Sem mistificações
SOS Brasil - Senadores Mário Couto (PSDB-PA) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) detonaram o desgoverno Dilma, na sessão do Congresso no último dia 2 de abril, exigindo lisura na instalação da CPI ou CPMI da Petrobras.
Por Fernando Henrique Cardoso
Quando me empenhei
em fazer algumas reformas e modernizar a estrutura produtiva do Brasil, tanto
das empresas privadas quanto das estatais, não o fiz movido por caprichos ou
por subordinação ideológica. Tratava-se pura e simplesmente de adequar a
produção brasileira e o desempenho do governo aos novos tempos (sem discutir se
bons ou maus, melhores ou piores do que experiências de tempos passados).
Eram, como ainda
são, tempos de globalização, impulsionados por novas tecnologias de comunicação
e informação, como a internet, e por avanços nos sistemas de transporte, como
os contêineres, que permitiram maximizar os fatores produtivos à escala
mundial. Daí por diante a produção se espalhou pelo mundo, independentemente do
local de origem do capital. Os mecanismos financeiros, por sua vez, englobaram
todos os mercados, interligados por computadores.
Nas novas condições
mundiais, ou o Brasil se integrava competitiva e, quanto possível,
autonomamente aos fluxos produtivos do mercado, ou pereceria no isolamento e em
desvantagem competitiva, pelo atraso tecnológico e pela ineficiência da máquina
pública.
As privatizações foram apenas parte do processo modernizador. Tão importante quanto foi a transformação do setor produtivo estatal. O objetivo era transformar as empresas estatais em companhias públicas, submetidas a regras de governança, fora do controle dos interesses político-partidários, capazes de competir e de se beneficiar das dinâmicas do mercado.
As privatizações foram apenas parte do processo modernizador. Tão importante quanto foi a transformação do setor produtivo estatal. O objetivo era transformar as empresas estatais em companhias públicas, submetidas a regras de governança, fora do controle dos interesses político-partidários, capazes de competir e de se beneficiar das dinâmicas do mercado.
A zoeira das
oposições, Lula e PT à frente, foi enorme. Acusavam o governo de seguir
políticas “neoliberais” e de ser submisso ao “consenso de Washington”. A cada
leilão para exploração de um campo de petróleo (especialmente daquele onde se
veio a descobrir óleo no pré-sal) choviam protestos e mobilizações de
“organizações populares”, bem como ações na Justiça para paralisar as decisões.
Com igual ou maior
vigor, as oposições e os setores da sociedade que ainda não se haviam dado
conta das transformações pelas quais passava a economia global protestavam
contra as concessões de serviço público, como no caso da telefonia, e iam ao
desespero quando se tratava de privatizar uma companhia como a Vale do Rio
Doce, ou as siderúrgicas (que, aliás, foram privatizadas nos governos Sarney e
Itamar).
Alegava-se que as
empresas eram vendidas na bacia das almas, por preços irrisórios. Na verdade,
no caso da telefonia, venderam-se 20% de suas ações, as que garantiam seu
controle, por 22 bilhões de reais, preço que superou em mais de 60% o valor
mínimo estabelecido.
Além disso, a privatização permitiu um grande volume de investimentos nos anos seguintes, sem falar do salto tecnológico e do aumento de produção que as privatizações renderam ao país. Passamos, por exemplo, de dois milhões de celulares nos anos 1990, a 260 milhões, hoje em dia.
Além disso, a privatização permitiu um grande volume de investimentos nos anos seguintes, sem falar do salto tecnológico e do aumento de produção que as privatizações renderam ao país. Passamos, por exemplo, de dois milhões de celulares nos anos 1990, a 260 milhões, hoje em dia.
Dizia-se que as
privatizações reduziriam os empregos, quando houve uma expansão extraordinária
deles.
Que a Vale estava sendo trocada por nada, quando foi difícil encontrar contendores no leilão porque seu valor, na época, parecia elevado e, se hoje vale bilhões, foi porque houve investimento e ação empresarial competente (diga-se, de passagem, em impostos, hoje, a Vale paga muito mais ao governo, por ano, do que pagava em dividendo quando era uma estatal).
