domingo, 13 de julho de 2014

Enquantos os que pagam impostos praticam controle da natalidade, os sem teto se reproduzem em escala ampliada no compasso da inflação dos preços dos imóveis urbanos.O que fazer?

A razão do MTST - DEMÉTRIO MAGNOLI



FOLHA DE SP - 12/07


O mercado gera segregação: reserva os melhores lugares às classes altas e expulsa os pobres para a periferia

A inspiração está estampada na sigla: o MTST quer ser o MST das cidades. O paralelo certo, porém, é com o MST das origens, três décadas atrás, quando o impulso do capitalismo agrário brasileiro produzia uma massa de trabalhadores destituídos no campo. De lá para cá, o chão social do MST desmoronou, sob os golpes do êxodo rural e dos programas de assentamentos dos governos FHC e Lula. Enquanto isso, alastrava-se nas metrópoles e cidades médias uma crise que atingiu seu paroxismo nos últimos anos. O tempo da reforma agrária distributivista passou na janela, e só o MST não viu. Mas a emergência do MTST sinaliza a necessidade de uma reforma urbana radical, que não pode ser mascarada pelos programas de construção de moradias populares.

O metro quadrado de um imóvel antigo no centro expandido de São Paulo vale mais que o de um apartamento novo no anel periférico da metrópole. A propriedade imobiliária urbana é uma mercadoria singular, pois seu valor decorre, essencialmente, da localização --ou seja, do grau de acesso que oferece aos bens e serviços da cidade. No seu funcionamento normal, o mercado imobiliário gera segregação urbana, reservando as melhores localizações às classes de alta renda e expulsando os pobres para as periferias. O MTST nasceu numa conjuntura de exacerbação desse movimento segregador.

Na economia de mercado, os centros expandidos das metrópoles experimentam uma tendência à gentrificação, ou seja, ao "enobrecimento" social. A expansão recente da economia brasileira e, em particular, do setor de serviços, acelerou esse movimento, que se expressa na valorização em ritmo especulativo dos preços dos imóveis e dos aluguéis. No Rio de Janeiro, a gentrificação é temperada pelo "colchão" de favelas da zona sul, que surgiu pelos caprichos da geografia e da história. Em São Paulo, a gentrificação não encontra obstáculos, difundindo-se do centro expandido para a zona leste e as franjas exteriores da zona oeste. O MTST não inventou os sem-teto, apenas conferiu-lhes visibilidade política.

Os dirigentes do MTST professam uma crença básica anticapitalista. Se conhecessem as cidades do socialismo, talvez mudassem de ideia: na URSS, na Alemanha Oriental e em Cuba, a tendência à segregação urbana somou-se à dilapidação inclemente das infraestruturas e residências, cristalizando cenários desoladores. O MTST almeja apropriar-se do comando dos programas de moradia social, como forma de estabelecer controle político sobre os próprios sem-teto. Contudo, só um cego pode negar que o movimento tem raízes reais e toca numa ferida aberta. Além disso, é um equívoco confundi-lo com o MPL: o MTST expele os "black blocs" de suas manifestações e dirige demandas legítimas ao poder público.

Todos (exceto os fanáticos do livre mercado) concordam que as cidades não podem ser moldadas exclusivamente pelas leis do mercado. O poder público opera na configuração das cidades por diversos instrumentos, especialmente por meio dos planos diretores. O problema é que, em São Paulo como nas demais grandes cidades do país, sucessivos planos diretores (inclusive este último) curvaram-se às forças do mercado imobiliário, reforçando o campo magnético da segregação urbana. Não é preciso aderir aos dogmas anticapitalistas do MTST para saudar a desarrumação que ele provocou no debate sobre o futuro de São Paulo.

No campo, os assentamentos só conseguiram esvaziar a demanda de reforma agrária porque as cidades funcionaram como válvulas de escape para massas de destituídos. Evidentemente, não existem válvulas de escape para os sem-teto, que se reproduzem em escala ampliada no compasso da inflação dos preços dos imóveis urbanos. Reforma urbana significa a reserva de vastas áreas destinadas à moradia social nos arredores dos centros expandidos das metrópoles. É hora de encará-la.
 

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