Fizemos tanto por essa gente e agora eles se levantam contra nós»
Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-geral da presidência da República.
«Le Brésil!
Faites un effort pendant un mois, calmez-vous! (…) Eh bien, les
Brésiliens, il faut qu’ils se mettent dans l’idée de recevoir les
touristes du monde entier et que pendant un mois, ils fassent une trêve.
(…) S’ils peuvent attendre au moins un mois avant de faire des éclats
sociaux, ça serait bien pour l’ensemble du Brésil et la planète
football».(*)
Michel Platini, presidente da Uefa.
Michel Platini, presidente da Uefa.
As falas reproduzidas aí acima foram pronunciadas por duas
personalidades que, em princípio, nada têm em comum tirando fora o fato
de pertencerem à mesma geração.
Um é figura política, ministro da República brasileira. Sua frase foi
dita faz alguns meses. O figurão se referia à conflagração popular de
junho 2013.
O outro é figura do esporte, antigo profissional de futebol, há anos
reciclado e transformado em presidente da União das associações
europeias de futebol. Sua frase foi pronunciada faz alguns dias.
O que é que terá levado ambos a ousarem pronunciamento tão desastrado?
Não vejo conotação política nem intenção oculta em nenhuma das falas.
Antes, parecem desabafo sincero, suspiro de desalento.
Mas há um denominador comum aos dois pronunciamentos, ambos emitidos por
pessoas que vivem num mundo de fantasia, longe da fria realidade em que
vivemos mergulhados nós outros.
Salário elevado, facilidades mil, bajuladores em roda, a turma do “sim,senhor”
sempre pronta a curvar-se ― esses medalhões que perderam o hábito de
abrir uma porta com as próprias mãos vão, pouco a pouco, se
desconectando do mundo real.
Para escapar a essa armadilha, seria preciso ter um espírito crítico
ultradesenvolvido, o que, fica claro, não é o caso de nossos dois
figurões.
Do senhor Platini, que vive a dez mil quilômetros do território
brasileiro, ainda se pode admitir que ignore, até certo ponto, a
realidade nacional.
Além de viver dentro de uma redoma, convive com os clichês que lhe foram
incutidos desde a infância. Continua enxergando o Brasil como o país do
futebol, das mulatas sambando, do fio dental, das praias preguiçosas,
da caipiriña(sic), da alegria onipresente. Assim mesmo, o desprezo embutido em sua fala incomoda um bocado.
Já a alienação do senhor Carvalho, que vive “no coração do Brasil”, é assombrosa. “Fizemos tanto por essa gente”… Mas quanta arrogância em cinco palavras!
Estamos habituados ao sectarismo do discurso oficial do atual governo
federal, aquela retórica que procura dividir a população em dois campos
antagônicos: “nós” e “eles”. O desabafo do ministro-chefe, no entanto,
contradiz a filosofia oficial. Os campos não são dois, mas três: nós,
eles e a populaça.
Fica claro que tanto o discurso de Platini quanto o de Carvalho se referiam a essa nebulosa terceira entidade, a ralé.
(*) «Ô, Brasil! Façam um
esforço durante um mês, acalmem-se! (…) Veja só, os brasileiros têm de
botar na cabeça a ideia de que vão receber os turistas do mundo inteiro e
que, durante um mês, têm de fazer uma trégua. (…) Se eles puderem
segurar o estouro de seus conflitos sociais durante um mês, será
excelente para o Brasil e para o futebol planetário.»
09 de maio de 2014
Jose Horta Manzano
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