O Estado de S.Paulo - 24/04
O vilão da inflação é o governo, como provou mais uma vez o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em sua patética entrevista sobre a disparada dos preços. "Eu tenho certeza de que vamos terminar o ano dentro do limite de 6,5%. Não vamos ultrapassar", assegurou. A meta oficial é de 4,5%, mas as falas do ministro e da presidente Dilma Rousseff geralmente passam longe desse detalhe. A preocupação efetiva, como têm confirmado os números nos últimos quatro anos, é alcançar qualquer ponto até o limite da margem de tolerância. Tanto melhor se o resultado ficar em torno de 6%, de preferência pouco abaixo, como em 2012 e 2013. Mas esse pormenor é meramente decorativo. Mais de uma vez a presidente negou qualquer tolerância à inflação. Mais de uma vez a política oficial desmentiu suas palavras e desmoralizou suas promessas. Igualmente desmoralizante, a entrevista do ministro Mantega ainda acrescentou um toque grotesco ao cenário.
No dia anterior, a pesquisa Focus do Banco Central (BC), realizada com cerca de cem especialistas do mercado financeiro e de consultorias, havia mostrado pela primeira vez neste ano uma projeção de inflação acima do limite de tolerância. Na semana anterior, a mediana das projeções havia chegado a 6,47%, quase batendo no limite. O número divulgado na terça-feira, depois do feriadão, foi 6,51%. A novidade teve um enorme valor simbólico e político.
No mesmo dia circularam em Brasília, segundo registrou O Globo, conversas sobre uma possível mudança no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência oficial para o regime de metas. Dois temas incômodos foram acrescentados, portanto, à pauta de qualquer figura importante da equipe econômica. Não haveria como evitá-los.
Coube ao ministro da Fazenda enfrentar os dois desafios. Ele negou qualquer plano de alteração do IPCA. Segundo as conversas noticiadas, a ideia seria excluir do cálculo os preços dos alimentos.
No Brasil, nenhum argumento estatístico poderia justificar essa mudança. O custo da alimentação ainda é um componente importante do orçamento da maior parte das famílias. Eliminá-lo do índice cheio seria falsificar os dados do custo de vida. Além disso, quem quiser saber como ficaria o IPCA sem os preços dos alimentos e dos combustíveis pode satisfazer sua curiosidade consultando os núcleos calculados por várias consultorias.
Detalhe muito importante: as tendências mostradas por esses núcleos são às vezes piores que aquelas apontadas pelo índice completo. É uma tolice tentar explicar uma inflação tão alta quanto a brasileira pela evolução de um ou outro grupo de preços, os famigerados vilões.
Mas o ministro fala como se acreditasse nessa tolice. Segundo ele, a alta do IPCA acumulada em 12 meses poderá ultrapassar o limite de 6,5% em breve, mas logo diminuirá e ficará abaixo dessa marca no fim do ano.
Os analistas do mercado poderiam estar certos quanto ao curtíssimo prazo, mas errados em relação ao número final de 2014. Ótimo para o ministro e para a presidente, se eles se contentarem, como nos últimos anos, com qualquer resultado até o limite de tolerância, de 6,5%.
O ministro baseia sua convicção numa pitoresca teoria dos vilões da alta de preços. "Todo ano tem algum vilão na história da inflação, mas o importante é que seja apenas um vilão e os outros preços possam flutuar e cair ao longo do tempo, de acordo com a sazonalidade."
Quantos vilões serão necessários para explicar os resultados dos últimos quatro anos - 5,91% em 2010, 6,5% em 2011, 5,84% em 2012 e 5,91% em 2013? E quantos são os vilões em atividade neste ano?
O ministro mencionou os preços de alimentos, as tarifas de energia elétrica (reprimidas desde o ano passado) e outros preços administrados, cada qual com "sua regra específica". E como falar em vilão, quando os preços em alta oscilam entre 65% e 70% do total, como têm oscilado?
Diplomado em economia, o ministro parece desconhecer fatores como as limitações da oferta e o excesso de demanda alimentado pelos estímulos ao consumo e pela gastança pública. Quem leva em conta esses fatores identifica o verdadeiro vilão.
