O projeto que legaliza o consumo de maconha,
apresentado nesta quarta-feira (19) pelo deputado Jean Wyllys
(Psol-RJ), também perdoa os traficantes da droga. Pela proposta, presos
condenados pelo comércio de outras drogas, como cocaína, crack e LSD,
por exemplo, continuariam na cadeia. Não é possível saber com exatidão
quantas pessoas poderão se beneficiar do projeto caso ele seja aprovado.
Hoje, existem no Brasil 131 mil pessoas presas por tráfico,
independentemente do tipo de droga comercializada.
O Projeto de Lei 7270/14 prevê anistia para quem foi condenado por
venda da maconha. A medida vale para as condenações anteriores à
aprovação da lei. Segundo o texto, o perdão é para “todos que, antes da
sanção da lei, cometeram crime previsto na lei antidrogas, sempre que a
droga que tiver sido objeto da conduta anteriormente ilícita por elas
praticada tenha sido a cannabis [nome científico da planta], derivados e
produtos da cannabis”.
Em entrevista ao Congresso em Foco, Jean disse que a
soltura do traficante é uma questão de coerência. “Se a venda for
legalizada, não faz sentido a pessoa continuar presa. A gente precisa
ser uma sociedade solidária, discutir. Nós temos a quarta maior
população carcerária do mundo”, disse ele hoje.
Segundo o deputado, pobres e negros são os principais integrantes das
cadeias. “Precisamos acabar com isso de punir pobres e negros,
principalmente jovens, moradores de periferias das grandes cidades, que
são aliciados pelo tráfico e presos por portarem quantidades de maconha.
Eles são jogados em celas, num sistema carcerário desumano.”
População contra
De acordo com levantamento da empresa Expertise, divulgado no final
do mês passado, 81% dos brasileiros são contra a legalização da maconha e
19%, favoráveis. Os números são semelhantes aos da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp), apurados em 2013, que apontaram 75% da
população contrária à liberação do entorpecente.
Porém, a Expertise anotou que 57% dos brasileiros são favoráveis ao uso medicinal da maconha.
Segundo lugar
Tráfico de drogas é o segundo principal motivo de prisões no Brasil,
perdendo apenas para crimes contra o patrimônio, como roubo e
estelionato. O último levantamento do Departamento Penitenciário
Nacional (Depen), de 2012, mostra que venda de drogas ilícitas é o
motivo da prisão de 25% das 548 mil pessoas que formam a população
carcerária.
Destes, 131 mil cometeram tráfico comum e 6.800, internacional. Entre
os traficantes detidos, 123 mil são homens e 15 mil mulheres.
Saiba mais: Por quais crimes eles estão presos
O projeto de Jean Wyllys tem exceções. Os presos por tráfico
internacional de drogas não poderiam ser beneficiados pela anistia.
Também estariam fora quem for processado por crimes praticados com
violência, grave ameaça ou emprego de arma de fogo.
Perdem ainda a anistia quem cometer crimes valendo-se de cargos
públicos ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda
ou vigilância. Se houver envolvimento de criança, adolescente ou pessoa
com menor capacidade de entendimento, também não se admite o perdão da
pena.
Segundo projeto este ano
A proposta para legalizar a maconha é a segunda apresentada este ano
na Câmara. No mês passado, o deputado Eurico Júnior (PV-RJ) protocolou
texto sobre o mesmo assunto. A principal diferença entre os dois são as
quantidades que podem ser produzidas de forma caseira e a previsão de
produção em larga escala.
O projeto do deputado Jean Wyllys permite uma grande plantação de
maconha desde que inspecionada e fiscalizada pelo Ministério da
Agricultura.
Também há variação na quantidade de pés que podem ser cultivados em
casa. A proposta de Eurico Júnior permite, no máximo, seis pés da planta
por residência. O de Jean Wyllys legaliza a produção de 12 pés por
pessoa em cada casa: seis pés maduros e seis verdes. Se a produção
passar de uma dúzia de plantas, é necessária comprovação de que a
quantidade de plantas é proporcional ao número de residentes no local.
