Após chegar ao Planalto apoiado por esquerdistas de toda sorte, o PT enfrentará ex-aliados que dizem representar melhor antigas bandeiras
Em 2002, tudo era mais simples. O petista Luiz Inácio Lula da Silva
tentava colocar um fim na era do PSDB no poder, com a ajuda de quase
todo tipo de esquerdista. ...
Disputou o segundo turno contra o tucano José Serra, com o apoio de
PSB, PPS, PDT, PCB, PCdoB e PV. Venceu e reforçou a divisão que já se
construía no país. Se a esquerda vencera, os perdedores só podiam ser a
direita. Tal resultado mudou o destino dos tucanos. Fundado por Fernando
Henrique Cardoso, Mário Covas e pelo próprio Serra – todos expoentes da
luta contra a ditadura militar (1964-1985) – e com o termo
“social-democracia” estampado em seu nome, o PSDB foi empurrado para a
direita na política nacional. Até que veio 2010, Marina Silva embaralhou
o cenário, e o que era simples ficou complexo – e mais competitivo.
Na última eleição presidencial, a ex-senadora e ex-petista Marina foi a
novidade. Pediu licença para entrar, empurrou discretamente a candidata
governista Dilma Rousseff (PT) com o ombro e ocupou parte do espaço
esquerdista do pleito. Então candidata pelo PV, com um histórico de
militância a favor de causas identificadas com a esquerda, Marina
ameaçou a polarização PT-PSDB e ajudou a levar aquela eleição ao segundo
turno. Quatro anos depois, esse quadro se acentuou. Em 2014, pela
primeira vez desde sua fundação, em 1980, o Partido dos Trabalhadores
inicia uma campanha presidencial levemente deslocado para a direita.
Diante de alianças que reúnem antigos aliados, deverá ser alvo de
repetidas e organizadas críticas de tradicionais integrantes da esquerda
brasileira.
A mudança foi proporcionada pela união de Marina com o governador de
Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, partido egresso da
aliança em torno de Lula e do PT. O acordo entre Rede e PSB criou uma
frente que se autodenomina Esquerda Ética ou Frente Progressista. Ela se
reúne sistematicamente para traçar um projeto alternativo ao petista –
e alinhavar acordos eleitorais. Fazem parte os grupos dos deputados
federais Roberto Freire (PPS-SP), Walter Feldman (Rede), Miro Teixeira
(PROS-RJ) e Luiza Erundina (PSB-SP), além dos “marineiros” (nome dado
aos adeptos das ideias de Marina Silva) e de líderes do Partido Verde.
No âmbito nacional, todos devem caminhar sob a liderança de Campos, o
candidato a presidente pelo PSB, e de Marina, provável candidata a vice,
fundadora da Rede e atualmente filiada ao PSB. O PPS já anunciou
formalmente o apoio à candidatura Campos-Marina, num rompimento da
aliança com os tucanos que vigorou em 2006 e 2010. O PV ensaia uma
candidatura própria ao Planalto, mas também negocia uma adesão à
candidatura Campos-Marina.
A Frente Progressista pretende fazer na campanha uma “crítica pela
esquerda” à candidatura da presidente Dilma à reeleição. Para isso,
reúne-se regularmente em São Paulo. “Já tivemos quatro encontros, e
todos foram muito proveitosos”, diz Célio Turino, porta-voz da Rede na
capital paulista – além de ex-militante do PCdoB, do PT e do PV. “É bom
poder rever alguns amigos e trabalhar com gente que, em eleições
passadas, esteve em outros projetos e agora está junta.” Em 2010, Turino
estava com Dilma, assim como Luiza Erundina e o PSB. Freire e o PPS
apoiaram a segunda candidatura de José Serra pelo PSDB, partido em que
militava Walter Feldman. No combate à ditadura, estiveram todos do mesmo
lado. Entre eles, o vereador paulistano Gilberto Natalini,
pré-candidato do PV ao Palácio dos Bandeirantes e assíduo participante
das reuniões da Esquerda Ética. “Nosso encontro mais recente foi no
sindicato dos padeiros. Avançamos muito.”
O nome do grupo, diz Natalini, é um contraponto ao PT após o escândalo
do mensalão, que condenou à prisão o ex-ministro José Dirceu e outros
petistas históricos. “O trato com o dinheiro público, com a coisa
pública, sempre foi algo sagrado para a esquerda brasileira. Mas o PT
jogou tudo isso fora. Queremos assumir o compromisso de recuperar essa
dignidade”, afirma Natalini.
O PT diz não se assustar com a movimentação de ex-aliados e reafirma,
para quem quiser ouvir, que a verdadeira esquerda ainda é aquela que
chegou ao Planalto há 12 anos. “Eles não têm inserção sindical, inserção
nos movimentos sociais brasileiros. É uma tentativa do velho de se
colocar como novo, ao tentar colocar uma roupa nova”, afirma o deputado
federal Paulo Teixeira, do PT de São Paulo. “Falta uma formulação
política a Eduardo Campos. As sinalizações que ele tem dado são mais
para a oposição brasileira, não para a esquerda. A presença do PPS no
grupo demonstra uma forte ligação desse projeto com as oposições do
PSDB, de FHC. O PPS tem profundas ligações com FHC e José Serra. Não
vejo uma novidade para a esquerda.”
Em torno de Natalini, ensaia-se uma aliança que pode colocar o PV no
barco de Campos e Marina. Em troca do apoio de Campos a Natalini em São
Paulo, o PV pode abrir mão da candidatura de Eduardo Jorge a presidente e
aderir à chapa nacional PSB-Rede-PPS. Caso não dê certo, a frente sonha
com Luiza Erundina ou o advogado Pedro Dallari (PSB) para a disputa do
governo paulista. Outra possibilidade envolve Feldman (Rede-PSB) na
cabeça da chapa. Se Campos decidir apoiar a reeleição de Geraldo Alckmin
(PSDB), algo que Marina não aceita, a Rede deverá ficar livre para
apoiar Natalini ou até mesmo o filósofo Vladimir Safatle (PSOL). Em
termos de programa, a esquerda antipetista debate propostas típicas de
governos passados, especialmente nas áreas de educação, saúde e cultura.
Uma delas é o modelo de alfabetização de adultos do educador Paulo
Freire, adotado pelo governador de Pernambuco Miguel Arraes nos anos
1960. Os ex-aliados do PT acreditam que, diante do recente aumento da
taxa de analfabetismo no Brasil, a educação deverá ser um tema decisivo
no pleito de outubro. Pretendem derrubar o PT com antigas armas
petistas.
Fonte: ALBERTO BOMBIG E ALINE RIBEIRO, COM LEOPOLDO MATEUS revista Época - 21/04/2014 - - 12:57:37
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