Governo diz que intervenções do Tribunal de Contas prejudicaram editais.
Defesa Civil estuda incluir Asa Norte em lista de áreas de risco após chuva.
Informações
apresentadas pelo Sistema Integrado de Gestão Governamental a respeito
dos investimentos em obras de drenagem pluvial no DF (Foto:
Siggo/Reprodução)
Os efeitos puderam ser sentidos nas últimas chuvas: ruas se transformaram em "corredeiras", garagens precisaram ser interditadas após alagamentos, carros foram arrastados e lojas perderam todo o estoque por causa dos estragos provocados pela água. Até mesmo o Congresso Nacional, o Ministério do Esporte e o Itamaraty tiveram prejuízos.
Os dados foram levantados pelo deputado distrital Chico Leite (PT) e mostram que o baixo investimento ocorre desde 2010. Em nota, a Secretaria de Obras afirmou que esses recursos são destinados ao Programa Águas do DF – anunciado no final de 2012, que prevê o reforço e ampliação da rede no Plano Piloto e em Taguatinga – e não foram utilizados porque questionamentos do Tribunal de Contas impediram a continuidade das licitações.
Ainda de acordo com a pasta, grandes obras de pavimentação e urbanização já contemplam nos contratos a parte de drenagem pluvial. Além disso, segundo a secretaria, houve gasto de quase R$ 19 milhões em serviços para manutenção da rede, e a Novacap retira diariamente até dez toneladas de lixo das bocas de lobo.
O parlamentar criticou o posicionamento do Executivo. “Isso é inadmissível. De milhões planejados para evitar os efeitos negativos das chuvas, apenas alguns milhares são utilizados. Limpar bocas de lobo é obrigação, investimento é construir novas galerias nas cidades para o escoamento das águas”, declarou.
Um estudo feito pela Defesa Civil aponta a existência de 36 áreas com risco de acidentes provocados por chuvas na capital do país. São 2.353 residências, a maioria em regiões marcadas pela ocupação desordenada do solo e ainda em processo de regularização, como o Setor Habitacional Sol Nascente, Vicente Pires, Fercal, Arniqueira e a Vila Rabelo. O subsecretário de Operações, coronel Sérgio Bezerra, afirmou que o órgão analisa incluir também pontos da Asa Norte.
"É bem verdade que, depois das inundações ocorridas na semana passada na 402 e [nas quadras de finais] 9, 10 e 11, estamos estudando, em função do que vai ser feito no próximo governo, se vamos declarar ou não área de risco. Tem um problema sério de drenagem que está causando inúmero danos materiais, inclusive oferecendo risco aos moradores, especialmente na quadra 402", explicou ao G1.
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Segundo o coronel, o local acumula a água que escorre do estacionamento do Estádio Nacional Mané Garrincha, entregue no ano passado após reforma. Outro problema da região é a lama arrastada de prédios em construção no Noroeste, que inunda a 211, a 511 e as tesourinhas das quadras de final 1.
"A rede da Asa Norte foi feita há 40, 50 anos, para uma população que era muito menor. Houve muita impermeabilização do solo, mas não foi feita a expansão do sistema de drenagem", afirma. "Tem de haver uma intervenção muito significativa. O volume de água é tão grande que sai arrastando carro, lixeira. Tem risco de acidentes piores."
Mesmo não passando todos os dias pela Asa Norte, a fotógrafa Nathália Moreira consegue descrever os transtornos que os temporais podem provocar na região. A irmã mais velha dela, de 24 anos, acabou ficando ilhada na última semana. "Ela precisou parar. O carro dela deu perda total. Se ela tivesse andado mais um pouquinho, o carro dela teria ido para o beleléu."
Moradora do Guará II, ela conta que a mãe a proíbe de sair de casa na chuva. A própria garota afirma temer acidentes nessas ocasiões. Em novembro, quando fotografava a bebê de uma prima em Vicente Pires, Nathália viu uma cena que a marcou.
"Foi na rua 10B. Eu nunca tinha visto nada parecido com aquilo. Um ônibus quebrou por causa do alagamento e os passageiros ficaram em uma situação terrível. Eu fiquei muito assustada", lembra, "No Guará, na Avenida Central, perto da QE 36 e da QE 34, já inundou, carro tem que fazer fila bem no canto porque só fica uma faixa. Mas, ainda assim, não era tão terrível."
Ônibus
que apresentaram pane após tentar passar por inundação na rua 10B, de
Vicente Pires, no Distrito Federal (Foto: Nathália Moreira/Arquivo
Pessoal)
"A chuva foi tão forte que até balançava a janela. Um dos carros já boiava. Eu fiquei bem preocupado, mas falaram que não tinha criança dentro do ônibus porque o motorista já as tinha deixado na escola. No dia seguinte, a via ficou toda suja de terra", conta. "Isso já está virando rotina em Brasília. O pessoal corre risco de vida. Tem que ficar atento, porque se tiver chuva forte, você precisa se programar para não pegar uma inundação dessas."
Rede antiga, problemas frequentes
Presente na lista das áreas mais afetadas pelos temporais, o Plano Piloto conta com um sistema de drenagem pluvial antigo e que nunca sofreu grande intervenção. A previsão era de que isso ocorresse por meio do Programa Águas do DF, com o reforço das quadras das faixas 1, 2, 10 e 11 da Asa Norte e 13 da Asa Sul. Em Taguatinga, a iniciativa contemplaria a QNA, QNB, QNC, QSC, QSA, QSB, QND, QNE, QI e Avenida Hélio Prates.
