Opinião: A maquiagem da Copa
Fiquei surpreso com a quantidade de
imagens ao clicar no Google o título deste artigo. As cores da Bandeira
Nacional são usadas em diferentes combinações, revelando a criatividade
dos esteticistas colorindo diferentes partes do corpo. O verde e o
amarelo estarão, certamente, não só nos rostos e cabelos mas também nas
roupas, bandeiras, bolas e em outros adereços. Sob os olhares vigilantes
da Fifa, os responsáveis pela organização da Copa correm contra o
tempo. Não poderia ser de outra forma. O brasileiro deixa tudo para a
última hora e, na correria, não tem tempo de pensar nas prioridades...
As autoridades responsáveis pela segurança, em verdadeiro clima de
guerra e de alta tecnologia, anunciam que robôs antibombas serão usados
nas cidades sedes da Copa do Mundo e que medidas preventivas estão sendo
implantadas para neutralizar possíveis ataques cibernéticos. O
investimento na segurança chega a R$ 1,9 bilhão, dos quais três quartos
para a compra de equipamento e o restante para o custeio do sistema.
É inegável que em junho e julho, o Brasil se tornará uma vitrine para o
mundo ao sediar a Copa do Mundo. No entanto, é importante que, na
ressaca da Copa, a partir de agosto, o país sem maquiagem vai novamente
se defrontar com nossa desigualdade social, nosso precário atendimento
na saúde, nossa educação vergonhosa e nossa frágil segurança.
Nas manifestações de junho de 2013, um dos gritos mais ouvidos foi:
“Copa do Mundo, eu abro mão. Quero dinheiro pra saúde e educação”. O
clamor popular justifica uma reflexão profunda sobre as prioridades de
investimentos governamentais. Os gastos com a Copa do Mundo serão da
ordem de R$ 28 bilhões. Segundo Daniel Cara, coordenador da Campanha
Nacional pelo Direito da Educação, tomando-se o estudo do Custo
Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) como referência, com R$ 25,3 bilhões
daria para construir unidades escolares para todos os 3,7 milhões de
brasileiros de quatro a 17 anos que estão fora da escola.
O descaso com a educação pode ser ilustrado pelo Plano Nacional de
Educação, que tramita há mais de três anos no Congresso Nacional. A
inflexão na educação é necessária e prioritária. Se continuarmos nessa
política de avestruz, como alertava Paulo Freire, o educando continuará a
receber passivamente os conhecimentos depositados pelo educador. Dessa
forma, os nossos estudantes não serão formados como cidadãos pensantes,
críticos, capazes de lutar por seus direitos, emancipando-se.
Ao contrário. Serão alienados, facilmente manipulados à frente da
televisão, assistindo a espetáculos tais como jogos de futebol, novelas,
programas de entretenimento que reproduzem uma realidade fictícia, de
tal forma que não se preocupa com os graves problemas sociais do
cotidiano. Atualmente, presenciamos uma era de produção acelerada de
conhecimento e não é suficiente o estudante acumular informações. Eles
precisam ter a habilidade de utilizá-las por meio de simulações que vão
aprimorar o seu senso crítico. Para isso, precisamos formar o “novo
professor”, bem formado e valorizado, e que possa promover uma sensação
de prazer no cotidiano escolar.
O Brasil precisa fazer um mutirão pela educação. O nosso grande desafio
é a “Copa da Educação”, sem maquiagem e pensando no futuro. Vamos
valorizar o professor com a federalização do ensino básico. Vamos
excluir do currículo escolar o que Darcy Ribeiro chamou de “conhecimento
inútil”. Vamos usar a criatividade de nossos arquitetos, construindo
ambientes agradáveis e lúdicos para os estudantes. Vamos usar com
inteligência as novas tecnologias, visando a avanços na aprendizagem.
Vamos envolver a família na educação escolar. Vamos criar espaços
culturais para complementar a educação informal. Vamos revisar e
simplificar os marcos regulatórios para uma gestão eficiente. Vamos
substituir a avaliação quantitativa maquiadora de nosso sistema
educacional por uma avaliação qualitativa.
Vamos torcer pelo Brasil na Copa do Mundo e vamos também torcer para
que possamos comemorar, finalmente, a conquista da qualidade da educação
básica para todos os brasileiros. É pertinente lembrar o grande valor
tesouro que representa a educação na famosa frase do Padre Antônio
Vieira: “A boa educação é moeda de ouro, em toda parte tem valor”. Se
ele estivesse entre nós, certamente seria valoroso torcedor verde e
amarelo pela qualidade de nossa educação.
ISAAC ROITMAN
Professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
Fonte: ISAAC ROITMAN - Correio Braziliense - 19/05/2014 - - 09:01:15
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