31/01/2014 às 14:25 \ Opinião
‘Além de bacalhau & vinho’, por Sandro Vaia
Publicado no Blog do Noblat
SANDRO VAIA
Então ficamos assim: a presidente come o que quiser, no restaurante que quiser, porque ela paga a conta. E pronto.
A comitiva dela pode sair da Suíça e ir para Cuba com uma ligeira
paradinha em Lisboa porque o avião não tem autonomia de voo e precisava
abastecer.
Enquanto o avião abastece e a comitiva presidencial tem todo direito
de alugar as suítes que quiser, no hotel que quiser, pagar as diárias
que quiser.
Enfim, a comitiva presidencial tem o direito de fazer o que quiser,
inclusive o de mentir e de dizer que a escala foi improvisada, embora o
governo português jure que tinha sido informado dois dias antes.
A oposição, como não podia deixar de ser, fez praça de mais essa
vistosa aventura governamental, e encaminhou um pedido à Procuradoria
Geral da República para que a escala fosse investigada.
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República não se sente
habilitada a investigar essa tal de escala secreta ─ tão secreta que até
as fotos do chef do restaurante lisboeta com a presidente foram
publicadas em todos os jornais ─ e daqui a alguns dias ninguém lembra
mais de nada.
No Brasil há uma extraordinária vocação para magnificar a banalidade
ao mesmo tempo em que se banaliza aquilo que talvez devesse se
magnificar.
Enquanto se discute se a escala foi secreta ou não, se a presidente
pagou ou não pagou a conta do restaurante, se as diárias do hotel foram
ou não abusivas, a presidente chegou tranquilamente a Cuba, entregou o
porto novo financiado com dinheiro brasileiro, e posou para fotos
carinhosas com o vovô ditador aposentado mais longevo do planeta.
Já que se trata, aparentemente, de exigir um pouco mais de
transparência, talvez fosse mais útil, em vez de pedir à PGR que
investigue a escala do avião, o menu do restaurante, as diárias do hotel
e quem pagou a conta, que a oposição conseguisse explicações claras
sobre as condições de financiamento do porto de Mariel, sobre o projeto
da Zona Especial de Comércio que o governo cubano pretende implantar lá,
e quais vantagens o Brasil pretende tirar disso.
O governo poderia aproveitar também para deixar claro porque o
dinheiro que está sendo gasto lá não é o mesmo que faz falta na melhoria
da nossa infraestrutura portuária, rodoviária e aeroviária. Se não é
falta de dinheiro, é falta do que? De vontade? De competência?
E já que se trata de deixar as coisas claras, porque não aproveitar
para pedir explicações também sobre os detalhes do contrato de prestação
de serviços que o Brasil assinou com Cuba para a importação da mão de
obra de médicos, e se as leis trabalhistas do país estão ou não sendo
desrespeitadas por ele.
Enfim, saber que Dilma paga as suas próprias contas no restaurante
pode ser muito tranquilizador, mas as preocupações da oposição e do país
deveriam ir muito além da conta do bacalhau e do vinho.
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