tentar evitar os danos irreversíveis da crescente dominação humana sobre o Planeta – época conhecida como Antropoceno – existem várias propostas para salvar a vida de milhões de seres não-humanos e a biodiversidade da Terra.
O biólogo da Universidade de Harvard de 85 anos, Edward Osborne Wilson, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer e autor de mais de 25 livros, acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a “extinção em massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para destinar METADE DO PLANETA exclusivamente para a proteção dos animais. A tese também é defendida pela jornalista Elizabeth Kolbert no livro The Sixth Extinction.
Segundo reportagem de Marina Maciel, no Planeta Sustentável (09/09/2014), o plano de conservação do Dr. Wilson, chamado de “Half Earth”, inclui a criação de cadeias de corredores ininterruptos de vida selvagem, alguns deles grandes o bastante para abrigar parques nacionais de biodiversidade, idealizados para impedir o desaparecimento de espécies. Tais medidas ajudariam os animais a reagir aos efeitos das mudanças climáticas por meio da migração e também evitariam isolamento em ilhas sem conexão com outros habitats.
A Revista Science publicou, em julho de 2014, uma série de estudos em que mostra taxas alarmantes de crimes contra os demais seres vivos.
A humanidade é responsável pelo risco de espécies desaparecerem com 1000 vezes mais intensidade do que os processos naturais. A Revista confirma que o ser humano está provocando, em um curto espaço de tempo, a sexta extinção em massa no planeta. Isto acontece em função dos impactos da perda da fauna devido ao empobrecimento da cobertura vegetal, à falta de polinizadores, ao aumento de doenças, à erosão do solo, aos impactos na qualidade da água, etc.
Ou seja, os efeitos são sistêmicos e um dos artigos da revista chama este processo de “Defaunação no Antropoceno”, que ocorre devido ao aprofundamento da discriminação contra as espécies não humanas e à generalização do crime do ecocídio.
Segundo a WWF, no relatório Planeta Vivo 2014, o estado atual da biodiversidade do planeta está pior do que nunca. O Índice do Planeta Vivo (LPI, sigla em Inglês), que mede as tendências de milhares de populações de vertebrados, diminuiu 52% entre 1970 e 2010. Em outras palavras, a quantidade de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes em todo o planeta é, em média, a metade do que era 40 anos atrás. Esta redução é muito maior do que a que foi divulgada em relatórios anteriores em função de uma nova metodologia que visa obter uma amostra mais representativa da biodiversidade global.
Ainda segundo a WWF, a biodiversidade está diminuindo em regiões temperadas e tropicais, mas a redução é maior nos trópicos. Entre 1970 e 2010, o LPI temperado diminuiu 36% em 6.569 populações das 1.606 espécies em regiões temperadas, ao passo que o LPI tropical diminuiu 56% em 3.811 populações das 1.638 espécies em regiões tropicais durante o mesmo período. A redução mais dramática aconteceu na América Latina – uma queda de 83%. As principais causas destas reduções são a perda de habitats e a degradação e exploração decorrente de caça e pesca. As mudanças climáticas são a segunda ameaça primária mais significativa e é provável que exercerão mais pressão sobre as populações no futuro.
Por tudo isto, se denomina Ecocídio o crime que acontece contra as espécies animais e vegetais do Planeta. Esse crime se espalha no mundo em uma escala maciça e a cada dia fica pior. Exatamente por isto, cresce a consciência de que é preciso mudar o modelo de desenvolvimento que adota um padrão de produção e consumo danoso para o meio ambiente e que é responsável pelo aumento da destruição da vida na Terra. Para tanto, é preciso considerar o Ecocídio um crime contra a paz, um crime contra a natureza e um crime contra a humanidade e as futuras gerações.
O site “Eradicating Ecocide” considera ser necessário a aprovação de uma lei internacional contra o Ecocídio para fazer com que os dirigentes de empresas e os chefes de Estado sejam legalmente responsáveis por proteger a Terra e as espécies não humanas. O Planeta teria que se tornar a prioridade número um da legislação nacional e internacional. O mundo já definiu o Genocídio como um crime, falta fazer o mesmo em relação ao Ecocídio. Não há direitos humanos no longo prazo sem o respeito aos direitos da natureza. Acabar com o ecocídio é também uma forma de evitar o suicídio.
O site do Instituto Rewilding é uma outra fonte para informações sobre a integração da vida selvagem tradicional e a conservação de terras selvagens e a preservação das paisagens naturais. Ele fornece explicações sobre conceitos-chave com documentos para download e links para documentos importantes.
Reselvagerizar o mundo pode ser uma alternativa, mesmo que parcial, aos crescentes crimes do especismo e do ecocídio. Para garantir espaços para a vida selvagem será preciso descivilizar amplas áreas territoriais, diminuindo a pegada ecológica antrópica global, regional e local. Neste sentido, a proposta de Caroline Fraser em seu livro “Rewilding the World” (Reselvagerizando o mundo) pode ser uma alternativa concreta para se evitar a extinção em massa da vida selvagem no Planeta e para criar uma esperança de conservação da biodiversidade e a convivência respeitosa e ética entre as espécies.
A humanidade ocupa cada vez mais espaço no Planeta e tem prejudicado de forma danosa todas as formas de vida ecossistêmicas da Terra. O ser humano está reincidindo cotidianamente nos crimes do especismo e do ecocídio. Se a dinâmica demográfica e econômica continuar sufocando a dinâmica biológica e ecológica a civilização caminhará para o abismo e o suicídio. Porém, antes de o antropoceno provocar uma extinção em massa da vida na Terra é preciso uma ação radical no sentido conter a ganância egoística, garantir a saúde do meio ambiente e a livre evolução da biodiversidade.
Publicado no Portal EcoDebate, 03/12/2014
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