Mas ele virá: o governo só não aumentou tarifas e impostos para evitar prejuízos nas urnas. A questão é saber por quanto tempo será possível resistir.
Na
semana passada, dois ministros graúdos do governo Dilma Rousseff
discordaram sobre um tema que afeta diretamente a vida de milhões de
brasileiros: o controle de preços. Em entrevista ao jornal “Folha de
S.Paulo”, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, admitiu que o
governo segura tarifas para evitar o impacto negativo que elas teriam na
inflação. “Você administra preços em função do interesse estratégico da
economia”, disse Mercadante.
Um dia depois, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi pelo caminho
oposto. “Nós temos feito reajustes. O maior exemplo é o preço da
energia, que subiu 18%. Onde está o represamento?” perguntou Mantega. A
despeito do que dizem os representantes da presidenta Dilma, o fato é
que, para evitar prejuízos nas urnas, o governo está adiando seu “pacote
de maldades”. Tão certos quanto a Copa do Mundo, os ajustes virão – e
seus efeitos serão imediatamente sentidos no bolso dos eleitores. Mais
do que isso: para melhorar suas contas, o governo planeja aumentar
impostos, informação que foi confirmada há alguns dias pelo próprio
ministro Mantega. ...
PREÇOS LIVRES?
Mantega, ministro da Fazenda: "Nós temos feito reajustes. O maior
exemplo é o preço da energia, que subiu 18%. Onde está o represamento?"
É fácil de entender a enrascada em que o governo se meteu. O aumento
dos preços administrados (aqueles que dependem da canetada do poder
público) provocaria uma pressão inflacionária. Uma opção para evitar o
processo seria elevar substancialmente a taxa de juros, mas uma medida
dessas tem potencial para afetar o crédito. Com o crédito caro, o
consumo despenca. A conclusão é óbvia: a economia, que já não dá sinais
de força, esfriaria ainda mais. Qual é o outro caminho para evitar tudo
isso? O governo sabe a resposta: represar preços. Por mais que o
ministro Mantega diga o contrário, isso tem sido feito de forma
sistemática. Em 2013, as tarifas administradas subiram 1,5% no Brasil,
uma ninharia perto da alta de 7,3% dos preços livres. Ao evitar o
reajuste da energia elétrica e do combustível, para citar os dois
exemplos mais gritantes, o governo tem conseguido manter o IPCA anual, o
índice inflacionário, abaixo do teto de 6,5%. Mas até quando isso será
possível?
No setor elétrico, o aumento dos custos das concessionárias tem sido
bancado pelo Tesouro, e o reajuste das tarifas pagas pelos consumidores
foi adiado para o ano que vem. Essa conta, portanto, vai estourar, quer o
governo queira ou não. “Postergar as cobranças tira a previsibilidade
da economia”, diz Celso Grisi, professor da Faculdade de Economia e
Administração da USP. “O melhor é sempre assumir a realidade, ainda que
essa seja uma decisão dura no período eleitoral.” Um caso clássico da
timidez do governo em ajustar tarifas é o da Petrobras. Apesar da alta
dos preços internacionais do petróleo, o valor cobrado pelo combustível
nos postos de gasolina se mantém intacto. O resultado são perdas
financeiras escancaradas no balanço da empresa. Na semana passada, a
presidenta da Petrobras, Graça Foster, defendeu o aumento de
combustíveis, mas “a médio e longo prazo”. Resta saber se médio e longo
prazo significa para depois das eleições de outubro. O mesmo dilema
preocupa governadores e prefeitos, responsáveis pelos preços das
passagens do transporte público. No ano passado, o reajuste do bilhete
de ônibus foi o gatilho para uma onda de manifestações em diversas
cidades.
PREÇOS CONTROLADOS?
Mercadante, ministro da Casa Civil:
"Você administra preços em função do interesse estratégico da economia"
O pacote de maldades também deverá significar o aumento de impostos.
Para garantir a meta de superávit primário de 1,9% do PIB, é preciso
tirar dinheiro de algum lugar. Como o cobertor é curto, a saída óbvia é
aumentar a carga tributária. Em entrevista recente ao jornal “O Globo”, o
ministro Mantega admitiu a hipótese de elevar a mordida fiscal. “Temos a
previsão de aumentar alguns tributos”, disse o titular da Fazenda. “O
que poderíamos fazer é alterar a tributação sobre bens de consumo.” O
Brasil já é um dos campeões mundiais em impostos. A carga tributária
nacional equivale a 36,3% do PIB, mais do que em países onde há farta
oferta de serviços públicos de qualidade, como Espanha, Suíça e Canadá.
Não é difícil imaginar o impacto negativo nas urnas do anúncio de mais
tributos. Será que o governo está mesmo disposto a correr esse risco?
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters, Marcelo Camargo/ABR
Fonte: LUISA PURCHIO - revista Istoé - 19/05/2014 - - 08:54:53 BLOG do SOMBRA
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