Viram os três jornalões de hoje?
Dentro da profissão todo mundo sabe, mas fora pouca gente se dá
conta.
E esta é a principal razão porque é assim que acontece: seja
quando se trata de má fé, seja quando é apenas incompetência, seja
quando é um misto das duas coisas, uma cobertura jornalística é sempre
muito mais criticável pelo que deixa de fazer do que pelo que faz.
A razão disso ser assim é elementar.
Um fato é um fato e é muito
difícil sonegá-lo ou relatá-lo diretamente pelo que não foi, assim em
cima da pinta, sem dar flagrante de mentira, coisa que nem o mais
desonesto dos jornalistas pode se dar o luxo de fazer sob pena de perder
a oportunidade de seguir mentindo com o alcance de que o arma a tribuna
de onde mente, que é o que as faz tão cobiçadas pelos agentes mal
disfarçados da luta pelo poder que se esgueiram por todas as redações do
mundo.
O jornalista, quando mente, mente pelo silêncio nas ocasiões em que
fazer alarde é obrigatório ou pelo alarde quando o silêncio é que é
adequado.
Mente omitindo a nuance que altera o sentido do fato ou
sugerindo que a que não tem esse significado significa mais do que
parece.
O jornalista que mente mente pelas tabelas, e é isso que torna
difícil denunciá-lo diretamente.
Mas voltemos aos jornalões de hoje.
Nem O Estado, nem a Folha nem O Globo
de hoje puxaram os acontecimentos de ontem em suas primeiras páginas
pelo que eles tiveram de mais jornalístico.
Trata-se de um marco
histórico, de um golpe contra o regime republicano, de um turning point que assim será registrado para a posteridade.
Mas mesmo tudo isso tendo sido não apenas sinalizado como
textualmente declarado pela autoridade máxima do Poder Judiciário da
República – que acabara de ser derrubada por um golpe – e por mais
quatro juízes da Suprema Corte, o que torna o fato um fato mesmo que a
intepretação deles venha a se comprovar errada, nenhum deles incluiu em
suas manchetes ou mesmo nas suas chamadas de primeira página a
advertência à Nação feita pelo ministro Joaquim Barbosa de que a
desmontagem da condenação dos mensaleiros do PT “é o primeiro passo” de um processo maior e que, daqui por diante, “esta maioria de circunstância tem todo o tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora”.
Reformadora de quê?
Reformadora do regime que o patrocinador dessa “maioria de circunstância”,
a saber, a Presidência da República, já tinha tentado golpear antes, na
conspiração que foi temporariamente detida pelo julgamento anulado
ontem “no tapetão”, que tem o objetivo explícito de por no lugar do que temos outro regime que o eleitor não elegeu.
Se essa modalidade de golpe fosse uma novidade, ainda seria
admissível que alguém não se apercebesse de que se trata de um golpe.
Mas se a democracia moderna começou, ha 400 anos, com o enquadramento do
Poder Executivo pelo Poder Judiciário, todas as ditaduras do presente,
especialmente estas à nossa volta que o PT visita semanalmente, subsidia
com o dinheiro dos nossos impostos e aponta como “a sua utopia” –
da argentina às bolivarianas – começaram pelo Poder Executivo
trapaceando para dar um golpe no Poder Judiciário, depois de ter anulado
o Poder Legislativo pelo uso maciço e sistemático da arma da corrupção,
exatamente o que aconteceu na primeira fase do golpe em curso no Brasil
que a Procuradoria Geral da Republica flagrou e descreveu em minúcias e
que as sentenças anuladas ontem tratavam de reverter.
A ditadura trapaceada do Brasil começou, portanto, ontem e foi para
isso que o ministro Joaquim alertou a Nação com o máximo de palavras que
podiam ser usadas por alguém na sua posição.
