Carlos Chagas
Publicado: 26 de fevereiro de 2014 às 7:48 - Atualizado às 14:10
Algum filósofo, quem sabe um santo,
pode ser até que um político, terá meditado estar a ingratidão no rol
dos maiores defeitos da pessoa humana. Tome-se a reunião solene
realizada ontem pelo Congresso para comemorar os vinte anos do Plano
Real. Nada contra, não fosse a pouquíssima importância que se deu a quem
decidiu acabar com a inflação e colocou em risco seu próprio mandato e
sua imagem para a História. Se não desse certo, ele seria o responsável.
Fala-se do ex-presidente Itamar Franco. O executor
seria o ministro Eliseu Resende, infelizmente demitido dias depois de
empossado por haver permitido que uma empreiteira pagasse suas diárias
num hotel de Nova York. Coisa naqueles idos rotineira, como mais ou
menos hoje. Com Itamar, porém, era na moleira: qualquer auxiliar acusado
de irregularidades via-se imediatamente mandado embora. Que fosse
defender-se fora do governo, retornando caso declarado inocente. No caso
de Eliseu, não houve defesa.
Assim, o então presidente defrontou-se com grave
questão: encontrar logo um novo ministro para desenvolver o plano de
recuperação econômica ou cair no descrédito. Sem opções, apelou para seu
ministro de Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, então posto
em sossego e conformado em encerrar sua carreira política entre
banquetes e coquetéis desimportantes. Não se reelegeria senador e, mesmo
para deputado, não parecia fácil.
Itamar encontrou o sociólogo numa embaixada em
Washington e, em curto telefonema, fez o convite. FHC refugou de
imediato. De jeito nenhum. Não era economista e estava muito bem no
Itamaraty. Foi dormir certo de haver espantado aquele fantasma descabido
e impertinente.
De madrugada o telefone toca outra vez, agora no
hotel. Itamar de novo, mais ríspido do que o normal, participando ter
encaminhado às oficinas do Diário Oficial decreto nomeando Fernando
Henrique ministro da Fazenda. Era acatar a disposição ou demitir-se do
ministério das Relações Exteriores.
De volta no avião, aliás, de carreira, não demorou
muito para absorver a nova situação e veio pensando como desatar aquele
nó monumental. Pensou primeiro em Pedro Malan, depois em José Gregori e
enfim naquele grupo de cabeludos do Departamento de Economia da PUC do
Rio. Desembarcou entregando seu futuro a Deus, mas logo reuniu a equipe.
Em poucos dias fluíram as sugestões tidas por muita gente como
doidinhas, a começar pela mudança no nome da moeda. De cruzeiro para
real.
Não se pode tirar de Fernando Henrique o mérito de
ter enfrentado o desafio e de submeter-se às propostas do grupo recém
formado. Claro que pensou na hipótese de, diante do êxito,
transformar-se em candidato presidencial.
Quem tomou a decisão fundamental, porque política,
porém, foi o presidente Itamar Franco.Nem ele nem o novo ministro da
Fazenda entendiam de economia.
Sendo assim, soou um pouco estranha a
homenagem prestada pelo Senado por iniciativa de Aécio Neves, que
centralizou em Fernando Henrique Cardoso as lantejoulas, confetes e
serpentinas pelos vinte anos do Plano Real.
Se Itamar não foi esquecido,
viu-se ao menos posto em cone de sombra. Coisas da ingratidão…
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