Publicado por Carolina Salles - 6 dias atrás
O ano de 2014 no Brasil foi marcado, dentre outras coisas, pela escassez de água. Fenômeno até então pouco conhecido fora dos limites do Norte e do Nordeste do País, a seca chegou ao Sudeste e região.
Fruto da ausência de chuvas, possivelmente associada às mudanças climáticas, outros fatores também contribuíram para a terrível (e ainda não solucionada) situação a que chegamos. A falta de cuidado com a vegetação ciliar onde ela ainda existe é também apontada por especialistas como uma das causas do problema, na medida em que a devastação das áreas circundantes de rios, cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e similares contribui para o assoreamento e, portanto, para as perdas qualitativas e quantitativas dos elementos hídricos e de suas funções ecológicas.
Por isso, a contundente crítica dirigida ao Novo Código Florestal quando, no particular, reduz os limites de proteção da mata ciliar, já que a faixa de Área de Preservação Permanente (APP) passa a ter a metragem contada a partir da “borda da calha do leito regular” do rio – e não mais do seu “nível mais alto”, como outrora – deixando desguarnecidas áreas alagadiças que exercem importantes funções ambientais.
De todo modo, mesmo no regime florestal anterior, as dificuldades de fazer implementar a legislação ambiental no Brasil sempre foram muitas, a ponto de ter se tornado lugar comum afirmar que o país possui um dos mais bem estruturados sistemas legais de proteção ao meio ambiente do mundo, o qual, contudo, carece de efetividade.
A cultura que se desenvolveu no país nunca foi a da preservação. Por aqui, sempre se preferiu investir na reparação dos danos a propriamente prevenir para que aqueles não acontecessem. No caso dos recursos hídricos, jamais fizemos como os nova-iorquinos: preservar os mananciais para não ter que investir em saneamento. O resultado é conhecido: o povo daquele Estado americano altamente industrializado possui uma das águas de melhor qualidade do planeta.
No Brasil, contudo, a preocupação com a água nunca foi a tônica dos setores público e privado. Exceção feita a poucas iniciativas aqui e acolá, a regra sempre foi a poluição dos elementos hídricos. Desnecessário citar exemplos, infelizmente.
Por outro lado, é incontestável que os instrumentos de comando e controle, tão enaltecidos por muitos, não tiveram o condão de diminuir os efeitos da degradação do meio ambiente. Não fosse assim, o Código Florestal anterior, aliado a uma série de outras normas legais (Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei da Mata Atlântica, etc.) teria sido responsável pela redução do desmatamento. Não foi, contudo, o que aconteceu.
Logo, torna-se necessário partir-se para uma nova era. Um tempo em que se passe a investir intensamente na valorização e na recompensa daqueles que realizam serviços ambientais.
A lógica é simples: em vez de simplesmente punir aquele que descumpre a legislação – o que, repita-se, revelou-se ineficaz – remunera-se quem preserva. É uma inversão total daquilo que sempre se praticou no Brasil.
Em vez de “poluidor-pagador”, passa-se para a tônica do “protetor-recebedor”.
Iniciativas como essas vão desde a remuneração financeira aos pequenos proprietários rurais que preservam a vegetação que protege as águas, passando por incentivos tributários à preservação ecológica (IPTU verde, ICMS ecológico, redução de IPI para produtos ambientalmente sustentáveis, etc.), maior incentivo financeiro à criação de reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), estímulo à comercialização de créditos de logística reversa e de cotas de reserva ambiental, entre outros.
Ganham as pessoas, ganha o meio ambiente e ganha a sustentabilidade.
Já está mais do que na hora de se reconhecer que a proteção do meio ambiente não é apenas uma fonte geradora de despesas, mas pode se tornar uma grande oportunidade para se obter recompensas financeiras efetivas, ao mesmo tempo em que se contribui para a melhoria da qualidade ambiental das presentes e futuras gerações.
Marcelo Buzaglo Dantas
*Advogado, pós-doutor em Direito, consultor jurídico na área ambiental e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ e da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB. Também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
FONTE
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- Tópicos de legislação citada no texto
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Lei nº 4.771 de 15 de Setembro de 1965
A formação de um El Niño – um aquecimento cíclico das águas do Oceano Pacífico com efeitos no mundo todo – poderia trazer mais chuvas para a região. Isso já aconteceu no El Niño de 1982-1983.
Mas é pequena a chance de isso se repetir. Segundo Zuffo, da Unicamp, o Sistema Cantareira tem condições de se recuperar da seca prolongada se o regime de chuvas normalizar nos próximos cinco a dez anos. “Se chover, e se o consumo não for maior do que o sistema aguenta, os reservatórios conseguem se recuperar a uma taxa de 10% a 20% ao ano”, diz. “Se não chover, o abastecimento será comprometido. Enfrentamos um risco grande.” E mais: no ritmo atual, em 30 anos São Paulo precisará de mais 25.000 litros de água por segundo – praticamente um novo Sistema Cantareira.
LIÇÃO: as autoridades podem tornar o consumo mais racional por meio de campanhas. É recomendável dar bônus e descontos que compensem a compra de equipamentos que economizem água. A conta d’água pode também mostrar aos perdulários que eles gastam mais que a média das famílias da mesma área ou do mesmo tamanho.
- Hoje, a Sabesp divulgou um press release citando o relatório de Antonio Nobre sobre as mudanças climáticas na Amazônia e informando que a “escassez hídrica atinge outros países e a situação é agravada por mudanças climáticas” (http://bit.ly/1C188St).
- É tudo verdade, claro. A seca atinge outros países e é bem provável que elas fiquem cada vez mais frequentes devido às mudanças climáticas. Ocorre que ninguém jamais responsabilizou a Sabesp pela seca em si (o que de fato não faria nenhum sentido) – e sim por não ter realizado os investimentos necessários em melhorias nas redes de água e esgoto em 223 cidades (http://bit.ly/1sCcf7C), por não combater adequadamente o desperdício de água (http://bit.ly/1sCcf7C), por não informar a população sobre a gravidade da crise (http://bit.ly/1wl1O8O), por se recusar a fornecer informações a quem pergunta (http://bit.ly/13Agl4P), por elevar a tarifa acima do valor previsto mesmo tendo deixado de fazer investimentos (http://bit.ly/1GYJ02H), por maquiar os números do sistema Cantareira (http://bit.ly/1GtVD4u), por reduzir a pressão da água acima do permitido (http://bit.ly/12GId6e), por insistir que os afetados pela medida na RMSP são apenas 2% da população (http://bit.ly/1pQQhwc), por deixar perguntas sem resposta sobre o volume morto do Alto Tietê (http://glo.bo/1BUhYWo), por insistir que o abastecimento está garantido até março ignorando que depois de março vem abril (http://bit.ly/1A0I6NV), por não ter investido 37% do que era previsto entre 2003 e 2007 (http://bit.ly/1vEPCdb), por ter dado descontos para grandes consumidores até março de 2014 (http://bit.ly/1ryxEHv).