Fernando Haddad proferira a palavra “guerrilha”,
referindo-se à greve dos motoristas de ônibus. Na terça, Dilma Rousseff
pronunciou a palavra “baderna”, referindo-se às manifestações de rua. Minutos
depois, liderados por um movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e
flechas, 2.500 pessoas interromperam o trânsito em Brasília. “É a imagem do
Brasil que estará em jogo”, explicou a presidente, avisando que “vai chamar o
Exército, imediatamente”, para reprimir a “baderna” durante a Copa do Mundo. A “imagem”
toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por um mês e às custas da
ordem democrática, Dilma promete assegurar o direito de ir e vir das pessoas
comuns.
A “baderna” é, há tempo, a “imagem do Brasil” - com a
diferença, apenas, de que o mundo não estava vendo. Sob o influxo do PT,
movimentos minoritários aprenderam que, reunindo algumas centenas de
manifestantes, têm a prerrogativa de parar cidades inteiras. A tática,
esporádica durante anos, tornou-se rotineira depois das multitudinárias “jornadas
de junho”. Nas metrópoles, os cidadãos converteram-se em reféns de militantes
iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso
da vida urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a “baderna”
ameaça a sacrossanta “imagem do Brasil”, não os desprezíveis direitos das pessoas.
O conflito entre direitos é um traço marcante das
democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis que protegem a
privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve é regulado por
disposições que asseguram o funcionamento de serviços essenciais. O direito de
manifestação pública é limitado por regras que impedem a anulação do direito de
circulação das pessoas. No Brasil do lulopetismo, contudo, aboliu-se
tacitamente o direito de ir e vir. Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram
ao dever de garanti-lo, curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais
e lideranças de movimentos sociais.
Nas democracias, o equilíbrio entre os direitos de
manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma série de regras.
Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às autoridades e acertos
sobre lugares de concentração e trajetos de passeatas. No Brasil, nada disso
existe pois não interessa ao Partido: a vigência de regras gerais, de aplicação
indistinta, restringiria as oportunidades de orquestração de ações de “baderna”
moduladas em cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora
da Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências do
Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o país. No
poder, o lulopetismo oscila entre a política da “baderna” e o recurso ao
autoritarismo.
“Não vai acontecer na Copa do Mundo o que aconteceu na Copa
das Confederações”, garantiu Dilma a uma plateia de aflitos empresários. Não mesmo.
Os protestos multitudinários provavelmente não se repetirão porque os “black
blocs” cumpriram a missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes
urbanos das “arenas da Fifa”, perímetros consagrados aos negócios, serão
circundados por cordões policiais de magnitude inédita. Já a “baderna”
arquitetada para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que
desafiar a hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito
de ir e vir estará assegurado.
Dilma promete “chamar o Exército”. A força militar aparece,
hoje, como a única mola capaz de conciliar o “padrão Fifa” com o “padrão Brasil”
de ordem pública. Um estado de sítio não declarado instaurará um efêmero
parêntesis no tormento cristalizado pela política da “baderna” nas principais
cidades do país. Nos 30 dias da competição, a “imagem do Brasil” brilhará sobre
um pano de fundo verde-oliva. Depois, tudo volta ao “normal”.
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