quinta-feira, 6 de março de 2014

O governo federal deve transmitir a convicção de que a meta fiscal será alcançada sem truques



por Delfim Netto publicado 06/03/2014 05:18 Carta Capital
 
Valter Campanato/ABr
Mantega
Guido Mantega anunciou, na semana passada, um superávit primário de 1,9% do PIB em 2014


O mercado reagiu de maneira amigável à proposição do governo de realizar um superávit primário de 1,9% do PIB em 2014, anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na semana passada.

 Projetando o crescimento de 2,5% para a economia este ano e uma taxa de inflação de 5,3%, o Ministério da Fazenda ajustou receita e despesa para gerar o superávit de 81 bilhões de reais, o equivalente a 1,5% do PIB, na expectativa de que estados, municípios e estatais façam os outros 18 bilhões de reais, equivalentes a 0,4% do PIB.

A execução de um superávit primário dessa ordem vai atender ao objetivo de reduzir ligeiramente a relação dívida/PIB, ajudando a melhorar o humor dos mercados financeiros e a tranquilizar as agências de rating, ao dar uma indicação clara de que o governo da presidenta Dilma está preocupado com o problema fiscal. 

Isso é um passo importante para a melhor compreensão dos agentes econômicos em relação à política de combate à inflação e aos objetivos de crescimento. A iniciativa do ministro Mantega – em seguida ao anúncio das instruções orçamentárias da União – de ampliar o diálogo com os agentes dos mercados financeiros e com investidores que se manifestam interessados em participar dos projetos de infraestrutura relacionados no PAC mostra o grande empenho do governo de convencer o setor privado de que a meta do superávit é factível. 

Será mais um passo para reduzir a desconfiança entre o setor empresarial e o governo. 

A meta é factível. O problema é se é exequível. A compreensão de que o superávit está sendo cumprido, de fato, vai fazer o serviço que precisa ser feito: reduzir ligeiramente a relação dívida/PIB, ajudando a tranquilizar os mercados financeiros e as famosas agências de rating quanto ao problema fiscal. É necessário, realmente, ir eliminando as dúvidas do mercado sobre a exequibilidade da meta.

São dúvidas reais, infelizmente, ainda consequência da fratura de credibilidade que se instalou desde a fantasiosa quadrangulação de dezembro de 2012 (uma alquimia fiscal legal, mas eticamente duvidosa) e dos erros sistemáticos de estimativa nos anúncios do superávit primário de 2013. 

Daí a necessidade do trabalho do ministro da Fazenda para transmitir ao setor privado a convicção de que atingir o superávit é um compromisso obrigatório de todas as áreas do governo, que será alcançado sem truques ou invenções, de forma que não paire nenhuma dúvida sobre a sua execução.


Há outras fontes de dúvidas, algumas gestadas no exterior e facilmente internalizadas sem a necessária análise crítica, como a dos índices de vulnerabilidade (uma ridicularia subscrita até por economistas do Federal Reserve System americano). 

Eles mereceram a advertência dos presidentes do Banco Central do Brasil e da África do Sul na recente reunião do G-20, em Sydney, para que os demais membros não se deixassem influenciar por “avaliações sem bases técnicas sólidas que podem atender a interesses menos nobres do mercado, como depreciar ativos dos países para conquistar lucros fáceis”.

Essa facilidade com que são internalizadas avaliações negativas sobre os problemas de curto prazo em nossa economia – quase nunca rebatidas até mesmo pelos nossos analistas mais atentos – instigaram-me a chamar a atenção dos leitores para dois casos excepcionais. 

1. O comentário objetivo e preciso do executivo João Carlos Brega, presidente para a América Latina da multinacional Whirlpool, sobre o que dizem as agências de risco: “Elas erram muito, reclamam de nosso superávit primário, mas o Brasil é um dos únicos emergentes com superávit. E os Estados Unidos, que não têm superávit e ficam parados com as discussões sobre o teto da dívida? Tem muita gente que ganha com a instabilidade” (entrevista ao Valor, na quarta-feira, 19/2/14).

2. O seminal artigo “Por que o Brasil é o País das oportunidades” (Valor, terça-feira, 25/2/2014), no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala do processo civilizatório dos últimos 11 anos e da transformação do País “que atravessou por essa crise mundial promovendo o pleno emprego, o aumento da renda da população e reduzindo as desigualdades sociais”.
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