Política
Ponta do iceberg na Defesa, por Carlos Tautz
Só depois da repercussão negativa na imprensa (inclusive aqui no blog), o Ministro da Defesa Celso Amorim suspendeu a aplicação do manual de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que ele mesmo assinara e fizera publicar no Diário Oficial da União em 20 de dezembro de 2013.
O
manual receitava, quando do emprego das forças armadas contra civis
brasileiros, censura à imprensa, repressão a tudo e todos que os
militares entendessem como ameaça à ordem e, para lembrar que a Doutrina
de Segurança Nacional de Golbery continua viva, terminava com uma
ameaça de significado explícito: “fizemos ontem, faremos sempre”. Tudo
isso a menos de três meses de se completarem 50 anos do golpe
empresarial-militar de 64.
Como até as tragédias possuem algo de
bom, também esse episódio tem um lado novidadeiro: um ministro de Estado
percebe a besteira que cometeu e promete voltar atrás, divulgando um
novo manual ainda nesta semana. Mas, o lado positivo desse imbróglio
termina aí. Ele revela como resiste nas forças armadas a ideologia do
“inimigo interno”, o que justificaria, na visão dos generais, a
supressão violenta de todas as liberdades do próprio povo brasileiro.
Celso Amorim, Ministro da Defesa. Foto: Wilson Dias / ABr
Permanecem,
porém, outras dúvidas. Amorim discorda mesmo dessa visão repressiva ou
decidiu rever o manual apenas porque foi exposto à opinião pública? Se
concorda, ele expressa a opinião de sua chefe, a presidenta Dilma? Foi
apenas coincidência o manual entrar em vigor no ano do meio século do
golpe, da Copa superfaturada pelo conluio governo-Fifa e das eleições
presidenciais? E, por fim: até quando as forças armadas serão um estado
dentro do Estado, com objetivos, raio de atuação e meios de operação
independentes de qualquer controle democrático?
Aliás, urge que
esse controle se estenda aos negócios em que se envolvem Aeronáutica,
Exército e Marinha. Se hoje eles carecem de transparência, um mal
aprofundado durante a ditadura que privilegiou corporações nacionais e
multinacionais, a perspectiva no curto prazo é que se radicalize a falta
de informações sobre quanto, como, porquê, quando e com quem gastam as
forças armadas.
À medida que cresce a economia brasileira, também
aumentam as escalas e a obscuridade em torno dos gastos militares, como o
comprovam, por exemplo, os bilhões da compra dos 36 caças Gripen (com
opção para mais 100) e a contratação, sem licitação, da Odebrecht para
construir o casco do submarino atômico em Itaguaí (RJ).
Episódios
como o do manual são pontas de um imenso iceberg. Só acabam suscitando
várias outras questões, como a da falta de transparência, justamente
porque tudo que diz respeito a forças armadas no Brasil permanece, em
pleno século 21, isolado do avanço da democracia, independentemente do
partido que governa o País.
Carlos Tautz, jornalista, coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e controle cidadão de governos e empresas.
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