Por Leslie Leitão e Thiago Prado, na VEJA.com:
Escolhido para ser o próximo chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro, o delegado Cláudio Ferraz, 52 anos, famoso por ter prendido centenas de milicianos no Estado, tem no momento uma delicada missão: explicar sua evolução patrimonial nos últimos quatro anos. Ferraz foi uma opção do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, com aprovação do governador Sérgio Cabral.
O
procurador da República Orlando Cunha encaminhou na segunda-feira um
pedido de informações à Superintendência da Receita Federal, para que
seja verificada “possível situação caracterizadora de redução ou
supressão do tributo federal”, com base em um relatório de 87 páginas,
com fotos dos imóveis, entregue aos procuradores no fim de 2013. Os
imóveis foram adquiridos por valores muito mais baixos que os de mercado
e pagos sempre em dinheiro. O Ministério Público Federal também enviou
ofícios também às corregedorias Geral Unificada e da própria Polícia
Civil, para que sejam instaurados procedimentos de investigação.
As
suspeitas sobre Ferraz têm um ponto curioso: a evolução patrimonial dos
chefes de milícia foi exatamente o que possibilitou que o delegado,
então à frente da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas
e Inquéritos Especiais (Draco-IE), pusesse atrás das grades, desde
2007, os líderes de grupos paramilitares que exploram serviços como
venda de água, gás, transporte clandestino, sinal ilegal de TV a cabo e
internet em áreas carentes do Rio. Recentemente, Ferraz era o
coordenador especial de Transporte Alternativo – ou o “xerife das vans”.
Ele esteve
à frente da Draco-IE, divisão da Polícia Civil que combate as milícias,
entre outros crimes, até 2010. A aquisição de imóveis que agora o leva a
dar explicações públicas ocorreu, oficialmente, a partir de 2009, com
escrituras públicas passadas por valores ínfimos, se comparados aos
preços praticados no inflacionado mercado imobiliário da cidade.
Ao todo,
Ferraz comprou seis imóveis entre 2009 e 2012 – uma média de um imóvel a
cada quatro meses. Na noite de segunda-feira, durante três horas, o
delegado apresentou sua versão das aquisições ao site de VEJA. A renda
mensal média do delegado, como explica, é de 40.000 reais, assim
distribuídos: 15.000 de vencimentos como delegado de Polícia Civil,
14.000 com aluguéis e outros 7.000 com a criação de trinta vacas em uma
das fazendas adquiridas nesse período. Entre as negociações, duas chamam
atenção. Uma delas é um terreno em uma área dominada por uma milícia,
na Zona Oeste da cidade. A outra é a fazenda.
Em 29 de
julho de 2010, Claudio Ferraz registrou no 8º Oficio de Notas do Rio a
aquisição de uma área de 707 metros quadrados na Avenida FW, no Recreio
dos Bandeirantes, a menos de 500 metros da praia. A região é dominada
pela Milícia do Terreirão. O valor de compra registrado é de 40.000
reais. A prefeitura, no entanto, chegou a avaliar a área em 145.000
reais para calcular o imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI).
Claudio Ferraz argumenta que recebeu o terreno como parte de um acordo
para encerrar um processo na 4ª Vara Cível de Madureira, que se
arrastava desde 1994. A briga começou com uma dívida de 106.000 reais
adquirida por Sylvia Carvalho da Silva Pinto, ex-sócia do avô do
delegado em um extinto cinema em Marechal Hermes, na Zona Norte. Com a
morte do avô, Ferraz levou a batalha judicial adiante, até que, em 2009,
deu-se o acordo.
Os registros oficiais contam outra versão. O acerto
judicial não está registrado na certidão de compra e venda. No
documento, consta, em vez disso, o pagamento de 40.000 a Sylvia. Ferraz,
que na verdade deveria apenas receber, e não pagar, nega ter
desembolsado o dinheiro: “Foi feita a escritura por 40.000, mas não
tirei dinheiro da minha conta e dei pra ela. Essa foi uma quantia que
colocamos lá porque foi a forma mais simples de resolver e encerrar o
processo”, conta.
