sábado, março 15, 2014
O ESTADÃO - 15/03
Burrada gera burrada e tende a crescer em espiral, como os preços inflados, quando a besteira é realimentada pela mentira. No Brasil, essa combinação de erros levou à superinflação, nome inventado para marcar a tênue diferença entre a hiperinflação e o desastre brasileiro dos anos 80 e começo dos 90.
Burrada gera burrada e tende a crescer em espiral, como os preços inflados, quando a besteira é realimentada pela mentira. No Brasil, essa combinação de erros levou à superinflação, nome inventado para marcar a tênue diferença entre a hiperinflação e o desastre brasileiro dos anos 80 e começo dos 90.
Proscrito por algum tempo, o jogo está consagrado,
novamente, na rotina brasiliense. O socorro de R$ 12 bilhões às
elétricas, para atenuar os efeitos de uma política populista de tarifas,
é o mais novo lance desse jogo.
O Tesouro gastará R$ 4 bilhões além dos
R$ 9 bilhões previstos no Orçamento e a Câmara de Comercialização de
Energia, um ente privado, tentará obter no mercado um financiamento de
R$ 8 bilhões, pagando juros, naturalmente.
Os consumidores serão mais
uma vez poupados, neste ano, e só depois de votar receberão a conta
aumentada.
Mentira é uma boa palavra para designar a maquiagem das contas fiscais e a tentativa de reprimir - e falsificar, portanto - os índices de preços. No caso das contas públicas, também tem sido usada, com sucesso internacional, uma expressão mais suave: contabilidade criativa.
Mentira é uma boa palavra para designar a maquiagem das contas fiscais e a tentativa de reprimir - e falsificar, portanto - os índices de preços. No caso das contas públicas, também tem sido usada, com sucesso internacional, uma expressão mais suave: contabilidade criativa.
A nomenclatura faz pouca diferença. O importante é reconhecer a realimentação e a multiplicação dos erros quando se tenta disfarçar os problemas, em vez de resolvê-los. O efeito circular é claríssimo na crise argentina.
Também é indisfarçável na baderna econômica da Venezuela, marcada nas páginas da História, de forma indelével, pela escassez de papel higiênico. Haja páginas.
O exemplo argentino é um modelo para os governantes populistas, em geral muito interessados nos benefícios políticos e pouco preocupados com os custos efetivos para a economia.
Para disfarçar a inflação o governo da Argentina tem falsificado os indicadores e tentado tabelar ou congelar os preços. Como o fracasso é inevitável, amplia a vigilância e tenta levar o controle até a origem dos produtos.
Com isso, impõe perdas a
agricultores e pecuaristas e cria um conflito entre a administração
central e o setor mais eficiente da economia. De passagem, cria algum
obstáculo à exportação de alimentos, para derrubar os preços internos, e
compromete a receita cambial.
Como o Executivo também usa os dólares da
reserva para liquidar contas fiscais, a combinação das trapalhadas
produz ao mesmo tempo inflação crescente, insegurança na produção e
escassez de moeda para os pagamentos internacionais.
Para poupar reservas o governo impõe controles severos às compras de moeda estrangeira e aumenta o protecionismo. Também esse esquema tende ao fracasso, mas produz algum e feito quando um governo amigo se dispõe a aceitar o desaforo comercial.
Para poupar reservas o governo impõe controles severos às compras de moeda estrangeira e aumenta o protecionismo. Também esse esquema tende ao fracasso, mas produz algum e feito quando um governo amigo se dispõe a aceitar o desaforo comercial.
Neste caso, esse governo amigo tem como
endereço principal o Palácio do Planalto, em Brasília. A tolerância é
praticada em nome de uma solidariedade nunca retribuída e, de forma
implícita, de uma liderança regional imaginária e sempre desmentida na
prática.
A solidariedade tem um claro componente ideológico. O estilo dos Kirchners tem sido uma evidente inspiração para o governo brasileiro. Mas as condições no Brasil são um tanto diferentes e têm sido menos propícias, pelo menos até agora, a algumas iniciativas mais audaciosas.
