24/04/2014
às 22:32
Por João Marcello Erthal, na VEJA.com. Ainda volto ao assunto.
A menos de dois meses do início da Copa do Mundo, a crise em que estão mergulhadas as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) teve, na tarde desta quinta-feira, seu momento mais delicado. O problema não está na segurança para a competição – algo que certamente será solucionado com reforços em quantidade compatível com o peso do evento – nem na resistência de traficantes em vários pontos que o governo do Rio classifica como “pacificados”.
O que se viu nas ruas de
Copacabana logo depois do enterro do dançarino Douglas Rafael da Silva, o
DG, foi algo inédito e mais radical até que as manifestações que se
seguiram ao desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, da Rocinha.
Moradores de favelas da Zona Sul, principalmente do Pavão-Pavãozinho,
insurgiram-se não contra um grupo de policiais, mas contra a própria
UPP. Os cartazes traziam “fora UPP”, “UPP não” e expressões como “PM
assassina”. A morte de DG é um crime que precisa de investigação, mas
rejeitar a presença de policiais é, inevitavelmente, avalizar a presença
de bandidos. E o Rio de Janeiro conhece o que os bandidos são capazes
de fazer para manter seu território.
Existe
imensa distância entre cobrar melhorias na polícia, uma “nova polícia”,
ou mesmo confrontar a PM por causa de ações truculentas, e o que se
desenha no Pavão-Pavãozinho de agora. Uma parte dos moradores, inflamada
por manifestantes do ‘não vai ter Copa’ e outros gritos, está sendo
manobrada para exigir a saída da UPP da favela. Não é difícil adivinhar
quem se beneficiaria com o recuo do policiamento naquela região ou em
qualquer área da cidade. Só o bandido, ou alguém a ele ligado, pode
pedir “menos polícia” em uma cidade com os problemas que tem o Rio de
Janeiro.
Da
segurança nas favelas aos roubos de celulares nas calçadas da Zona Sul,
crime se combate com polícia – e, claro, com uma polícia melhor. A
armadilha está em permitir que black blocs e manifestantes de plantão
assumam a frente nos protestos. Como têm feito, os mascarados e a turma
do ‘não vai ter Copa’ apropriam-se das causas, impõem práticas violentas
e fazem a população se voltar contra os envolvidos. Esse processo, na
verdade, já começou em Copacabana. Na tarde desta quinta-feira, os
comerciantes e moradores do bairro ficaram amedrontados com o protesto,
que deveria ter a população de um só lado: o da cobrança por uma polícia
melhor e menos truculenta.
A confusão
no protesto após o enterro começou quando um grupo exaltado de
manifestantes provocou os PMs e jogou lixo e pedras contra as viaturas.
Os policiais lançaram bombas de efeito moral, reproduzindo na Avenida
Nossa Senhora de Copacabana o cenário já conhecido desde as
manifestações de junho do ano passado, com correria, pessoas
desesperadas e mais provocações dirigidas aos homens fardados. Um jovem
atingiu um policial com uma “voadora” minutos antes de a confusão
generalizada começar.
Os
policiais que estavam no tiroteio do Pavão-Pavãozinho na terça-feira,
quando DG foi baleado e morto, estão sendo investigados. As armas de
oito deles foram recolhidas nesta quinta-feira. Outros dois ainda
prestarão depoimentos. O corpo de DG foi encontrado em uma escola, e num
primeiro momento a PM afirmou que não havia marcas de perfuração. O
laudo do Instituto Médico Legal desmentiu essa versão e comprovou que o
dançarino foi baleado, teve o pulmão dilacerado. Os PMs que deram tiros
naquele dia são suspeitos – assim como devem ser considerados suspeitos
também os traficantes que lá estão.
As
relações entre moradores e policiais da UPP estão se deteriorando. Uma
moradora ouvida pelo site de VEJA no enterro do dançarino afirmou que
não quer mais os policiais na favela. “Eles fazem o que querem no morro,
não estão lá para proteger ninguém”, disse. Opiniões como a dela, ainda
que carregadas de raiva e num momento de choque pela morte de um ente
querido, devem ser levadas em conta pela Secretaria de Segurança. É
claro que há um problema nas UPPs, ou não haveria conflitos constantes e
relações estremecidas em outras áreas, como a Rocinha – onde morreu
Amarildo.
No
momento, o secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame,
precisa mais que defender o projeto, como tem feito repetidamente. As
falhas que a população aponta nas UPPs precisam ser identificadas e
eliminadas, numa prova de que o governo está disposto a rever
procedimentos. A repetição do discurso de que “não haverá recuo” não
basta.
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