terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Não tem agua para beber? A CULPA é sua!

A água como mercadoria

Publicado por Carolina Salles - 1 mês atrás


A gua como mercadoria
Por Marcela de Moraes Agudo* e Lucas André Teixeira*


Em vários momentos de nosso percurso formativo, como pesquisadores na área específica de educação ambiental, nos deparamos com professores ensinando na escola que seus alunos não devem deixar a torneira ligada, nem lavar a calçada com a mangueira, e muito menos tomar banhos longos, entre outros tantos comportamentos considerados ambientalmente inadequados. Esta perspectiva, tão criticada por quem estuda um pouco de educação ambiental, tem como pano de fundo a crença de que “se cada um fazer sua parte” resolverá a crise socioambiental que enfrentamos.


No contexto atual, em que há o acirramento em relação ao consumo e a disponibilidade de água, essa tendência é reforçada pela grande mídia por meio de várias campanhas apelativas na busca de um “culpado” pela escassez de água. Logo, a “culpa” recai sobre o “consumidor”, alertando-o para a necessidade de sua mudança comportamental para a solução do problema. Além disso, em tempos de campanhas eleitorais, a “culpa” pela crise da água acaba se tornando um jogo de interesses eleitoreiros da chamada “pequena política”, promovendo um grande debate que camufla as relações de poder da sociedade.


Todavia, os fundamentos de uma educação ambiental transformadora consideram que o debate sobre a crise hídrica requer uma análise radical do tema, no sentido de compreender a raiz do problema. A raiz, neste sentido, está no modo de produção econômico nesta sociedade. A princípio, a água deveria ser considerada um “bem da humanidade”, uma vez que ela é um elemento natural imprescindível para a vida e, portanto, deveria ser um direito garantido a todos. No entanto, é tornada mercadoria.

De acordo com os dados da Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil (2011), disponível no site da Agência Nacional das Águas (ANA), 69% do consumo de água no Brasil ocorrem na irrigação agrícola, 12% na produção animal e 7% nas indústrias, totalizando 88% do consumo de água nesses setores produtivos. Em contrapartida, o “consumo” humano em ambientes rural e urbano totaliza 12%.


Estes dados mostram que o setor que mais “consome” água não é cada indivíduo e nem mesmo o conjunto destes indivíduos em seus domicílios. O setor agropecuário, conhecido como o “motor” do desenvolvimento econômico brasileiro, utiliza a água como valor agregado nos commodities, aumentando as divisas no mercado internacional e proporcionando superávit na balança comercial. No entanto, não se verifica na grande mídia qualquer “campanha” questionando o alto volume de água que é consumido pela irrigação e produção animal. Pelo contrário, na perspectiva do modo de produção capitalista, quanto maior forem as divisas e o superávit, melhor para a economia. Enquanto isto, o “culpado” pela crise da água é a população.


Ao trazermos esta análise, não significa dizer que estamos defendendo o uso indiscriminado de água pela população. Entendemos, na verdade, que é necessário um conteúdo crítico para uma compreensão mais totalizante dos fatores que estão envolvidos na crise de água. Isto implica em uma formação política e crítica como forma de agir sobre o meio socioambiental, pois possibilita o desenvolvimento de uma prática contestadora da questão da água.


A água torna-se, neste contexto, mais uma mercadoria na linha de produção, um recurso natural, promovendo a acumulação de capital das grandes corporações, deixando mais pobre a disponibilidade de água à maioria da população e tornando-a “culpada”.


Uma compreensão neste sentido possibilita entender que a raiz o problema da água não será resolvido por meio de ações pontuais como: fechar a torneira na hora de escovar os dentes; contratação de encanadores; compra de caminhões-pipa; privatizações do DAE; entre outras alternativas. A questão da crise da água é mais complexa e não será superada com ações pontuais que agem na consequência do problema, mas com ações que contestem a Política de Estado e de Governo que, cada vez mais, tende a tratá-la como mercadoria.


*Marcela é doutoranda em Educação para a Ciência/Faculdade de Ciências/Unesp/Bauru. Membro do Grupo de Pesquisas em Educação Ambiental (GPEA).


*Lucas é doutor em Educação para a Ciência/Faculdade de Ciências/Unesp/Bauru. Professor efetivo da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Membro do Grupo de Pesquisas em Educação Ambiental (GPEA)
FONTE
Carolina Salles
Direito Ambiental
Mestre em Direito Ambiental.

Nenhum comentário: