segunda-feira, 7 de abril de 2014

“O programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ está virando uma fonte de enriquecimento do crime organizado


Edição do dia 06/04/2014  G1 Fantastico
 

Bandidos expulsam beneficiados do 'Minha Casa, Minha Vida' de imóveis



A reportagem especial deste domingo (6) é uma denúncia de violência e fraude em conjuntos residenciais do programa 'Minha Casa, Minha Vida', uma iniciativa que já beneficiou mais de 1,5 milhão de famílias brasileiras. Estão envolvidos traficantes, milicianos e até agentes públicos.

“Chegou uma quadrilha de traficante lá e disse: ‘essa casa aqui é nossa, perdeu’”, conta um morador.

“Quarenta e oito hora para sair de dentro de casa”, relata outro. 

Essas pessoas foram beneficiadas pelo programa 'Minha Casa, Minha Vida' e agora não têm onde morar. “Eu vi morador sendo expulso e vi morador sendo morto”, diz uma testemunha.

São vítimas do crime organizado. Bandidos estão destruindo o sonho da casa própria de muita gente pelo Brasil afora.

O apartamento é de um condomínio construído pelo programa do Governo Federal. “Desde 2010 eu sou inscrito no ‘Minha Casa, Minha Vida’. Quando veio a chance, eu agarrei, porque eu tenho família. Eu achei que era um projeto sério”, lembra um homem.

O programa exige uma série de condições sociais e econômicas para conceder o financiamento. Se estão dentro das condições pedidas, mas o número de candidatos é maior do que o de habitações, os inscritos têm que participar de um sorteio para receber a casa própria. Era o caso de pelo menos 50 famílias em condomínio do Rio.

“Começaram uns intermediários no local dizendo que, se a gente pagasse R$ 5 mil, R$ 6 mil, teria pessoas da própria prefeitura que iriam agilizar a documentação para a gente ser premiado primeiro. 

O nome dele era Bruno. Ele era funcionário da Secretaria de Habitação”, diz uma mulher.

“Ele informou que quem era inscrito no ‘Minha Casa, Minha Vida’, teria altas chance de conseguir o imóvel”, afirma um homem.

O golpe aconteceu em 2012. Na época, o secretário de Habitação do Município era Jorge Bittar. 

Quando descobriram que tinham sido enganados, os moradores se reuniram com representantes da Prefeitura do Rio, como mostra um vídeo. Foi em janeiro de 2013, depois que Bittar deixou a Secretaria e reassumiu o cargo de deputado federal.

No vídeo, o então subprefeito, Edson Luiz Menezes, admite o problema: “Teoricamente, vocês compraram o apartamento de uma pessoa que realmente fazia parte daquela gestão da prefeitura”, diz.

Ele diz que quem pagou vai ter que sair: “A gente vai ter que realmente desocupar os imóveis e entregar os imóveis para os verdadeiros donos. Eu não posso premiar a ilegalidade”, afirma.

As famílias já estão recebendo ordens de despejo. “Elas imaginam que elas entraram regularmente nos imóveis, inclusive desembolsando quantias que, para elas, às vezes são economias de uma vida inteira. Como uma pessoa dessa é invasora? Essa pessoa é uma vítima”, aponta o defensor público Eduardo Lopes Piragibe.

Apontado pelos moradores como o funcionário da Secretaria de Habitação do Rio que cobrava dinheiro para entregar as chaves da casa, Bruno concordou em dar entrevista ao Fantástico. 

Quando a equipe chegou para a gravação, ele pediu para não mostrar o rosto nem divulgar o sobrenome, alegando estar com medo da ação do crime organizado nos condomínios.

Ele negou ter recebido dinheiro dos moradores. “Eles são invasores, invasores de um condomínio, que estão aproveitando da minha imagem e do meu nome para se beneficiar de um apartamento”, afirma.

No Pará, a Polícia Federal e o Ministério Público também investigam fraudes no programa ‘Minha Casa, Minha Vida’. A primeira denúncia é de manipulação na inscrição.

“Alguns servidores públicos, em troca de alguns favores para as eleições municipais de 2012, estavam inserindo alguns candidatos ao programa, ao benefício na lista para ser remetido para a Caixa Econômica Federal”, explica o procurador do Ministério Público Federal do Pará Aécio Mares Tarouco.

“A Polícia Federal concluiu que o programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, em Redenção, foi utilizado com fins eleitorais, fim de reeleger o ex-prefeito e eleger pretensos candidatos ligado a ele”, aponta o delegado da Polícia Federal do Pará Luiz Felipe da Silva.

A segunda denúncia: os próprios moradores do condomínio dizem que nem todos os beneficiados moram nas casas. “Já tem um ano e quatro meses que eu moro aqui, eu nunca vi ninguém nessa casa aqui”, diz um morador.

Tem mais: beneficiados estão tentando ganhar dinheiro com os imóveis antes de serem quitados. “Eles negociavam ou locavam ou alienavam esse imóvel para pessoas próximas, ou parentes ou amigos”, diz Tarouo.

“Tem casa aí também que já foi alugada, que o dono nunca morou, que ganhou mesmo e nunca morou”, aponta uma moradora.

“Não há fiscalização para ver se ele realmente está morando lá, se ele está passando a casa para alguém. Não está sendo feita”, avalia o procurador do MP.
No Rio, o Fantástico encontrou na internet o anúncio de um imóvel de um conjunto construído pelo programa ‘Minha Casa, Minha Vida’. 

É um dos muitos que a chamada milícia vende quando o morador não pode pagar as taxas cobradas pelos criminosos.  

Os milicianos cobram por segurança e também taxam os serviços de água, luz e gás. “A gente gasta ali, na média, R$ 500 por mês, só de taxa para morar no que é da gente”, conta um morador.

A milícia ganha dinheiro até vendendo comida nos condomínios.  “Só pode comprar deles. Não pode comprar em mercado de maneira nenhuma”, relata o morador.

“O programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ está virando uma fonte de enriquecimento do crime organizado”, avalia Piragibe.

“E se você não pagar naquele dia, eles lhe mandam sair fora da casa, sem direito a nada, só com a roupa do corpo”, explica o morador.

“Chegaram quatro rapazes lá na minha casa e falaram que eu tinha 48 horas para sair de dentro de casa. Eu simplesmente peguei a mulher e o menino e parti”, conta uma vítima.

Em 2011, uma grande operação expulsou os milicianos do condomínio que fica em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Segundo os moradores, pouco tempo depois a milícia voltou.

Uma família de Salvador, na Bahia, continua aparecendo nas estatísticas oficiais como beneficiada pelo programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, embora o único teto que tenha hoje seja o de uma ponte. A família diz que foi expulsa de um condomínio em Serrinha, no interior do estado, por traficantes.

“Chegou uma quadrilha de traficante e disse: ‘essa casa aqui é nossa, perdeu’. Venderam para outras pessoas e nós passando por essa vida difícil assim na rua”, conta a ex-moradora.

Em nota, a Prefeitura de Serrinha afirma que desconhece organizações criminosas que expulsam moradores.

Já o então candidato a prefeito de Redenção, no Pará, Wagner Fontes, não quis falar com o Fantástico. O advogado dele nega uso político do cadastro no programa: “Não tinham meios do prefeito ou de qualquer outra pessoa envolver na seleção dessas pessoas, porque isso era feito pelo órgão federal, Caixa Econômica”, afirma o advogado Pedro Carneiro.

Por lei, as prefeituras fazem os cadastros, e a Caixa Econômica Federal verifica quem realmente está dentro do perfil exigido pelo programa.
Também em nota, o ex-secretário de habitação do Rio Jorge Bittar afirma que Bruno foi funcionário dedicado e correto e, por isso, hoje, faz parte da equipe de Bittar, que é deputado federal.

Já a Polícia Civil informa que a Delegacia de Defraudações vai convocar os envolvidos no caso para prestar depoimento. As denúncias dos moradores foram feitas em janeiro de 2013.