O que ele disse é que,
constituída a tal “maioria de circunstância” na última
instituição que ainda resistia ao golpe, o caminho está livre para que o
pais seja empurrado mansamente sem mais nenhuma resistência ao longo do
percurso que ainda nos separa daquilo em que o PT não se cansa de dizer
que quer nos transformar.
E, no entanto, o que “noticiaram” os jornalões de hoje?
A “irritação” ou, no máximo, a “tristeza”
do ministro, mas não o seu alarme.
Tudo não passou de birras e
incomodações entre juízes irritadiços envolvidos num jogo pessoal de
poder.
O país, a Nação, a República não foram afetados.
As manchetes afirmam laconicamente aquilo que já se sabia que
necessariamente aconteceria desde o momento, ha mais de seis meses, em
que a Presidência da República exigiu, como condição para sua nomeação,
que os dois ministros infiltrados para a missão de que se desincumbiram
ontem – mais o compadre de dona Marisa Letícia, o ex-advogado de José
Dirceu e aquelas duas piedosas senhoras que, junto com dona Dilma, vão
entrar para a História como a prova do mito que é a alegação de que
colocar mulheres em altos cargos da República resulta intrínseca e
automaticamente numa melhoria da qualidade da democracia – declarassem
publicamente o seu compromisso de votar como votaram.
Para os nossos jornalões tudo não passou de uma “revisão de sentença”, de uma “mudança de critério”.
Desde ontem, aliás, enquanto o golpe se desenrolava ao vivo, as televisões ouviam, a cada intervalo, os “especialistas” do costume, sempre aos pares, um para bater no cravo, outro para rebater na ferradura, para “analisar” a “argumentação”
de cada parte, como se tudo aquilo fosse sério;
como se tudo aquilo
fosse mesmo uma tertúlia técnica girando em torno de altos preceitos do
Direito.
Que nome pode-se dar a tal armação, posto tudo que já se sabia sobre o
golpe em andamento com data marcada e roteiro previamente
compromissado, senão o de uma grossa mentira destinada a sugerir à
patuléia que segue tudo normal e nada ameaça a democracia brasileira?
Não seria informar mais honestamente entremear essas tais
argumentações com os vídeos destes mesmos senhores se comprometendo com o
voto que estavam “argumentando” antes mesmo de se tornarem
membros daquele colegiado?
Antes mesmo de serem cogitados para isso,
aliás, pois eles praticamente se candidataram ao cargo anunciando-se
dispostos ao jogo de cartas marcadas para o qual os golpistas estavam
procurando atores…
Não seria informar mais honestamente entremear os argumentos deles
para negar os fatos com a leitura das minuciosas provas apresentadas
pelo ex-Pocurador Geral da República na fase honesta deste julgamento a
respeito de cada um dos crimes em discussão?
Ou ilustrar os acontecimentos com a sequência de fatos idênticos que conduziu os argentinos, os bolivianos, os venezuelanos et caterva às ditaduras que os empurraram para a beira da guerra civil em que hoje se balançam? Ou esse paralelo não é um fato?
Nada!
Apenas “especialistas” carregados de títulos, endossando “a seriedade” de uma encenação que todo mundo sabe que é uma farsa.
Hoje, tudo já passou.
O distinto telespectador e o considerado leitor
podem baixar a guarda que voltamos ao que é realmente importante.
Os
dados do “crescimento surpreendente” da economia que “surpreendentemente” são divulgados pelo governo acusado no mesmo dia da consecução do golpe; as falcatruas cometidas ha 31 anos pelo “outro lado” ha 11 anos fora do poder “surpreendentemente” reveladas pelo governo acusado no mesmo dia das primeiras condenações e, é claro, o carnaval…
É por essas e outras que venho já ha uns bons anos, afirmando que estamos diante da “tempestade perfeita”.
Porque a imprensa, que é sempre a última linha de defesa nas
democracias, aqui entre nós está precisando se decidir se quer ser parte
da solução ou parte do problema.
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