quinta-feira, 10 de abril de 2014

Natureza em risco Brasileiro colaborador do IPCC diz que, dificilmente, alguns hábitats, como os oceanos, escaparão dos efeitos nocivos da mudança climática.

O cientista ressalta também que o Brasil não pode se descuidar do combate ao desmatamento

Correio Braziliense

Publicação: 02/04/2014 17:00


 (Zuleika de Souza/CB/D.A Press)

Enchentes, secas extremas, tufões, terremotos. Gente morrendo de calor, outras sucumbindo a doenças infecciosas. Plantações devastadas, espécies animais sumindo do globo. O que parece cena de filme catástrofe já está, de fato, ocorrendo no mundo. O alerta veio do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU responsável por elaborar relatórios que tracem os cenários atuais e futuros do planeta frente ao aumento de temperatura no globo.

Um dos autores do documento, recém-divulgado em Yokohama, no Japão, é o brasileiro Carlos Nobre. Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o cientista climático foi nomeado, no ano passado, para o Painel de Alto Nível para Sustentabilidade Global, conselho que assessora diretamente o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. O texto que ajudou a compor deverá influenciar o selamento de um acordo climático mais enfático em 2015, quando ocorre a Conferência das Partes de Paris, a COP-21. Até lá, os países-membros das Nações Unidas ainda terão o encontro de Lima, daqui a sete meses, para discutir políticas de mitigação e adaptação.

O Grupo de Trabalho 2 do IPCC, cujo relatório foi divulgado agora, apontou os principais desafios para as diversas regiões do planeta, enfatizando a necessidade de gerenciar os riscos antes que seja muito tarde. Em entrevista ao Correio, Nobre destaca a metodologia, que tornou mais fácil visualizar a contribuição das mudanças climáticas para a dinâmica do planeta. O cientista explica que, no que se refere às ameaças aos sistemas humanos, é possível reverter alguns impactos com a adoção de políticas de redução da vulnerabilidade social. Contudo, o secretário do MCTI lembra que o mesmo não vai ocorrer em relação a sistemas naturais. A ciência ainda desconhece estratégias de adaptação que evitem o rigor dos impactos climáticos sobre determinados hábitats, como os oceanos: “Para milhões de espécies do planeta, a vida pode não ser tão fácil”, alerta.

Na avaliação de Carlos Nobre, o Brasil está no rumo certo em relação às recomendações feitas pelo IPCC. O país é o único entre os desenvolvidos a reduzir emissões de CO2, graças à queda do desmatamento. Mas o cientista adverte que a tendência positiva poderá se reverter caso se descuide das políticas de combate ao desflorestamento: “Essa é uma política que tem de ser implementada permanentemente”, diz.


As últimas edições das Conferências das Partes (COPs) frustraram pelos resultados modestos. O senhor acredita que o relatório do IPCC servirá de instrumento de pressão para que o encontro de Lima seja mais expressivo?

Acredito que sim, não só agora, mas também em Paris, no ano que vem. O relatório do Grupo de Trabalho 2 traz um referencial conceitual mais forte, mais poderoso.


Ficou mais fácil a comunicação desse relatório. Ele está em uma linguagem sintética e fácil de entender. Por exemplo, aparece um diagrama que liga o risco com a capacidade de combater aquele risco, com a adaptação. Ficou mais simples enxergar a mudança climática com relação aos geradores de risco, que são uma união de forças: uma é a ameaça climática, a outra é a vulnerabilidade, a pobreza, a inequidade, além da exposição.


O risco é o produto dessas três coisas. Está mais fácil entender o peso das mudanças climáticas. Ficou muito pedagógico. Tudo foi elaborado em função desse conceito de gerenciamento de risco.


O relatório, inclusive, mostra que existem estratégias que podem combater esses riscos.