A solidariedade tem um claro componente ideológico. O estilo dos Kirchners tem sido uma evidente inspiração para o governo brasileiro. Mas as condições no Brasil são um tanto diferentes e têm sido menos propícias, pelo menos até agora, a algumas iniciativas mais audaciosas.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
ainda funciona sem interferência do Executivo. O PT conseguiu, pelo
menos durante algum tempo, impor sua marca ao velho e respeitável
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas a ação foi
desastrada e desmoralizante. Não se conhece, até hoje, nenhuma tentativa
semelhante em relação ao IBGE.
Sem manipulação direta dos índices, a maquiagem da inflação ocorre diretamente nos preços, por meio, por exemplo, da redução das contas de eletricidade, da imposição de perdas à Petrobrás e do congelamento das tarifas de transporte urbano.
Sem manipulação direta dos índices, a maquiagem da inflação ocorre diretamente nos preços, por meio, por exemplo, da redução das contas de eletricidade, da imposição de perdas à Petrobrás e do congelamento das tarifas de transporte urbano.
Seria politicamente muito mais complicado tentar mexer nos
indicadores produzidos pelo IBGE. Mas a interferência direta na fixação
de preços dispensa o governo desse risco. Impõe, em contrapartida, uma
porção de outros problemas.
O congelamento de tarifas de transporte público resultou em perdas para governos municipais e estaduais, incluídos os do PT. Recursos para investimentos e até para ações rotineiras tornaram-se mais escassos, mas o reajuste de tarifas é hoje politicamente mais difícil do que no ano passado.
O esperado socorro do governo federal - uma das apostas do prefeito Fernando Haddad - também está atrasado e é pouco provável, porque as contas do Tesouro Nacional estão em más condições. Se algum socorro aparecer, será uma surpresa, porque a meta fiscal anunciada no mês passado pelo ministro da Fazenda parece cada dia mais inacessível. O aumento das despesas para socorrer o setor elétrico é uma sangria a mais para o Orçamento federal.
Se a presidente insistir em poupar os consumidores, será preciso compensar os gastos adicionais do subsídio às contas de eletricidade. O ministro da Fazenda mencionou o possível aumento de impostos e a reabertura do Refis, o refinanciamento de dívidas tributárias.
O congelamento de tarifas de transporte público resultou em perdas para governos municipais e estaduais, incluídos os do PT. Recursos para investimentos e até para ações rotineiras tornaram-se mais escassos, mas o reajuste de tarifas é hoje politicamente mais difícil do que no ano passado.
O esperado socorro do governo federal - uma das apostas do prefeito Fernando Haddad - também está atrasado e é pouco provável, porque as contas do Tesouro Nacional estão em más condições. Se algum socorro aparecer, será uma surpresa, porque a meta fiscal anunciada no mês passado pelo ministro da Fazenda parece cada dia mais inacessível. O aumento das despesas para socorrer o setor elétrico é uma sangria a mais para o Orçamento federal.
Se a presidente insistir em poupar os consumidores, será preciso compensar os gastos adicionais do subsídio às contas de eletricidade. O ministro da Fazenda mencionou o possível aumento de impostos e a reabertura do Refis, o refinanciamento de dívidas tributárias.
Mais uma vez o balanço fiscal dependerá de receitas
especiais, como os pagamentos iniciais do Refis, os dividendos do BNDES
e o pedágio pago pelas concessões de infraestrutura. Se as agências
classificadoras aceitarem a jogada, talvez se possa evitar a redução da
nota de crédito soberano.
Um pouco mais de seriedade na gestão das contas públicas e no combate à inflação pouparia ao governo muitas complicações e livraria o País de perdas injustificáveis. Combate sério à inflação inclui o uso mais eficiente do dinheiro público e a ação realmente autônoma do Banco Central.
Um pouco mais de seriedade na gestão das contas públicas e no combate à inflação pouparia ao governo muitas complicações e livraria o País de perdas injustificáveis. Combate sério à inflação inclui o uso mais eficiente do dinheiro público e a ação realmente autônoma do Banco Central.
O Brasil nada ganhou com a redução voluntarista dos juros. A inflação subiu e foi preciso apertar de novo a política monetária. Também nada ganhou com a manipulação de preços e tarifas. Burradas só geram problemas e o esforço para disfarçá-los envolve novas burradas, como a solução improvisada para o problema das elétricas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário