Tomou a pilula vermelha já eraÀs vezes, conversando com minha esposa, nos questionamos sobre nosso comportamento nas redes sociais.
De um bom tempo para cá temos focado nossas postagens de Facebook e Twitter em praticamente um assunto: política.
De vez em quando sai uma foto de algum felino ou canino aqui de casa, mas no geral é política e mais política.
E por ver tantas pessoas que vivem felizes e saltitantes Facebook afora, sempre prontas a disseminar mensagens bonitinhas e otimistas, a gente acaba pensando: o pessoal deve nos achar um casal de chatos.
Mas afinal, vivemos uma época propícia para comemorações?
É melhor se cercar de pessoas que não falam de política, e que preferem não se envolver com essa “coisa suja”? Para mim é impossível pensar nisso e não lembrar do filme Matrix.
Impossível não imaginar que viver hoje, no Brasil, ignorando a situação do país e o governo que pesa suas mãos sobre cada um de nós, equivale a viver na Matrix, num sonho controlado, num simulacro de democracia.
No filme, um dos meus preferidos de todos os tempos, Neo é chamado a uma decisão que mudaria sua vida para sempre, uma decisão sem volta: se tomasse a pílula azul acordaria no dia seguinte sem nenhuma lembrança do ocorrido. Se tomasse a vermelha, já era.
Movido por uma profunda inquietação com o mundo em que vivia e por um sentimento constante de não pertencimento, ele toma a pílula vermelha, que o leva a descobrir que não passava de um escravo manipulado pelas máquinas, criado e mantido vivo para fornecer o que elas precisavam.
A pílula vermelha é dureza… Muito tempo atrás um grande amigo meu me deu um livro, o primeiro volume de “História da Filosofia”, do Giovanni Reale.
Na primeira página uma breve dedicatória, que jamais esqueci, e que me marcou demais:
“O conhecimento da realidade traz a verdade. A verdade liberta. O preço da liberdade? A solidão. Boa sorte.”
Ele não poderia estar mais certo. Os anos seguintes, de estudo e de aprofundamento na filosofia e na política, me abriram os olhos para a realidade em que eu vivia.
Embora sempre achasse que o Brasil tinha inúmeros defeitos, a preferência por não vasculhar as notícias diariamente, e focar minha atenção muitas vezes em assuntos totalmente diversos, o que incluía minhas muitas atribuições religiosas na igreja em que congregava, me permitia continuar vivendo na “Matrix” e nela ser feliz.
Ali eu era a personificação dos dizeres de Anatole France: a minha ignorância me proporcionava felicidade.
Mas a inquietação que levou Neo a tomar aquela pílula foi a mesma que me levou a começar a ler, estudar, e descobrir em que situação eu realmente vivia.
Com o tempo a dedicatória profética de meu amigo se cumpriu: a intelectualidade fortalecida deu origem a uma visão de mundo muito mais realista.
As camadas de verniz e tinta que escondiam a realidade foram retiradas, como num minucioso trabalho de restauração, e o que eu vi por baixo delas não foi uma obra de arte maravilhosa, e sim um retrato cru e inóspito do Brasil em que eu vivia.
Ao mesmo tempo, tudo o que eu escutava de outras pessoas tinha que passar por mais e mais etapas de validação – já não era possível aceitar nenhuma informação sem uma dose considerável de análise e estudo.
E eu vou te contar algo importante sobre isso: sobram pouquíssimas pessoas em sua lista de “gente com opinião a respeitar” depois que você começa a passar todos os discursos pela peneira da razão.
É justamente daí que vem a solidão da verdade, pois a maioria das pessoas prefere viver no sonho, na simulação, no auto-engano, na ignorância.
Aonde quero chegar?
Simples: se o Brasil é hoje o que é, é em grande parte devido a esse apego à felicidade baseada na ignorância. Não há nada mais agradável do que viver num sonho, e o brasileiro é o campeão mundial de viver sonhando.
A simpatia e a alegria dos brasileiros, que são cantadas e entoadas como nossa maior virtude, são fruto de nossa maior fraqueza: a recusa em ver a verdade.
Desde frases populares como “Deus é brasileiro” até canções que dizem “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, o brasileiro nasce, cresce, reproduz-se e morre achando que o seu país é o que há de melhor no mundo, e que viver aqui é ser abençoado, é ser especial, é ser o topo da pirâmide mundial de felicidade.
Em outras palavras, o brasileiro nasce, cresce, reproduz-se e morre acreditando em mentiras e vivendo um sonho dirigido.
Os últimos dois anos foram muito atípicos a meu ver: por um lado o governo petista se avolumou e tomou uma posição de ataque às liberdades individuais, principalmente a de expressão; por outro, parece que muita gente anda tomando a pílula vermelha (por favor não confunda esse vermelho com o do PT) e acordando do sonho dirigido.
Não falo aqui dos bocós que foram para as ruas no meio do ano passado sem a menor ideia do que estava acontecendo, mas das pessoas que têm partido para o engajamento intelectual, que têm se preparado para o debate de ideias, que têm povoado a internet com bons artigos, que têm escrito livros, que têm lutado por ideais e princípios justos.
Muitos, como eu, que já haviam se conformado com a solidão intelectual permanente, passaram a conhecer outros solitários, e mais outro, e mais um ali, e assim por diante.
É por isso que tem sido mais fácil encarar a batalha contra o comunismo no Brasil, por causa dos amigos que tenho feito.
E os chamo de amigos, mesmo não conhecendo pessoalmente alguns deles, mas de uma maneira mais Aristotélica: acreditamos nas mesmas coisas, buscamos as mesmas virtudes, abominamos os mesmos males.
Espero estar vivendo um momento único para o Brasil, um momento de construção de uma base intelectual que oxalá acomodará futuros líderes a combater a praga comunista que nos assola.
A esquerda tem hoje muito dinheiro, principalmente pela sua presença tentacular em todas as esferas do poder público, mas a hegemonia intelectual ela já não tem mais.
A acomodação já fez ruir muitos impérios na história da humanidade, e novas forças, forjadas em condições desfavoráveis, conseguiram reverter o curso de governos que pareciam imbatíveis.
Tudo isso me dá esperança. Pode não ser muita, mas é esperança. E, como no dito popular, ela é a última que morre.
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