Isso, algumas. É muito interessante olhar alguns setores e ver que o espaço da adaptação para sistemas humanos é muito grande. Sem adaptação, na maioria dos cenários (com previsão de aumento de temperatura) para 2º e 4ºC, você tem um risco muito alto. Quando se coloca a adaptação, o risco cai para médio e até para baixo.

Mas, em alguns setores, como os sistemas oceânicos, o conhecimento científico não consegue estabelecer medidas que diminuam significativamente o risco. São os limites da adaptação. Em algumas áreas, há limites de adaptação, principalmente quando tem a ver com sistemas naturais, como ecossistemas terrestres, zonas polares…


Quando tem a ver com sistemas humanos, quase todos os impactos previstos você consegue pensar em uma série de estratégias de adaptação, que são ou do lado do desenvolvimento, pelo qual você reduz muito a vulnerabilidade, ou pelo lado da redução da exposição também. Então esse é um aspecto bem interessante nesse documento.

Também assustador, não?

É assustador. Se você olhar uma das tabelas do relatório, da velocidade em que árvores, plantas, animais, insetos etc. podem buscar as zonas climáticas do equilíbrio, a média de quilômetros por década que uma árvore consegue seguir o clima é 1km.

Quer dizer, você tem o clima mudando, e as árvores naturalmente vão buscar o ótimo climático, mas uma população de árvores só consegue migrar 1km por década. Quando você olha o cenário mais conservador, que praticamente é muito difícil de atingir, no qual a temperatura aumentaria 1,5ºC — ela já registrou elevação de 1ºC, então a diferença seria de 0,5ºC, quase uma estabilização —, esse cenário, que parece muito difícil, é o único que permitiria às árvores se adaptarem.

E em um cenário pior?

Já no outro cenário, em que a temperatura aumentaria uns 2ºC, 2,5ºC, as árvores já não se adaptariam, não conseguiriam acompanhar a mudança climática. Elas e as plantas herbáceas ficariam para trás. Isso significa um risco muito grande, uma ameaça.


E, para esse tipo de situação ecológica, ainda não existem soluções. A ciência e a tecnologia vão ter de avançar muito para começar a desenhar soluções para isso. Em termos humanos, é possível reduzir os riscos com a diminuição da exposição e também com o desenvolvimento, com a diminuição da vulnerabilidade que vem da pobreza, da falta de educação, da desigualdade de gênero…

Mas, para as outras milhões de espécies do planeta, a vida pode não ser tão fácil assim, e ainda carecemos de estratégias de adaptação.


Em comparação com o documento de 2007, os impactos previstos para o Brasil estão maiores, menores ou estáveis?

O relatório de 2014 é muito mais detalhado e avaliou a literatura científica sobre os impactos regionais, principalmente para os países em desenvolvimento e para a América do Sul. Ainda assim, (o volume de informações) é pequeno perto desse conhecimento que existe para a América do Norte, a Europa e a Austrália.


Ainda temos um conhecimento científico pequeno, proporcionalmente falando, com relação a impactos. Também temos muito menos experiência com relação a colocar medidas de adaptação às mudanças climáticas no planejamento e na resposta a todos esses desafios. Mas não se compara o que conhecemos hoje com o que conhecíamos há oito anos.


Então, como nosso conhecimento é muito maior, é preciso ter cuidado para não parecer que os impactos são muito maiores. Tem aquela história do número de roubos ser hoje maior no estado de São Paulo, mas parte disso é porque agora você pode fazer o boletim de ocorrência pela internet.


Ou seja, a gente não sabe se aumentou o número ou se as pessoas que não iam à delegacia agora têm essa oportunidade. Voltando ao clima, temos uma documentação científica muito maior dos impactos na América do Sul. Houve um aumento gigantesco no conhecimento sobre os impactos no Brasil.


Realmente tínhamos muito pouco até 2006, 2007, contavam-se nos dedos os estudos completos. Agora, nós temos algumas centenas. Então, a prova de que já estão acontecendo impactos e que outros vão acontecer é muito maior.


