Os progressistas só creem em liberdade para quem concorda com eles. Para os outros, mordaça!
Meio século depois do golpe de Estado que feriu as liberdades no
Brasil, um deputado foi impedido de discursar no Congresso Nacional. Mas
não tem problema, porque esse deputado é de direita. Essa é a noção de
democracia dos progressistas que abominam a ditadura militar: liberdade
de expressão para os que falam as coisas certas. Para quem fala as
coisas erradas, mordaça. E quem decide o que é certo são eles, os
progressistas. Eles é que têm o dom da virtude (por coincidência, foi
exatamente isso que os militares pensaram em 1964). Seria cômico se não
fosse trágico: os que carregam a bandeira contra o autoritarismo podem
mandar os outros calar a boca...
O deputado Jair Bolsonaro é um conhecido defensor da categoria militar.
E defende o regime implantado em 1964. Numa sessão na Câmara dos
Deputados que marcava os 50 anos do início da ditadura, deputados e
militantes progressistas impediram Bolsonaro de falar. Viraram de costas
no plenário, cantaram, tumultuaram e cassaram no grito a palavra do
deputado de direita. Esses são os democratas brasileiros que defendem a
liberdade.
Eles dizem que não podem tolerar a defesa de um regime imposto por
golpe de Estado. Será então que ninguém mais poderá subir à tribuna para
defender Getúlio Vargas? Não, isso pode. Na história em quadrinhos dos
progressistas, Getúlio é de esquerda, assim como Fidel. A esquerda que
amordaçou Bolsonaro vive (bem) dessa fábula da resistência à ditadura –
uma ditadura que já acabou há quase 30 anos. É interessante observar que
alguns dos símbolos dessa resistência estão presos por corrupção. Ou,
mais especificamente: presos por roubar a pátria – essa que dizem
defender contra a ameaça conservadora.
Os que estão presos são aliados dos que governam essa mesma pátria. E
todos eles são aliados de regimes que atropelam a liberdade de
expressão, mesma tática da tropa do deputado Bolsonaro. A diferença é
que a tropa de Bolsonaro fez isso no século passado, e a confraria
chavista faz isso hoje.
Outra diferença é que os militares eram
autoritários, e os progressistas fingem que não são. Gato escondido com
rabo de fora, como se vê nos projetos do PT para controlar a mídia – que
o governo popular já tentou contrabandear até em programa de direitos
humanos.
Eles são assim, sempre bonzinhos, sempre colorindo com slogans
humanitários seus pequenos e grandes golpes. A primeira denúncia do
mensalão, como se sabe, foi classificada pelo companheiro Delúbio como
“uma conspiração da direita contra o governo popular”.
A ação impedindo a fala de Bolsonaro fere a democracia. Mas ninguém é
louco de dizer isso. Bolsonaro é uma figura grosseira e prepotente,
enquanto seus algozes são os simpáticos heróis da resistência – na
percepção cada vez mais abobada da opinião pública. Para combater o mal,
esses revolucionários puros defendem até black blocs assassinos e
continuam bem na foto.
A imprensa, as empresas e as instituições
“burguesas” em geral morrem de medo deles e da incrível patrulha
anticapitalista que tomou as redes sociais – onde a burrice se espalha
mais rápido. Os 50 anos do golpe foram transformados numa estranha
catarse anacrônica, com todos os perseguidos pela patrulha progressista
gritando “abaixo a ditadura”. Só faltou denunciar os crimes de Adolf
Hitler.
Chega a ser assustador que, enquanto busca a verdade sobre os
desaparecidos e vítimas do regime brutal, a sociedade democrática fale a
língua dos gorilas – e tente calar seus herdeiros políticos. Que
democracia é essa?
O sotaque chavista é inconfundível. Se Bolsonaro é troglodita, deveria
ser facilmente derrotado com argumentos e inteligência. Mas os heróis da
resistência temem sua própria mediocridade, então preferem falar
sozinhos. Nessa democracia seletiva, uma dissidente cubana foi impedida –
no grito – de falar em público no Brasil.
Entre outras ações
autoritárias, no dia 31 de março um professor da USP foi impedido de
criticar o comunismo. Estudantes “do bem” invadiram a sala de aula e
abafaram sua voz cantando um samba. Truculência festiva pode.
Talvez o Brasil mereça mesmo ter como voz única a ex-guerrilheira e
eterna vítima da ditadura, dizendo as coisas certas em rede obrigatória
de rádio e TV.
Fonte: GUILHERME FIUZA revista Época - 20/04/2014 - - 10:37:11
BLOG do SOMBRA
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