O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro afirma que haverá uma nova operação no condomínio que já havia sido tomado pelas milícias em 2011. Mas ele diz que é preciso mais: “Vamos fazer outra operação lá? Vamos fazer, não tenha dúvida. 

Mas, se o transporte lá não melhorar, ou se as outras condições de luz, de entrega de gás também não acontecerem, alguém vai ocupar essa lacuna, a falha, e se locupletar com esse serviço que não está sendo feito de uma maneira bem feita”, avalia José Mariano Beltrame.



Na quinta-feira (3), o ministro das Cidades disse ao Fantástico que vai combater os desvios. “Não vamos tolerar ou admitir qualquer tipo de distorção do programa, seja ela através da milícia, do tráfico, da corrupção ou de qualquer uma outra situação que possa desvirtuar o objetivo do programa”, afirma Gilberto Occhi.


Vinte e quatro horas depois que o Fantástico entrevistou em Brasília o ministro das Cidades, ele convocou, para Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, um encontro com representantes da Caixa Econômica Federal, da Polícia Federal e da Polícia Civil.

Segundo ele, nesta semana haverá uma reunião para tratar das invasões da milícia. “Nela será assinada uma portaria interministerial convidando outros órgãos, as prefeituras, as polícias locais, começando pelo Rio de Janeiro, para que a gente possa efetivamente dar esse trabalho e dar essa resposta e essa satisfação à sociedade”, diz.

Fantástico: Você pensa em recomeçar de que maneira?

Vítima: Bem, em uma área que não tenha miliciano, uma área segura que eu tenha a certeza absolutamente que não tenha ninguém envolvido com eles, para poder começar tudo de novo.

 Pelo jeito a fraude começa mesmo na SEDHAB.




O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) vai instaurar um inquérito civil público para investigar se o secretário adjunto de Habitação, Rafael Carlos de Oliveira, usou o cargo para beneficiar a Associação Pró-Morar do Movimento Vida de Samambaia (AMMVS).

A entidade é conveniada com a União e com o GDF para representar 203 entidades habitacionais na 4ª Etapa do Riacho Fundo 2, empreendimento que conta com construções financiadas pela Caixa Econômica Federal por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida. A irmã dele, Daniela Kely Oliveira, aparecia como diretora executiva da associação até maio de 2011.

Se ficar comprovada alguma irregularidade, Oliveira poderá responder por improbidade administrativa. Chama a atenção que, em janeiro do mesmo ano, ele havia assumido a pasta como secretário adjunto.


Oficialmente, Daniela não tem cargo na diretoria da entidade, mas presta serviços como “consultora”. Presidentes de cooperativas e filiados ouvidos pelo Correio afirmam que ela é responsável por fazer o endereçamento das casas a serem entregues no Riacho Fundo 2. ...

O caso é analisado pela Promotoria de Tutela de Fundações e Entidades de Interesse Social (Pifeis) e pela 4ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social (Promodep). Segundo a promotora de Justiça da Pifeis, Cátia Vergara, o fato de o secretário adjunto de Habitação ter atuado na Sedhab durante cinco meses com a irmã à frente da AMMVS implica conflito de interesses.


“Nesse caso, alguém pode ter se beneficiado de algum modo e configurar violação do princípio da impessoalidade. Não pode haver promiscuidade entre o agente público e o privado. É inadmissível”, afirmou.

Em entrevista na última terça-feira, Oliveira se defendeu da acusação, também alvo de análise no Tribunal de Contas do DF (TCDF), da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), da Corregedoria-Geral da União (CGU) e da Secretaria de Transparência e Controle do DF.


Ele destacou que a AMMVS firmou contrato com a União cinco anos antes de ele ser nomeado secretário adjunto da Sedhab. Acrescentou que não exerce influência sobre processos de habilitação conduzidos pela empresa pública ou eventuais favorecimentos à entidade.

Por Mara Puljiz

Fonte: Correio Braziliense - 30/05/2013

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