quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Entenda por que a manobra fiscal criou tamanha confusão

Num intento de mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, governo suscita brigas e tumulto no Congresso; saiba o que está em jogo



Renan Calheiros (PMDB-AL) em sessão do Congresso Nacional, nesta quarta-feira (03)

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Renan Calheiros (PMDB-AL) em sessão do Congresso Nacional, nesta quarta-feira (03) - 


Há muito que a condução das contas públicas não criava tamanha confusão em Brasília. O descontrole fiscal do governo virou tema de briga no Congresso e alvo de toma-lá-dá-cá dos partidos aliados. Tudo porque, nos últimos três anos, a administração da presidente Dilma decidiu fechar os olhos para o rigor fiscal.


Entenda o que está em jogo:



1-Afinal, o que é superávit?

A dinâmica do fluxo de caixa de um governo funciona, mais ou menos, como as finanças de uma pessoa comum. O ideal é quando se gasta menos do que se arrecada. O que sobra pode ser guardado na poupança, ou usado para o consumo.

No caso das contas do Brasil, o governo deve, necessariamente, gastar menos do que arrecada. Isso porque o país possui uma dívida pública bruta de cerca de 62% do PIB. É necessário, a cada ano, que o país tenha fundos para arcar com os juros dessa dívida.


Por isso precisa fazer o chamado superávit primário, que é a economia para o pagamento desses juros. Se o governo não consegue economizar, a única forma de pagar os juros é contraindo novos empréstimos — ou seja, aumentando a dívida. A estratégia para controlar as finanças do governo é chamada de política fiscal.



2-Por que o Brasil tem de cumprir meta fiscal?

 

Como a poupança interna do Brasil é insuficiente, o país precisa obter financiamento de investidores externos para conseguir funcionar. Para isso, faz emissões de dívida, que nada mais são que empréstimos contratados no mercado internacional, cujo retorno está atrelado à taxa de juros. Quanto maiores são os juros no Brasil, maiores são os rendimentos que o governo paga aos investidores.

Trata-se de um investimento seguro porque, após muitos calotes na década de 1980, o Brasil é, hoje, considerado não só um bom credor, como também um bom pagador. Um dos fatores que entram na análise dos investidores na hora de decidir ou não comprar títulos da dívida brasileira é a capacidade que o governo tem de economizar recursos para pagar os juros de sua dívida. Por isso, anualmente, o governo estabelece uma meta de superávit primário (ou meta fiscal), que é uma expectativa de quanto conseguirá economizar para honrar seus compromissos.


Essa meta é aprovada pelo Congresso no início de cada ano, dentro da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Se o governo se der conta de que não conseguirá cumprir a Lei, precisa mudá-la antes que termine o ano. É o que a presidente Dilma vem tentando fazer ao longo das últimas semanas.



Agências de classificação de risco, como a Standard & Poor's, também olham para a meta fiscal como indicador de que um país é um bom destino para investimentos.


Atualmente, devido aos problemas fiscais, o Brasil corre o risco de perder o grau de investimento — nota atribuída pelas agências que garante que o país é um bom pagador a seus credores.

3-Por que o governo não consegue cumprir a meta?

 

Basicamente, desde 2012, o governo vem levando adiante uma política fiscal chamada por economistas de 'expansionista'.


Traduzindo para a linguagem comum, isso significa que não houve uma preocupação com a contenção de despesas, tampouco com o aumento da arrecadação. A cada ano, o governo tem tentado usar manobras contábeis para que não apareça, no balanço do Tesouro Nacional, que o país foi incapaz de economizar. Nos últimos três anos, usou-se a Petrobras, o BNDES e os bancos públicos como veículos para empreender tais manobras.


Em 2014, com a forte desaceleração na economia e a falta de novas artimanhas contábeis, o governo se encontra sem saída: quer mudar a LDO. A ideia é permitir o abatimento de todos os gastos do PAC da meta fiscal. Ou seja, o montante que entraria como despesa, passa a ser extirpado das contas públicas.


O mesmo ocorre com as desonerações fiscais, que deixam de constar do balanço do Tesouro. Essa mudança está no projeto de mudança da Lei que o governo quer aprovar no Congresso.




4-Por que parlamentares são contra a mudança na LDO?

 

As diversas manobras fiscais feitas pelo governo Dilma desde 2012, aliadas à falta de cuidado com a inflação, fizeram com que a credibilidade da economia brasileira fosse manchada.


Mudar a LDO não só chancela a falta de responsabilidade fiscal do governo, como também abre espaço para que, no ano que vem, também não haja cumprimento da meta. Durante a campanha eleitoral, a presidente Dilma, inclusive, exacerbou opiniões contrárias ao cumprimento do rigor fiscal. Ela atribuía tal preocupação com as contas públicas como um defeito que entrava na conta do candidato de oposição.



No caso, Aécio Neves. Para aprovar a mudança na lei, a presidente precisará do apoio da Câmara e do Senado nas votações. Contudo, a oposição vem tentando impedir a aprovação da mudança. 



5-Sozinha a oposição pode impedir a mudança na LDO?

 

Não, pois os partidos de oposição, em especial PSDB e DEM, não possuem maioria no Congresso.



Mas, como o governo se encontra no período de nomear os novos ministros que governarão a partir de 2015, partidos aliados ao governo vêm condicionando seu voto favorável na questão da LDO a indicações nos Ministérios.


Como o governo não quer ceder tão rápido, fez uma outra manobra para tentar ganhar apoio para aprovar a nova LDO: baixou um decreto que aumenta os repasses de dinheiro público a parlamentares ainda em 2014. Porém, disse que o dinheiro só será liberado se a nova LDO for aprovada.


A medida suscitou revolta no Congresso e, durante a votação do projeto, houve até mesmo troca de empurrões e sopapos. Manifestantes entraram no plenário para protestar contra a aprovação da lei.


6-O que pode acontecer se a manobra fiscal não for aprovada? 

 

O não cumprimento da LDO fere outra lei brasileira: a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se o governo descumpri-la, poderão ser aplicadas sanções penais, como a perda de mandato, por exemplo.


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