O vilão da inflação é o governo, como provou mais uma vez o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em sua patética entrevista sobre a disparada dos preços. "Eu tenho certeza de que vamos terminar o ano dentro do limite de 6,5%. Não vamos ultrapassar", assegurou. A meta oficial é de 4,5%, mas as falas do ministro e da presidente Dilma Rousseff geralmente passam longe desse detalhe. A preocupação efetiva, como têm confirmado os números nos últimos quatro anos, é alcançar qualquer ponto até o limite da margem de tolerância. Tanto melhor se o resultado ficar em torno de 6%, de preferência pouco abaixo, como em 2012 e 2013. Mas esse pormenor é meramente decorativo. Mais de uma vez a presidente negou qualquer tolerância à inflação. Mais de uma vez a política oficial desmentiu suas palavras e desmoralizou suas promessas. Igualmente desmoralizante, a entrevista do ministro Mantega ainda acrescentou um toque grotesco ao cenário.
No dia anterior, a pesquisa Focus do Banco Central (BC), realizada com cerca de cem especialistas do mercado financeiro e de consultorias, havia mostrado pela primeira vez neste ano uma projeção de inflação acima do limite de tolerância. Na semana anterior, a mediana das projeções havia chegado a 6,47%, quase batendo no limite. O número divulgado na terça-feira, depois do feriadão, foi 6,51%. A novidade teve um enorme valor simbólico e político.
No mesmo dia circularam em Brasília, segundo registrou O Globo, conversas sobre uma possível mudança no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência oficial para o regime de metas. Dois temas incômodos foram acrescentados, portanto, à pauta de qualquer figura importante da equipe econômica. Não haveria como evitá-los.
Coube ao ministro da Fazenda enfrentar os dois desafios. Ele negou qualquer plano de alteração do IPCA. Segundo as conversas noticiadas, a ideia seria excluir do cálculo os preços dos alimentos.
No Brasil, nenhum argumento estatístico poderia justificar essa mudança. O custo da alimentação ainda é um componente importante do orçamento da maior parte das famílias. Eliminá-lo do índice cheio seria falsificar os dados do custo de vida. Além disso, quem quiser saber como ficaria o IPCA sem os preços dos alimentos e dos combustíveis pode satisfazer sua curiosidade consultando os núcleos calculados por várias consultorias.
Detalhe muito importante: as tendências mostradas por esses núcleos são às vezes piores que aquelas apontadas pelo índice completo. É uma tolice tentar explicar uma inflação tão alta quanto a brasileira pela evolução de um ou outro grupo de preços, os famigerados vilões.
Mas o ministro fala como se acreditasse nessa tolice. Segundo ele, a alta do IPCA acumulada em 12 meses poderá ultrapassar o limite de 6,5% em breve, mas logo diminuirá e ficará abaixo dessa marca no fim do ano.
Os analistas do mercado poderiam estar certos quanto ao curtíssimo prazo, mas errados em relação ao número final de 2014. Ótimo para o ministro e para a presidente, se eles se contentarem, como nos últimos anos, com qualquer resultado até o limite de tolerância, de 6,5%.
O ministro baseia sua convicção numa pitoresca teoria dos vilões da alta de preços. "Todo ano tem algum vilão na história da inflação, mas o importante é que seja apenas um vilão e os outros preços possam flutuar e cair ao longo do tempo, de acordo com a sazonalidade."
Quantos vilões serão necessários para explicar os resultados dos últimos quatro anos - 5,91% em 2010, 6,5% em 2011, 5,84% em 2012 e 5,91% em 2013? E quantos são os vilões em atividade neste ano?
O ministro mencionou os preços de alimentos, as tarifas de energia elétrica (reprimidas desde o ano passado) e outros preços administrados, cada qual com "sua regra específica". E como falar em vilão, quando os preços em alta oscilam entre 65% e 70% do total, como têm oscilado?
Diplomado em economia, o ministro parece desconhecer fatores como as limitações da oferta e o excesso de demanda alimentado pelos estímulos ao consumo e pela gastança pública. Quem leva em conta esses fatores identifica o verdadeiro vilão.
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