Irregulares, membros de assentamento em MG anunciam terrenos na internet
Do UOL, em Uberlândia (MG)
Em um site de compra e venda, o anúncio é de uma casa na região sul de Uberlândia (a 537 km de Belo Horizonte), em Minas Gerais, por R$ 25 mil.
Parece um bom negócio, mas a casa fica dentro do assentamento do Glória, área da Universidade Federal de Uberlândia que foi invadida por integrantes do Movimento dos Sem-Teto do Brasil (MSTB) em janeiro de 2012.
O terreno tem tamanho de 10 m² x 25 m², a casa é de alvenaria e, segundo o proprietário, é "confortável e em ótima localização". Ninguém atendeu as ligações feitas pela reportagem para o telefone informado no reclame.
No mesmo site, há um anúncio de outro terreno por R$ 10 mil. O UOL entrou em contato com a proprietária, que se identificou apenas como Josiane. Ela disse que pagou R$ 6.000 pelo lote e que está vendendo por R$ 10 mil porque não tem dinheiro para construir uma casa.
Questionada sobre a apresentação de um documento que comprovasse a compra, Josiane disse que poderia passar um recibo e ir na plenária do assentamento para repassar o lote para o nome do interessado.
"Lá não tem erro. Já não tem como tirar a área do 'movimento'. Eu estou vendendo porque não tenho dinheiro para construir", disse. Josiane disse que, por enquanto, vive em uma casa no local de trabalho do marido. Minutos depois, o UOL retornou a ligação e se identificou como repórter, mas ela desligou o telefone.
A coordenadora do assentamento, Mineia Nunes, disse estar ciente da existência de alguns anúncios, mas que nunca chegou a vê-los e que já orientou aos assentados de que a manobra é ilegal. "A área ainda está em trâmite judicial. Eles não podem vender o que não é deles", disse.
O advogado da Pastoral da Terra Higino Marcos disse achar a situação de venda da casa "absolutamente normal". "São mais de 2.200 famílias ali.
Provavelmente essa venda é levando em consideração o que gastou para fazer a casa. Às vezes a pessoa precisou se mudar."
Sobre o lote em questão, Higino Marcos disse que vai procurar saber informações no assentamento: "Isso não pode, é ilegal".
O procurador da República Cléber Eustáquio informou que o Ministério Público Federal tem conhecimento sobre essas vendas e que elas estão sendo apuradas junto ao processo de reintegração de posse que corre na Justiça. "Se comprovado, essas pessoas podem responder por estelionato, porque estão vendendo o que não é delas, e quem está comprando também pode ser responsabilizado."
Reintegração de posse suspensa
A área, de 62 hectares, que fica às margens da rodovia BR-050, tem mais de 2.200 famílias, ou cerca de 16 mil pessoas. O local seria destinado para parte do projeto de expansão do campus da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mas em 2010 a instituição optou pela venda do terreno, avaliado hoje em R$ 65 milhões.Como o terreno foi invadido em 2012, a venda foi suspensa e a UFU tentou na Justiça fazer a reintegração de posse, que foi concedida em abril deste ano. Mas, neste mês, o Conselho Universitário da UFU se reuniu e pediu para que a Justiça suspendesse por oito meses a reintegração de posse na área.
"Tudo conspirava para que fosse um banho de sangue se fosse feita a reintegração. A Polícia (Militar) traria praticamente toda a tropa de Minas Gerais e seria um conflito muito grande. São 16 mil pessoas lá dentro, contando com as crianças, mulheres e idosos", disse o diretor de assuntos estudantis da UFU, Leonardo Barbosa.
Sobre a venda de terrenos, diz que a UFU não irá entrar neste mérito. "Tem de tudo lá dentro. Tem contingente grande de famílias que são do movimento e tem outras formas de ocupação."
Projeto da prefeitura
Segundo a assessoria de comunicação da Prefeitura de Uberlândia, foi feita a proposta de compra da área para a criação de um projeto de habitação no local, mas ainda não houve resposta. Segundo Leonardo Barbosa, a prefeitura no momento não poderia arcar com a compra da área.O Conselho Universitário tenta desenvolver um projeto para apresentar ao Ministério das Cidades e regularizar a área para que seja feito um projeto de urbanização.
O assentamento do Glória, como ficou conhecido, se parece a um bairro. São centenas de casas e prédios comerciais, como padaria, bares e supermercados, instalados nos lotes.
A dona de um desses estabelecimentos, que não quis ser identificada, disse que toda a energia e a água que os moradores e os comerciantes usam são obtidas de forma ilegal. "Eu gostaria de pagar os meus impostos, mas como se a área ainda não está legalizada? Agora que há essa possibilidade estou mais aliviada."
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