Vem desde os gregos a ideia de que o homem é um animal político. Os outros animais se movem por instinto, os homens pela conversa. Cada vez que três pessoas tentam decidir algo fazem política. Mas, olhando para os brasileiros de hoje, pode-se dizer que o político é um animal parecido ao avestruz. A exemplo desta ave há uma preferência por esconder a cabeça para não ver os problemas ao redor.
Nesse momento, o
animal político brasileiro debate sobre fazer ou não uma CPI para apurar os
desmandos na Petrobras. Os que não querem a CPI escondem as cabeças para não
descobrir o que está acontecendo; os que desejam descobrir o que está ocorrendo
na Petrobras não percebem o problema maior da crise energética que enfrentamos.
Diante da grave
crise energética que se abaterá sobre o mundo inteiro, nas próximas décadas, os
políticos se comportam como avestruz. Não despertam para os limites da
disponibilidade de petróleo que se esgotará, esgotando também a Petrobras, qualquer
que seja a competência e honestidade de sua direção depois de uma CPI séria.
Nem despertam para o enorme potencial que temos para gerar energia a partir de
novas fontes, tal como a energia solar, e ainda a relegada e criativa
experiência do etanol.
O animal político
brasileiro se comporta como avestruz para não ver a gravidade da violência
espalhada, profunda e destruidora sobre todo o tecido social brasileiro. Não
percebe que vivemos um tempo de guerra, com mais de 50 mil mortos por ano,
vítimas de assassinatos. Com a cabeça escondida, deixamos de ver a violência e
o medo generalizado nas ruas das cidades.
Escondemos a cabeça
para não identificar e entender as causas da guerrilha de grupos organizados
por meio de celulares e de computadores para queimar ônibus, impedir o
trânsito, paralisar serviços. E, tal como avestruz, decidimos enfrentar parte
dessa guerra espalhada envolvendo localmente as Forças Armadas; não ver os
riscos de soldados serem mortos por traficantes dentro do território nacional ou
de soldados matarem acidentalmente crianças no meio de tiroteio. O que em
guerra se chama de efeito colateral, dentro do território nacional será chamado
de assassinato.
Não vemos os riscos
de nossas cidades degradadas, da economia baseada em produtos primários,
enquanto os outros países investem em produtos de alta tecnologia.
O avestruz prefere
não ver o triste futuro de um país que não cuida de suas crianças,
abandonando-as e jogando-as em escolas sem aulas, sem equipamentos, sem
professores e sem avaliação, onde não conseguem concluir o ensino fundamental.
Só um avestruz não vê o triste futuro do Brasil retratado na cara de suas
escolas de hoje.
Também é
comportamento de avestruz não perceber a falta de credibilidade nos políticos,
vistos como um tipo especial de avestruz que, além de esconder a cabeça, enfia
as mãos no chão para trocar favores com recursos públicos. Continuar agindo
dessa forma é o comportamento de avestruz suicida.
Cristovam Buarque é Senador. Originalmente publicado em O Globo em 19 de Abril de 2014.
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