segunda-feira, 19 de maio de 2014

"Da Copa do Mundo, eu abro mão. Quero dinheiro pra saúde e educação”.

Opinião: A maquiagem da Copa


Fiquei surpreso com a quantidade de imagens ao clicar no Google o título deste artigo. As cores da Bandeira Nacional são usadas em diferentes combinações, revelando a criatividade dos esteticistas colorindo diferentes partes do corpo. O verde e o amarelo estarão, certamente, não só nos rostos e cabelos mas também nas roupas, bandeiras, bolas e em outros adereços. Sob os olhares vigilantes da Fifa, os responsáveis pela organização da Copa correm contra o tempo. Não poderia ser de outra forma. O brasileiro deixa tudo para a última hora e, na correria, não tem tempo de pensar nas prioridades...
 
As autoridades responsáveis pela segurança, em verdadeiro clima de guerra e de alta tecnologia, anunciam que robôs antibombas serão usados nas cidades sedes da Copa do Mundo e que medidas preventivas estão sendo implantadas para neutralizar possíveis ataques cibernéticos. O investimento na segurança chega a R$ 1,9 bilhão, dos quais três quartos para a compra de equipamento e o restante para o custeio do sistema.
 
É inegável que em junho e julho, o Brasil se tornará uma vitrine para o mundo ao sediar a Copa do Mundo. No entanto, é importante que, na ressaca da Copa, a partir de agosto, o país sem maquiagem vai novamente se defrontar com nossa desigualdade social, nosso precário atendimento na saúde, nossa educação vergonhosa e nossa frágil segurança.
 
Nas manifestações de junho de 2013, um dos gritos mais ouvidos foi: “Copa do Mundo, eu abro mão. Quero dinheiro pra saúde e educação”. O clamor popular justifica uma reflexão profunda sobre as prioridades de investimentos governamentais. Os gastos com a Copa do Mundo serão da ordem de R$ 28 bilhões. Segundo Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito da Educação, tomando-se o estudo do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) como referência, com R$ 25,3 bilhões daria para construir unidades escolares para todos os 3,7 milhões de brasileiros de quatro a 17 anos que estão fora da escola.
 
O descaso com a educação pode ser ilustrado pelo Plano Nacional de Educação, que tramita há mais de três anos no Congresso Nacional. A inflexão na educação é necessária e prioritária. Se continuarmos nessa política de avestruz, como alertava Paulo Freire, o educando continuará a receber passivamente os conhecimentos depositados pelo educador. Dessa forma, os nossos estudantes não serão formados como cidadãos pensantes, críticos, capazes de lutar por seus direitos, emancipando-se.
 
Ao contrário. Serão alienados, facilmente manipulados à frente da televisão, assistindo a espetáculos tais como jogos de futebol, novelas, programas de entretenimento que reproduzem uma realidade fictícia, de tal forma que não se preocupa com os graves problemas sociais do cotidiano. Atualmente, presenciamos uma era de produção acelerada de conhecimento e não é suficiente o estudante acumular informações. Eles precisam ter a habilidade de utilizá-las por meio de simulações que vão aprimorar o seu senso crítico. Para isso, precisamos formar o “novo professor”, bem formado e valorizado, e que possa promover uma sensação de prazer no cotidiano escolar.
 
O Brasil precisa fazer um mutirão pela educação. O nosso grande desafio é a “Copa da Educação”, sem maquiagem e pensando no futuro. Vamos valorizar o professor com a federalização do ensino básico. Vamos excluir do currículo escolar o que Darcy Ribeiro chamou de “conhecimento inútil”. Vamos usar a criatividade de nossos arquitetos, construindo ambientes agradáveis e lúdicos para os estudantes. Vamos usar com inteligência as novas tecnologias, visando a avanços na aprendizagem.
 
Vamos envolver a família na educação escolar. Vamos criar espaços culturais para complementar a educação informal. Vamos revisar e simplificar os marcos regulatórios para uma gestão eficiente. Vamos substituir a avaliação quantitativa maquiadora de nosso sistema educacional por uma avaliação qualitativa.
 
Vamos torcer pelo Brasil na Copa do Mundo e vamos também torcer para que possamos comemorar, finalmente, a conquista da qualidade da educação básica para todos os brasileiros. É pertinente lembrar o grande valor tesouro que representa a educação na famosa frase do Padre Antônio Vieira: “A boa educação é moeda de ouro, em toda parte tem valor”. Se ele estivesse entre nós, certamente seria valoroso torcedor verde e amarelo pela qualidade de nossa educação.


ISAAC ROITMAN

Professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular da Academia Brasileira de Ciências

Fonte: ISAAC ROITMAN - Correio Braziliense - 19/05/2014 - - 09:01:15
 
BLOG do SOMBRA

Nenhum comentário: