domingo, 20 de abril de 2014

Por que a censura sutil é muito mais grave do que a censura formal?






de-olho

 
Na caixa de comentários, um amigo me mandou o link de um blog chamado Direitismo, que fez uma crítica àqueles que protestam contra a censura lançada contra Rachel Sheherazade, no SBT. O texto é A direita está exagerando. Na refutação a este texto, aproveitarei para explicar por que a censura sutil é muito mais perigosa do que a censura formal.

 
No texto, dois parágrafos saltaram aos meus olhos, tamanho o teor da insanidade. A coisa é digna de ânsia de vômito. Vejam abaixo:


A começar, esse papo de censura contra Rachel Sheherazade e Paulo Martins está um pouco além da realidade. É certo que o governo, bem como sua base aliada e membros da esquerda realmente queiram calar esses jornalistas. Isso é evidente. Mas ainda não o fizeram. O que ocorre é que, chamar de censura o fato do governo ameaçar retirar o subsídio que dá ao SBT é no mínimo um grande exagero.

Para começar, é válido dizer que todas as emissoras de TV e rádio do país ganham algum subsídio do governo. Se estas empresas fossem independentes, se arcassem sozinhas com as próprias despesas e receitas, não precisariam se preocupar com chantagem estatal. O SBT decidiu tirar do ar os comentários desses jornalistas por não querer perder uma boquinha de verba pública… ninguém quer, né?

Sinceramente, não considero que isso seja censura. Considero, no máximo, que seja uma articulação política. E aposto que a oposição faria o mesmo se estivesse no poder.

Pude “debater” (como se isso fosse possível) com o lançador dessas pérolas acima no Facebook. Foi quando descobri que a mente dele trabalha com um silogismo tão simplório que só seria aplicável a crianças. A coisa é mais ou menos assim:

  1. Eu sou liberal, e a melhor solução seria que o governo não gastasse nenhum dinheiro com anúncios públicos. (Aqui neste ponto eu concordo em gênero, número e grau com ele, diga-se de passagem)
  2. Mas já que gasta, a culpa é do SBT por receber este dinheiro de anúncios.
  3. Como o SBT poderia recusar esse dinheiro, então não há censura.
  4. Mas se é assim, o SBT “tem mais é que se foder mesmo”.
  5. Então, não há censura de forma alguma.

A mente desta figura provavelmente tem algum transtorno que o faz tratar pessoas jurídicas como se fossem pessoas físicas. Pensando dessa forma, é claro que é impossível sequer entender o que está acontecendo. Alguém que diz “o SBT tem mais é que se foder mesmo” provavelmente acha que o SBT é igual a ele, a mim ou mesmo o Silvio Santos. O SBT, para ele, é uma pessoa com emoções.

Tivesse ele olhado para o mundo como ele é, perceberia que “empresas não se ferram”, mas sim pessoas que estão nessas empresas. E, em muitos casos, não são os sócios da empresa. Estes ganham dinheiro conforme necessário e, se não for mais conveniente, eles fecham ou vendem a empresa.

Enquanto alguém achar que o SBT é uma pessoa com a qual podemos ir assistir a um jogo de futebol, tomar uma Coca-Cola ou mesmo discutir sobre o tempo é claro que não há nem como começar a discutir. Para “quebrar” as falhas da argumentação desse argumentador leniente com a censura, temos que eliminar as falhas mentais que o impedem até mesmo de interpretar a realidade.

Basta fazermos uma ação didática. Veja:


  • Não estamos discutindo SBT aqui. O SBT não passa de uma empresa.
  • A liberdade de expressão afeta muito mais os jornalistas que trabalham nas empresas como também o público, que fica privado de conhecer opiniões que contradigam o governo.
  • Para o SBT, isso não muda muita coisa, pois o dinheiro de anúncios continuará entrando.
  • Mas ao mesmo tempo, os jornalistas dissidentes e toda a população perde.
  • A melhor forma de se implementar censura atualmente é pela pressão econômica sobre essas empresas, bloqueando dinheiro de anúncios estatais e limitando outras formas de anúncio, como a proibição de anúncios infantis.
  • Outras formas de cerceamento da publicidade livre ocorrem, como proibição do anúncio de cigarros ou mesmo de cervejas.
  • Essas ações de proibição partem do governo, com o único intuito de tornar as empresas mais vulneráveis à publicidade estatal.
  • Aliás, é pelo mesmo princípio que eles tentam implementar suas leis de mídia. Não é diferente do que ocorre na Venezuela e Argentina.
  • É claro que devemos lutar para eliminar os anúncios estatais. Deveria ser criado um projeto de lei para isso.
  • Mas, enquanto isso não ocorre, infelizmente o governo continuar a ter o poder de usar os anúncios estatais para pressionar as empresas a omitir conteúdo que o partido governista não quer.
  • Ainda que as empresas pudessem rejeitar o anúncio estatal, para elas tudo não passa de verba, que, é claro, estão disputando.
  • Além da pressão focada em cortar anúncios estatais, os governistas ameaçam com o corte de consessão pública, o que inviabiliza a atividade comercial da empresa.
  • Quem quer que não perceba que isso é censura com certeza está sendo desonesto.
 
Outro ponto importante é o erro de percepção do sujeito ao achar que a censura depende de uma ameaça de morte ou ameaça de prisão. Ledo engano.

Qualquer pessoa interessada em estudar o fenômeno da censura sutil, notará que existem várias formas pelas quais o estado pode censurar conteúdo. Veja só:


  • Ameaça de dar um tiro na cabeça de quem publicar o conteúdo.
  • Ameaça de prender quem publicar o conteúdo.
  • Ameaça de cortar concessão pública de quem publicar o conteúdo.
  • Ameaça de cortar verbas previamente destinadas a quem publicar o conteúdo.
 
Talvez o espertinho queira dizer que o último item “não é censura, pois a empresa pode rejeitar os anúncios estatais”. Sim, claro que pode, mas no fundo temos apenas empresas olhando dinheiro pela frente. Essas empresas, em geral, não possuem emoções.

As empresas tomam (a partir de seu corpo diretivo) as melhores decisões em termos econômicos. O que estamos criticando aqui é que o estado usa seu poder de distribuir verbas para influenciar essas decisões.

É preciso ser muito ingênuo ou desonesto para dizer que “a culpa está com o SBT, por aceitar a chantagem”, quando na verdade o SBT apenas está olhando se vai lucrar ou não com anúncios. Esse é o erro cognitivo de julgar as coisas olhando apenas para o SBT como se este fosse a única parte atingida. Na verdade, desde o início a ameaça foi sobre o SBT para que Rachel fosse censurada. Ninguém estava pensando em atingir o SBT, mas à Raquel e seu público.

O tal argumentador ainda teve a pachorra de me dizer o seguinte: “Você fez uso do conceito de fins que justificam meios, pois parte da premissa de que se há a verba pública para empresas privadas, em vez de lutarmos para que ela não exista devemos lutar para que o governo não a corte.”

Essa é a falácia do falso dilema, quando ele tentou enganar o leitor fingindo que eu tomei uma das duas opções, quando na verdade (1) eu defendo que o governo não gaste mais em anúncios, (2) mas, enquanto gasta (ou seja, não conseguimos implementar uma lei vetando o anúncio estatal), que ele não seja usado para pressionar emissoras a esconder conteúdo que o governo não queira.

Esse é um dos problemas mais graves da censura sutil: ela é podre, imunda, sórdida e canalha até dizer chega. O maior problema advém desses fatores, pois com essa dissimulação toda até alguns (poucos, felizmente) dentre os opositores do governo não conseguem entender que está sendo vítima de censura apenas por que não viu um agente do governo armado visitar as redações. Haja cegueira!

Mas esse é o grande truque da censura sutil: tentar passar desapercebida. É por isso que ela é muito, mas muito mais perigosa que a censura formal.


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