Enviado por Ricardo Noblat -
31.01.2014
15h00m
Política
Rogério Furquim Werneck, O Globo
A presença
da presidente no Fórum Econômico Mundial, em Davos, causou irritação em
segmentos mais empedernidos do PT. Foi vista como evidência de suposta
disposição do governo de “beijar a cruz” e convencer o mercado
financeiro de que abandonou a “aventura desenvolvimentista”.
Quem
dera. Seria muito bom se fosse verdade. Mas podem ficar descansados os
zelosos guardiães do ideário petista. Nos pronunciamentos da presidente
em Davos, não há nada que permita concluir que o governo tenha resolvido
desembarcar da “aventura desenvolvimentista”.
Para dirimir
dúvidas, nada melhor que a declaração peremptória do ministro da Fazenda
sobre a “nova matriz econômica”, feita na entrevista concedida ao
“Estado de S. Paulo”, lá mesmo, em Davos, na semana passada. “Não
concordo de jeito nenhum com a ideia de que a nova matriz tenha
fracassado.”
É bem verdade que, para atender a demanda quase
desesperada por otimismo que viceja no setor privado, certos analistas,
às custas de notável contorcionismo poliânico, têm dado alento à
história de que nem Guido Mantega nem Arno Augustin serão mantidos em
seus cargos, caso a presidente seja reeleita.
E de que o abandono
da “aventura desenvolvimentista” será comandado por Nelson Barbosa,
ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, que,
afastado do governo no ano passado, retornaria como ministro no segundo
mandato.
Quem está tentado a acreditar nessa história deve ler com
cuidado o artigo coautorado, de 42 páginas, que Nelson Barbosa publicou
no ano de 2010, sob o título “A inflexão do governo Lula: política
econômica, crescimento e distribuição de renda”, disponível na internet,
por exemplo, em <http://migre.me/hEprG>.
Escrito em meio à
euforia de 2010, com a economia crescendo a 7,5% ao ano, o artigo, em
tom triunfalista, apresenta relato quase épico dos grandes feitos que
vinham sendo logrados pela “opção desenvolvimentista”, desde o embate
decisivo de 2005, entre Dilma Rousseff e Antonio Palocci, que teria
marcado a derrota da “visão neoliberal” no governo Lula, com o abandono
da proposta de ajuste fiscal de longo prazo.
Tal derrota teria
permitido que prevalecesse a ideia de que “somente com a aceleração do
crescimento, a economia poderia iniciar um círculo virtuoso no qual o
aumento da demanda agregada geraria aumento nos lucros e na
produtividade, o que por sua vez, produziria um aumento no investimento
e, dessa forma, criaria a capacidade produtiva necessária para sustentar
a expansão”.
Para dar início ao círculo virtuoso, “seria
necessário adotar medidas monetárias e fiscais de estímulo ao
crescimento”. Bem diferente da visão neoliberal, “que respeitava com
temor quase religioso a suposta barreira estimada para o produto
potencial, a visão desenvolvimentista procurou testar na prática a
existência de tais limites, de forma a ultrapassá-los”.
A
avaliação da experiência desenvolvimentista, em tom autocongratulatório,
é particularmente impressionante. “A opção estratégica fundamental em
apostar no crescimento, ao invés de radicalizar a incerta proposta de
ajuste fiscal contracionista, baseada nos cânones neoliberais, terminou
sendo validada com base em resultados imediatos”.
O artigo termina
com uma louvação ao voluntarismo. “É também fundamental reconhecer o
papel dos governos de ‘testar os limites’, ou seja, prospectar as
maneiras pelas quais o avanço pode ocorrer, sem se fazer refém de
axiomas e modelos que negam, de antemão, a possibilidade de políticas
macroeconômicas que integrem inclusão e desenvolvimento.” E, afinal,
conclui que o país teria revelado “grande capacidade de escapar das
limitações autoimpostas”.
Passados quatro anos, e estando a
economia como está, o artigo tornou-se imperdível. Especialmente para
quem, agora, se vê diante do desafio de, sem se deixar levar pelo
autoengano, vislumbrar cenários prováveis para 2015.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
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