domingo, 1 de junho de 2014

Longe da realidade--Merval Pereira

 A alta fragmentação de nosso sistema partidário, que faz com que o governo tenha que ter de 10 a 12 partidos com participação efetiva no Congresso ou no ministério de coalizão, torna a gestão pública ineficiente e cara. 


O cientista político Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getúlio Vargas no Rio, criou um índice em que estima os custos do presidente com os seus parceiros tomando como referência recursos orçamentários, gastos de ministérios e o número de ministérios alocados para cada membro da sua coalizão.

Chegou a números que comprovam hipóteses anteriormente abordadas: coalizões grandes, mais heterogêneas e menos proporcionais são mais caras para o presidente. Para outro cientista político, Octavio Amorim Neto da Fundação Getúlio Vargas no Rio, o governo Dilma oferece excelentes exemplos dos problemas fiscais associados aos governos de ampla coalizão.

A partir dos protestos de junho de 2013, ele lembra, somaram-se à complexa equação político-fiscal de Dilma as agudas pressões dos manifestantes que foram às ruas. “Elas tinham um sentido fiscal cristalino: demandavam mais gasto público em educação, saúde e transporte, além de melhor qualidade desses serviços”.


A compensação veio pelo aumento da receita, em virtude, diz Amorim Neto, entre outros fatores, da dinâmica inerente aos governos de coalizão, que, por terem pouca coesão, tendem a recorrer mais à elevação de tributos do que ao corte de gastos, uma vez que padecem de um sério problema de ação coletiva quando se trata de reduzir os gastos públicos.

Para Sérgio Abranches, a razão imediata do descontentamento partidário que se registra atualmente na base aliada ao governo é o agravamento da rivalidade eleitoral entre o PMDB – e outros partidos menores – e o PT, relacionado “não à condução do governo, nem mesmo à reforma política, mas ao cálculo eleitoral nos estados”.

A razão é simples, diz Abranches: a reeleição de deputados depende principalmente do resultado da eleição estadual. Mesmo candidatos fortes a presidente não elegem deputados. No federalismo heterogêneo como o nosso, com vários sistemas partidários regionais, a sincronia perfeita entre os arranjos estaduais e o nacional é muito improvável.

Jairo Nicolau, da UFRJ, diz que um fator decisivo para a nossa fragmentação é o sistema eleitoral em vigor. “Utilizamos grandes distritos eleitorais, que ampliam as chances de pequenos partidos chegarem ao legislativo”. Ele ressalta que existem pesquisas que mostram que as regras de coligação proporcional têm contribuído para agravar a fragmentação.

Por isso Nicolau tem defendido uma mudança profunda no funcionamento da representação proporcional no Brasil, com o fim das coligações, nova fórmula para distribuição de cadeiras e uma forma de reduzir a competição dos candidatos da mesma legenda durante a campanha.

Já o cientista político Nelson Paes Leme acha que é preciso analisar questões mais profundas, além dos sistemas eleitorais, para chegarmos a uma conclusão sobre a questão da representatividade e da inconsistência dos programas partidários.

 “Os partidos políticos que se formaram a partir do fim da ditadura militar (e alguns até oriundos dela que aí estão) coincidiram com o declínio mundial das ideologias, o fim do socialismo real e o aprofundamento da revolução técnico científica, imprimindo nova face ao capitalismo, totalmente diversa da vigente até os anos oitenta do século passado”, analisa. 

Além disso, diz, a luta de classes foi substituída pela luta em torno da sobrevivência da biosfera e de combate a uma superpopulação planetária geradora de índices alarmantes de miséria absoluta a atingirem quase um terço da humanidade. 

“Veja a importância crescente que vêm assumindo mundialmente movimentos apartidários como o Greenpeace e o Médicos Sem Fronteira, por exemplo. Os partidos políticos brasileiros estão distantes dessa discussão e das reais necessidades da nossa população”.

Diante da perplexidade que vê instalada no mundo, devido também às crises financeiras que estão mudando o capitalismo, Paes Leme vê no Brasil “um Estado inflado e paquidérmico, herdado de um patrimonialismo histórico e cultural difícil de abdicar”. 


Por isso, afirma que os partidos políticos brasileiros se transformaram em “ocas siglas sem ideologia e vazias de compromissos com a realidade, potencializadas esquizofrenicamente por uma legislação eleitoral herdada da própria ditadura e totalmente defasada da realidade democrática de hoje”.

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