Os dois projetos preveem o máximo de 480 gramas para a produção caseira.
Fora da inspeção
Pelo texto de Jean Wyllys, a cannabis, nome científico da maconha,
deixa de integrar a lista de substâncias e medicamentos sujeitos à
inspeção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Passa a
fazer parte da mesma lei que regulamenta o uso de cigarros e bebidas
alcoólicas. O projeto define como Cannabis toda a parte da planta, em
crescimento ou não, as sementes da mesma, a resina extraída de qualquer
parte da planta, e todo o composto, manufatura, sal, derivados, mistura
ou preparação da planta.
O texto mais recente, como o anterior, legaliza e regulamenta o
cultivo e uso em associações. Os clubes de autocultivadores deverão ter
um máximo de 45 sócios. Poderão plantar um número de plantas
proporcional ao número de sócios, o que equivale a um máximo de 540
plantas de Cannabis para clubes de 45 sócios, sendo 270 plantas maduras e
270 plantas imaturas, e obter como produto da colheita da plantação um
máximo de armazenamento anual proporcional ao número de sócios, que não
poderá exceder 21,6 kg anuais.
No Senado
O Senado também terá de discutir o assunto nos próximos meses. O
senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentará, na Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa, parecer a uma proposta que libera o uso recreativo, medicinal ou industrial da droga.
A sugestão chegou ao Senado por meio do portal da Casa recebeu mais
de 20 mil manifestações de apoio. Caberá ao relator opinar pela rejeição
ou pela transformação da proposta em projeto de lei.
O texto sugerido aos senadores prevê que o consumo da maconha seja
legalizado, a exemplo do que ocorre hoje com bebidas alcoólicas e
cigarros. Estabelece, ainda, que seja considerado legal “o cultivo
caseiro, o registro de clubes de cultivadores, o licenciamento de
estabelecimentos de cultivo e de venda de maconha no atacado e no varejo
e a regularização do uso medicinal”.
Cristovam pediu um estudo a consultores do Senado para saber como
andam os processos de legalização da maconha em outros países, quais são
os impactos científicos e econômicos da medida, seus benefícios e
custos. O estudo também deve indicar se a liberação contribui para o
aumento ou diminuição do consumo da droga.
Em maio do ano passado, a Associação Brasileira do Estudo do Álcool e
outras Drogas (Abead) se posicionou, pela primeira vez, contra a
legalização da maconh, em um relatório entregue ao chefe da Secretaria
Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Vitore André Zílio
Maximiano. De acordo com a entidade, em sete países, a liberação da
droga causou mais prejuízos (aumento do consumo e diminuição da idade de
experimentação, por exemplo) que benefícios, como a queda no número de
prisões e o crescimento da busca por tratamento.
Uruguai
Em dezembro do ano passado, o Senado uruguaio aprovou a legalização
da produção, distribuição e venda da maconha sob controle do Estado.
Pela lei uruguaia, o usuário pode comprar até 40 gramas de maconha por
mês, em farmácias, e cultivar até seis pés da erva individualmente.
Esse número sobe para 99 plantas caso os usuários se reúnam em clubes
com 15 a 45 integrantes. O governo do país vizinho defende a medida
como forma de reduzir o poder do narcotráfico e a dependência dos
uruguaios de drogas mais pesadas.
Traficante e usuário
A chamada Lei Antidrogas (11.343/2006) proíbe o uso de substâncias
entorpecentes, “bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração
de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas
drogas”. A lei estabelece punições diferentes para usuários e
traficantes. Quem for flagrado comprando, guardando ou transportando
droga para consumo pessoal está sujeito a advertência, prestação de
serviço à comunidade e a medida educativa de comparecimento a programas
ou cursos.
Já os traficantes podem ser condenados de cinco a 15 anos de prisão,
além do pagamento de multa. Cerca de 25% dos 548 mil presos brasileiros
estão privados da liberdade por terem sido enquadrados no crime de
tráfico de drogas. A lei, no entanto, não estabelece critérios objetivos
para diferenciar o usuário do traficante. A decisão cabe ao juiz.
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