31 de maio de 2014
A Polícia Federal rastreou um episódio emblemático no âmbito da Operação Ararath e descobriu como uma cadeira de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso custou R$ 4 milhões. Segundo a PF, o ex-deputado estadual Alencar Soares Filho chegou à Corte de contas de Mato Grosso pela via da propina. Ele teria sido contemplado com R$ 4 milhões para, depois de 5 anos, deixar o cargo e ser substituído por um aliado do então governador de Mato Grosso Blairo Maggi (PR), hoje senador.
A Operação Ararath, dividida em cinco etapas, é uma polêmica
investigação da Polícia Federal que desmontou organização criminosa para
prática de lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos e
financiamento ilícito de campanhas eleitorais.
A PF mostra que o acordo previa que a cadeira de Alencar passaria a
ser ocupada pelo deputado estadual Sérgio Ricardo, da mesma agremiação
política de Blairo, o que acabou ocorrendo de fato. Blairo foi
governador de Mato Grosso duas vezes consecutivas, no período 2003/2010.
Depoimentos e documentos apreendidos pela Ararath permitiram à PF
rastrear o negócio. Alencar Soares, então deputado, chegou ao TCE/MT em
2006, por indicação da Assembleia Legislativa. Entre 2008 e 2011 ele
acumulou a função de ouvidor geral do tribunal. Aposentou-se em maio de
2012, quando Sérgio Ricardo foi indicado. O episódio merece capítulo à
parte na Ararath. A PF suspeita que Alencar “vendeu” a vaga no TCE/MT
para Sérgio Ricardo.
Há duas semanas, quando deflagrou a quinta etapa da Operação
Ararath, a PF localizou uma planilha de pagamentos que inclui Alencar
Soares e, ao lado de seu nome, a cifra R$ 4 milhões.
Os investigadores tomaram o depoimento do empresário Gércio
Marcelino Mendonça Junior, controlador da Amazônia Petróleo,
supostamente usada para operar um “banco clandestino” da organização.
Mendonça tornou-se o delator do esquema.
Ele aponta o envolvimento do ex-secretário da Fazenda de Blairo
Maggi na liberação do dinheiro para o ex-conselheiro do TCE/MT. Éder de
Moraes, o ex-titular da Fazenda de Blairo, foi preso por ordem da
Justiça Federal.
A PF fez buscas na residência e no escritório de Éder de Moraes e
também no gabinete do conselheiro Sérgio Ricardo. A PF suspeita que a
trama consistia numa operação “casada”, um acordo político por meio do
qual Alencar se comprometeu a ceder, em 5 anos, a cadeira de conselheiro
para Sérgio Ricardo mediante aquele valor. Ainda segundo a linha de
investigação da Ararath, o ex-conselheiro devolveria o dinheiro quando
cessada sua passagem pelo TCE.
Mas Alencar teria gasto a quantia que recebera para “guardar” a
vaga para o aliado de Blairo. Por isso, tomou empréstimo de Gércio
Mendonça para quitar a dívida com seu sucessor na Corte de contas.
Em relatório, a PF é categórica. “Outra pessoa envolvida no esquema
é Alencar Soares Filho, então conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado de Mato Grosso, o qual recebeu vantagem pecuniária indevida das
mãos de Gércio Marcelino Mendonça Junior, a pedido e na presença de Éder
de Moraes Dias, que, por sua vez, agia no interesse e a mando de Blairo
Borges Maggi.”
A PF sustenta que “a vantagem pecuniária recebida, que totalizou
R$ 4 milhões, serviria para que Alencar Soares pudesse devolver a Sérgio
Ricardo os valores anteriormente pagos por este e tinha como finalidade
última a permanência de Alencar na cadeira de conselheiro, no interesse
do então governador do Estado Blairo Maggi”. A PF suspeita que Blairo
prometeu e posteriormente cumpriu a promessa de dar a Alencar, por
intermédio de Éder de Moraes, recursos para serem devolvidos a Sérgio
Ricardo, “viabilizando sua permanência no cargo de conselheiro”.
A propina para Alencar teria sido parcelada, primeiro R$ 1,5
milhão, depois um cheque de R$ 2,5 milhões. Amparado na investigação da
PF, o Ministério Público Federal destaca. “Gércio Mendonça afirmou que
soube do contexto da venda da vaga no Tribunal de Contas de Mato Grosso
no gabinete do conselheiro Alencar Soares, tendo na oportunidade
entregue cheque de R$ 2,5 milhões.”
Segundo Mendonça, o então chefe da Pasta teria dito a ele: “Estamos
precisando resolver um assunto de dois milhões e meio, que Blairo Maggi
determinou que resolvesse.”
A PF juntou aos autos o depoimento de Gércio Mendonça. Ele
declarou: “Que o depoente compareceu à Secretaria de Estado da Fazenda
com o cheque já emitido no bolso de sua camisa, já que não anda com
talonário de cheque, vez que cumpriu solicitação de Éder de Moraes para
que emitisse um cheque no valor indicado, da Amazônia Petróleo, corno
emitente e nominal; Que Éder de Moraes levou o depoente, em uma
caminhonete Hilux preta, até o gabinete do então conselheiro do TCE/MT,
Alencar Soares; que entraram pela garagem do subsolo e foram direto ao
segundo andar; que, ao chegar no gabinete de Alencar Soares, Éder de
Moraes teria dito ‘vim honrar um compromisso do governador Blairo
Maggi’.”
Defesa.A assessoria de imprensa do Tribunal de
Contas do Estado de Mato Grosso informou que o conselheiro Sérgio
Ricardo não vai se manifestar porque não se considera investigado pela
Operação Ararath ou, muito menos, formalmente acusado. Para Sérgio
Ricardo, as buscas em seu gabinete fazem parte de procedimentos normais
da PF em consequência da delação premiada do empresário Gércio Mendonça.
O conselheiro de contas tem dito a interlocutores que está
“tranquilo” e convencido de que “nada será provado contra ele” porque
houve um acordo político para que assumisse a cadeira no TCE após 5 anos
de permanência de Alencar Soares no posto. Por meio de sua assessoria, o
senador Blairo Maggi (PR-MT) negou qualquer relação com o episódio e
informou que jamais interferiu na nomeação de conselheiros para o
Tribunal de Contas do Estado “tendo sempre nomeado os indicados pela
Assembleia Legislativa de Mato Grosso”.
Alencar Soares, ex-conselheiro do TCE/MT, não foi localizado.
Atualmente ele é filiado ao PSD, mesmo partido do deputado José Geraldo
Riva, também alvo da Operação Ararath. Riva, inúmeras vezes réu por
improbidade administrativa, chegou a ser preso pela Polícia Federal, há
duas semanas. Depois, foi colocado em liberdade.
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