Que a Vale estava sendo trocada por nada, quando foi difícil encontrar contendores no leilão porque seu valor, na época, parecia elevado e, se hoje vale bilhões, foi porque houve investimento e ação empresarial competente (diga-se, de passagem, em impostos, hoje, a Vale paga muito mais ao governo, por ano, do que pagava em dividendo quando era uma estatal).
A Embraer, de quase
falida, passou a ser uma das maiores empresas do mundo.
Isso tudo foi
paralisado a partir do governo Lula, no afã de manter a pecha sobre o governo
anterior de “vendedor do patrimônio nacional” e de neoliberal. Nada de
concessões, privatizações nem modernização que cheirasse a globalização.
Enquanto os ventos do mundo favoreceram a valorização das commodities agrominerais, graças à China, e houve abundância de dólares, a máquina econômica rodou a todo vapor e deu a ilusão de bastaria expandir o crédito, baixar os juros, e incentivar o consumo para o PIB crescer e o bem-estar se generalizar.
Enquanto os ventos do mundo favoreceram a valorização das commodities agrominerais, graças à China, e houve abundância de dólares, a máquina econômica rodou a todo vapor e deu a ilusão de bastaria expandir o crédito, baixar os juros, e incentivar o consumo para o PIB crescer e o bem-estar se generalizar.
A crise financeira
global de 2007/9 ensejou ao governo Lula a oportunidade, bem aproveitada, de
fazer políticas anticíclicas, com resultados positivos. Terminados os efeitos
mais dramáticos da crise, os governos de Lula e Dilma fizeram uma leitura
equivocada.
Estava dada a licença para enterrar o passado recente dos anos 1990 e aderir sem rebuços ao populismo econômico: mais estado, mais impostos, menos juros, mais salários, mais consumo e às favas com as concessões e modernizações, às favas com o papel regulador do estado — pelas agências —, em relação ao mercado.
Estava dada a licença para enterrar o passado recente dos anos 1990 e aderir sem rebuços ao populismo econômico: mais estado, mais impostos, menos juros, mais salários, mais consumo e às favas com as concessões e modernizações, às favas com o papel regulador do estado — pelas agências —, em relação ao mercado.
Deu no que deu.
O governo Dilma, premido pelas dificuldades de fazer a máquina pública andar e pela sociedade, que exige melhor qualidade dos serviços, redescobriu as concessões (ah! mas não são privatizações, dizem, como se outra coisa tivesse sido feito com as telefônicas...). E as faz mal feitas: pouco dinheiro privado e muito crédito público.
O governo Dilma, premido pelas dificuldades de fazer a máquina pública andar e pela sociedade, que exige melhor qualidade dos serviços, redescobriu as concessões (ah! mas não são privatizações, dizem, como se outra coisa tivesse sido feito com as telefônicas...). E as faz mal feitas: pouco dinheiro privado e muito crédito público.
Dá-se conta agora
de que a retomada das empresas estatais pelos partidos, como se vê na Petrobras
e na Caixa, bem como o uso abusivo do BNDES, deu mau resultados.
E ainda houve uma perda bilionária de recursos, criaram-se novos “esqueletos” (dívidas não reconhecidas publicamente) e contabilidades criativas impostas para esconder as transferências de recursos não declaradas no orçamento.
E ainda houve uma perda bilionária de recursos, criaram-se novos “esqueletos” (dívidas não reconhecidas publicamente) e contabilidades criativas impostas para esconder as transferências de recursos não declaradas no orçamento.
Como deve estar
arrependida a presidente Dilma, no caso da Petrobras, de não se haver
desembaraçado do ônus político legado por seu antecessor, que permitiu ao
interesse privado e político penetrar a fundo nas empresas estatais...
Apesar de tudo, PT
e governo já estão se preparando para enganar o povo na próxima campanha
eleitoral fazendo-se de defensores do interesse popular, como se esse se
confundisse com estatização e hegemonia partidária, e estigmatizando os
adversários como representantes das elites e fiadores dos interesses
internacionais.
Cabe às oposições
desmistificar tanto engodo, tomando à unha o pião dos escândalos da Petrobras,
rechaçando a pecha ideológica de “neoliberal”, e reafirmando a urgência de
mudar os critérios de governança das estatais.
Fernando Henrique Cardoso, Sociólogo, foi Presidente da República. Originalmente publicado em Globo e Estadão em 6 de abril de 2014.
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