Notícia
na agência de notícias do governo do Distrito Federal fala sobre o
lançamento do Programa Águas do DF, em 2012 (Foto: Agência
Brasília/Reprodução)
Mas uma tese de mestrado apresentada na Universidade de Brasília aponta que o problema se repete em outras regiões administrativas não contempladas pelo programa. Uma delas é Ceilândia, no viaduto da QNN 5/7, onde duas pessoas morreram afogadas. Em janeiro, a água invadiu o carro de um jovem de 20 anos, e ele não conseguiu sair. Em outubro do ano passado, um ônibus escolar quebrou no local e uma das crianças, de 6 anos, se afogou.
O estudo foi feito pelo engenheiro Pedro Henrique Lopes Batista e mostrou que o DF tem 385 pontos de inundação. “Não é à toa que vem ocorrendo esses alagamentos nos mesmos locais. A gente não tem tomado medidas adequadas em relação a esses problemas. São as mesmas medidas e, com as mesmas medidas que vêm falhando, vão acontecer os mesmos problemas."
A Secretaria de Obras diz que não pôde ir além com iniciativas além da limpeza das bocas de lobo por causa dos vetos do tribunal. A Novacap estima que o DF tenha cem mil estruturas do tipo. Entre janeiro e setembro, 8,1 mil delas passaram por limpeza, que consiste na retirada de sólidos, folhas secas e areia.
"Com os impedimentos judiciais que paralisaram o certame, apenas R$ 23,6 mil foi empenhado para o pagamento da auditoria do programa, uma exigência feita pelo agente financeiro", afirmou a pasta. Ainda segundo a secretaria, o governo tem realizado obras pontuais de drenagem.
Uma delas é a da 914/916 Norte, que prevê a construção de uma rede de 1,8 mil metros para coleta água antes que ela chegue à 2ª Delegacia de Polícia, reduzindo assim o volume e os alagamentos. A estimativa de gasto é de R$ 8 milhões.
Causas, consequências e críticas
Para o subsecretário de Operações da Defesa Civil, coronel Sérgio Bezerra, pelo menos três fatores estão relacionados aos alagamentos: a impermeabilização do solo, a ocupação desordenada e a postura de construtoras que deixam restos de obras escoarem durante as chuvas. O gestor afirmou que vai enviar relatórios à Novacap, à Casa Civil, à Secretaria de Segurança Pública e à Administração Regional de Brasília da atual e da nova gestão alertando para os futuros riscos.
Ônibus escolar dá pane ao tentar passar debaixo de viaduto alagado no DF (Foto: Felipe Gomes/Arquivo Pessoal)
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, há mesmo risco de novos temporais: uma frente fria chega ao DF nesta terça e deve provocar precipitações mais intensas, distribuídas mais uniformemente entre as regiões. O início do verão também estimula a ocorrência de pancadas de chuva. Na última delas, a estação do Sudoeste registrou 12,8 mm.
Dados do órgão apontam que, nos primeiros 22 dias, o DF teve uma quantidade acumulada de 316 mm de água – 28% a mais do que o esperado para todo o mês, considerando registros desde 1963. O meteorologista Manoel Rangel diz, no entanto, acreditar que esse não seja o problema.
"Levando em consideração a média, sem sombra de dúvidas esses valores estão acima do esperado, mas não existe uma só explicação para todos os problemas, um remédio só para todos os males", afirma. "Uma chuva de 90 mm é uma chuva forte, principalmente de curta duração, mas colocar só a chuva de bode expiatório é demais. Não se pode jogar todas as flechas em cima de um padrão só. Ele contribui? Sim, mas não é só. Temos que considerar a participação do homem."
"[Os alagamentos ocorrem] porque está chovendo mais ou porque a área de captação, escoamento, já não atende mais as necessidades? Até quando e onde a população contribui para que isso ocorra? Jogam papel, entopem as bocas de lobo todas. Não sou técnico da área, mas me parece que foi subestimado. Os ângulos da tesourinha, as áreas de captação; nada disso se adequa mais ao tamanho da população de hoje", completou o meteorologista.
Membro da base aliada da atual gestão, o deputado distrital Chico Leite diz acreditar que é preciso que o governo organize campanhas para conscientizar a população, mas não deve culpá-la em relação aos entupimentos de bueiros ou às consequências dos problemas nos serviços públicos. Ele defendeu ainda um acompanhamento mais próximo de parlamentares às iniciativas na área.
"Acho que pode ter uma série de fatores [para as inundações], mas em razão disso a população é sacrificada? Não é possível que um governo não consiga se planejar a ponto de evitar tragédias que ele já conhece, que todo fim de ano acontece. Tem verba e isso não é executado, isso não existiu. Sempre, desde 2010, são executados valores ínfimos, e agora, no último ano, nada. Quase nada, praticamente", concluiu o parlamentar.
Água
quase ultrapassa altura de carros estacionados em quadra comercial da
Asa Norte, em Brasília, depois de temporal (Foto: TV Globo/Reprodução)
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