O site de
VEJA apurou que, atualmente, um terreno exatamente em frente ao de
Ferraz e com quase a mesma área foi avaliado em mais de 1,4 milhão de
reais. “Impossível. Se chegarem com esse dinheiro lá eu vendo amanhã”,
rebate o delegado.
Outra
transação que chamou atenção do MPF e que consta na solicitação enviada à
Refeita Federal é a da compra de um lote de uma fazenda no município de
Jesuânia, na localidade conhecida como Santa Cruz, em Minas Gerais. Em
14 de janeiro de 2010, o delegado teria pago, também em espécie, outros
40.000 reais, com objetivo de aumentar sua propriedade, segundo consta
na certidão do Serviço Registral de Imóveis da comarca de Lambari.
Na
área de 11,58 hectares, há plantação de café e 35 cabeças de gado, que
Ferraz aponta como suas fontes de renda alternativa. “Tiro de 250 a 300
litros de leite por dia”, esclarece. O site de VEJA consultou
fazendeiros que informaram o seguinte: com 300 cabeças de gado, pode-se
obter lucro médio de 10.000 reais mensais.
Os
documentos enviados ao MPF, e agora remetidos às corregedorias, não
detalham a compra da fazenda. A propriedade de Claudio Ferraz, na
verdade, foi adquirida em 1985, e tem 27.52 hectares, como detalha o
delegado. “Sou produtor rural desde 1985. E aquilo não é uma fazenda. É
mais é um sitiozinho metido à besta”, pondera.
Além do
terreno e da fazenda, Claudio Ferraz também registrou outros dois
apartamentos em regiões de classe média da Ilha do Governador, num
período de três meses, entre outubro de 2009 e janeiro de 2010. Segundo
as escrituras obtidas em cartórios, pelo primeiro ele teria pago 60.000
reais; pelo segundo, mais 40.000 reais.
Para corretores ouvidos pela
reportagem, os dois imóveis estão avaliados, hoje, por algo entre
320.000 e 500.000 reais. “Nessa época eles valiam pelo menos 200.000”,
afirmou um corretor, ajustando os preços ao período em que ocorreram as
negociações. O futuro chefe de Polícia defende-se com documentos de
1993, explicando que, em ambos os casos, ele teria adquirido os imóveis
na “modalidade de incorporação imobiliária”. “Paguei muito mais barato
por isso, nada foi pago agora. Adquiri há muitos anos. Agora só fiz
regularizar. E tem outros imóveis que são meus que não regularizei
ainda”, avisa.
Os outros
dois imóveis adquiridos pelo policial são uma sala comercial na estrada
do Galeão, também na Ilha, adquirida por 67.000 em 15 de junho de 2012, e
um apartamento de 108 metros quadrados na cidade mineira de Lambari,
pelo qual desembolsou 70.000 reais, em junho de 2011. “Esse aí foi minha
sogra que juntou as economias dela e comprou.
Não temos nada a ver com o
imóvel”, afirma.
Também é
curiosa a forma de pagamento pelas transações imobiliárias. A reportagem
da Band News afirmou que, na sexta-feira, durante uma entrevista feita
com Claudio Ferraz, ele teria justificado que todas as transações foram
pagas em espécie por “exigência dos vendedores”. O delegado teria
informado não ter em mãos os comprovantes de saque dos valores para cada
compra de imóvel. Os comprovantes são comumente solicitados pela
Receita Federal em casos de comprovação de origem do dinheiro para
compras em efetivo. Na entrevista ao site de VEJA, Ferraz negou ter
feito qualquer pagamento em espécie.
“Em nenhum desses imóveis, nem na
fazenda. Nada foi pago em dinheiro vivo. Eu fui pagando ao longo dos
anos”, justificou.
Ferraz é o
delegado de confiança do secretário José Mariano Beltrame desde o
início do governo Sérgio Cabral. A chefe atual, Martha Rocha, tem planos
de disputar as eleições e deixará o cargo na próxima sexta-feira, dia
31. O delegado é também coautor do livro Elite da Tropa 2 (Editora Nova
Fronteira), que deu origem ao filme Tropa de Elite 2. A indicação é da
conta pessoal de Beltrame, e vence a opção do governador, que tinha
preferência pelo também delegado Fernando Moraes, ex-diretor da Divisão
Antissequestro (DAS).
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