Houve alguma revisão sobre o risco de savanização da Amazônia? 

Não, isso não mudou muito. Continuam a ter várias evidências do processo de savanização — não de toda a Floresta Amazônica, mas de algumas partes dela. E essas informações continuam lá (no relatório do IPCC).

O que se tem de entender é o seguinte: existe uma regra com que você deve avaliar os estudos científicos feitos naquele período. O que aconteceu é que, no período anterior, tinham sido publicados os primeiros trabalhos que mostravam o risco de savanização. Então, deu-se um certo destaque. Já no período subsequente, 2007-2013, o assunto amazônico que mais mereceu atenção foi a alternância de extremos: em 2005, uma megasseca; em 2009, uma megaenchente; em 2010, uma megasseca; em 2012, uma megaenchente…


Então, em um curtíssimo intervalo, sete anos, nós tivemos as quatro maiores anomalias climáticas dos últimos 110 anos da Amazônia, as duas mais severas secas (2005 e 2010) e as duas maiores inundações (2010 e 2012). Isso, logicamente, a partir de 2005, chamou muito a atenção da comunidade científica. Houve dezenas de dezenas de artigos científicos que foram revisados e uma enorme ênfase em entender o que está acontecendo na região.


Os artigos que falam do processo de savanização continuam no relatório, mas, na hora de selecionar os pontos principais para o sumário, esse ponto (da alternância de extremos) foi o que chamou atenção. Então não é que em 2007 identificou-se que havia o perigo de a Floresta Amazônica, por causa das mudanças climáticas, passar por um processo de savanização e, em 2014, esse risco não existe mais.


Esse risco existe, e os artigos estão lá, mas o que vem para o sumário é o que tem mais destaque naqueles sete anos da literatura científica.


De forma geral, o Brasil já está seguindo as recomendações de adaptação apresentadas no relatório do IPCC?

Não só o Brasil está seguindo como está liderando essa questão globalmente. Na questão de ecossistemas, está liderando em várias dimensões. Na de mitigação global, é o único país em desenvolvimento a reduzir emissões, por causa da acentuada redução de desmatamento na Amazônia e, pelo menos nos registros que nós temos, também uma diminuição no desmatamento do cerrado. Isso é uma grande notícia.


Além do mais, para a Amazônia, é uma diminuição das ameaças. Quanto mais fragmentada for a vegetação, mais ela será vulnerável à savanização. A queda no desmatamento diminuiu muito o risco de savanização. Por isso, é muito importante que essa política pública bem-sucedida dos últimos oito anos não perca prioridade, que ela seja sempre revigorada.


O esforço contra o desmatamento tem de ser contínuo, não dá para descuidar um único mês, um único ano. Nesse sentido, o Brasil está no caminho certo. Poucos países em desenvolvimento podem dizer que estão reduzindo emissões. É lógico que isso também é uma medida muito importante para aumentar a resiliência. 
Vai nas duas direções: diminuir as emissões e aumentar a resiliência no ecossistema, que são os sentidos da mitigação e da adaptação. O Brasil é certamente um país que tem feito isso. Vai se ver isso mais detalhadamente no Grupo de Trabalho 3: a redução de desmatamento da Amazônia, marginalmente, também diminui o risco para as outras florestas tropicais do planeta, porque diminui as emissões de carbono.

Agora, essa é uma política que tem de ser implementada permanentemente. Não existe um momento em que você diz: “Pronto, agora não precisa fazer mais nada”. A gente pode dizer que, nessa política, estamos inflexionando a curva das emissões em todo o trópico, não só no Brasil. Porém, ainda não inflexionamos a curva dos combustíveis fósseis.

Então, olhando o cenário global, nós pelo menos enxergamos uma tênue luz no fim no túnel na questão da alteração da vegetação, mas ainda procuramos essa luz no uso dos combustíveis.

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