O País quer Saber
25/01/2014
às 15:32 \ O País quer Saber
Publicado na edição impressa de VEJA
MARCELO SAKATE
MARCELO SAKATE
Os governos gozam de um privilégio perigoso: fabricar dinheiro. Nos
períodos de recessão forte os governos podem ─ e devem ─ abrir a
torneira de liquidez monetária para tentar reanimar a atividade
econômica. Perigoso por quê, então? Porque imprimir dinheiro não
significa criar riqueza. Se errar a mão e imprimir mais dinheiro do que a
economia precisa para funcionar, o governo arrisca-se a criar uma bolha
inflacionária ─ que nada mais é do que o aumento artificial dos preços
pelo excesso de liquidez no mercado.
Nos últimos anos, em reação à queda no ritmo de crescimento do PIB, a
equipe econômica de Dilma Rousseff resolveu elevar o volume de crédito
como forma de incentivar o consumo e, assim, dar um empurrão na
economia. Não funcionou. Nem podia. Os números mostram que nos últimos
dez anos o consumo dos brasileiros aumentou 115%, enquanto, no mesmo
período, a indústria nacional cresceu apenas 20%.
Não é preciso ser um gênio para ver nessa disparidade o retrato de
uma política econômica que se equivoca em incentivar o consumo, quando o
gargalo está na produção. Não se resolve com mais crédito uma situação
em que a demanda dispara, enquanto a oferta de produtos fica estagnada.
Claramente, a indústria brasileira não está conseguindo competir em
preço e qualidade com os produtos importados. As fábricas brasileiras
precisam aumentar exponencialmente sua produtividade, e isso não se
consegue com mais crédito ─ que implica mais gastos do governo, maior
desequilíbrio fiscal e, claro, juros mais altos.
Os economistas são quase unânimes em localizar o maior empecilho ao
avanço sustentável do PIB no próprio governo. Em particular, nos gastos
crescentes, o que obriga o Banco Central a elevar os juros, em um
perigoso círculo vicioso. Como a Caixa Econômica Federal (CEF) entra na
história?
Por ser um banco estatal de varejo inteiramente controlado
pelo governo, a CEF é um dos instrumentos mais acionados da equivocada
política oficial de aumento do crédito. Desde 2008, a Caixa vem
crescendo a taxas superiores a 35% ao ano. Vale lembrar que o
crescimento de um banco pode ser medido pelo volume de empréstimos que
ele concede. A participação da Caixa no total de crédito disponível no
Brasil triplicou, saltando de 6% para 18%.
O risco dessa política está no fato de a quantidade de dinheiro
liberado pela Caixa ter avançado em uma velocidade muito superior à do
aumento do seu capital. Uma análise da agência de classificação de risco
Austin Rating dá a dimensão do desequilíbrio. Em 2008, o volume de
crédito da Caixa era equivalente a 5,8 vezes seu patrimônio.
Em setembro
passado, essa relação era de 17,4 vezes. No Itaú Unibanco, o maior
banco privado do país, os financiamentos correspondem a cinco vezes o
capital. O recomendável é que um banco empreste até o equivalente a nove
vezes o seu patrimônio. Um banco é tanto mais vulnerável quanto maior
for o múltiplo do volume de crédito em relação ao capital.
Segundo esse
critério, adotado internacionalmente, a Caixa está muito exposta. Mas
seus correntistas e poupadores não correm risco. Se a instituição tiver
um problema sério de inadimplência, terá de ser socorrida pelo Tesouro
Nacional ─ ou seja, pelos brasileiros que pagam impostos, não têm
nenhuma influência na gestão de risco do banco estatal e só são chamados
na hora de pagar a conta.
Por se valer desse privilégio, equivalente à
prerrogativa de imprimir dinheiro, a Caixa está na contramão do sistema
financeiro. Diz Luis Miguel Santacreu, da Austin Rating: “Os bancos
privados avaliaram o cenário iminente e decidiram ser mais restritivos
na concessão de crédito. A Caixa fez a leitura de que, com o recuo dos
bancos privados, ela pode ganhar mercado. Aposta também que a
inadimplência ficará sob controle. O tempo vai dizer se foi uma
estratégia correta”.
A real situação financeira da Caixa é difícil de ser avaliada porque o
banco tem seu capital fechado, ficando livre do grau de transparência
exigido das companhias com ações na bolsa, como é o caso do Banco do
Brasil. Também diferentemente do BB, cuja administração é comandada por
funcionários de carreira, na Caixa os principais cargos estão nas mãos
de políticos do PT ou da base aliada. Seu presidente, Jorge Hereda, foi
secretário em prefeituras petistas no ABC paulista.
Um episódio
revelador dos riscos a que a Caixa se expôs foi a sua associação ao
PanAmericano, em 2009. O banco estatal pagou 739 milhões de reais para
ficar com 49% das ações do banco. Meses depois, viu-se que o
PanAmericano fraudava balanços e tinha um rombo de 4,3 bilhões de reais.
Mais recentemente, a direção da Caixa decidiu prorrogar em um ano o
pagamento de um empréstimo de 461 milhões de reais contraído pela OSX, a
empresa naval de Eike Batista. A OSX entrou com pedido de recuperação
judicial dias depois.
A despeito de todos os artifícios, não há mais como esconder que o
modelo de sustentação da Caixa aumenta o endividamento do governo ─ e
contribui para o círculo vicioso que emperra o Brasil. Alerta Armando
Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas: “Os desequilíbrios causados pelo uso político dos bancos
públicos chegam muitos anos depois, mas chegam. É preciso transparência.
Os brasileiros têm o direito de saber como o seu dinheiro está sendo
usado”.
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