Texto de Denis Rosenfield, no Estadão, analisa a questão da tolerância no mundo contemporâneo, onde o "bem" passa a ser imposto:
Os costumes alteram-se e com eles, certas
noções corriqueiras do bem e do mal, do vício e da virtude.
Comportamentos que eram considerados "maus" tornam-se socialmente
aceitos, enquanto outros que eram admitidos não são mais compartilhados.
Processos desse tipo são inerentes ao desenvolvimento das sociedades.
Daí não se segue, porém, que o "novo" seja melhor que o "velho" ou que
haja necessariamente "progresso" nessas mutações. Devemos ter o maior
cuidado em não identificar o último na ordem do tempo com o melhor para o
conjunto da sociedade.
O Brasil vive um momento particularmente interessante de sua
História, numa espécie de frenesi pelo novo que ganha contornos de uma
realização do "bem". A predominância do politicamente correto funciona
como um tipo de parâmetro que deveria ser universalmente válido, como se
as pessoas não fossem mais capazes de fazer por conta própria o que
consideram o melhor para si ou para a sociedade no seu conjunto. Impera a
emulação, a repetição do que vem a ser tido por socialmente aceitável.
Dentre essas transformações dos costumes têm ganho especial
relevância em certos formadores de opinião diferentes pressões para a
legalização da maconha, como se tal medida fosse capaz de reduzir seu
mercado ilegal. Mais que isso, começam a surgir argumentos sobre seus
supostos benefícios para a saúde, segundo hipotéticos estudos
científicos. Aliás, torna-se uma prática corrente nos meios
jornalísticos considerar uma mera hipótese de trabalho como verdade
definitiva. Ato seguinte, os defensores políticos dessas ideias passam a
propagar tal "verdade" como se "científica" fosse. Trata-se, de fato,
de uma empulhação.
Exemplos começam a se multiplicar. O Uruguai passou a ser considerado
um país "progressista" por ter legalizado o consumo da maconha, abrindo
as portas para que seu comércio se torne legal. Nesse sentido, esse
país representaria o "progresso", enquanto seus adversários seriam a
concretização do "atraso". O respaldo é ainda reforçado por modificações
legislativas em alguns Estados americanos, como se estivéssemos diante
de algo inexorável.
Inexorável talvez seja a tendência hoje vigente de considerar
qualquer mudança nos costumes como a encarnação do bem. A questão que se
coloca é se uma maior tolerância ao consumo de drogas como a maconha
deva traduzir-se por sua liberação. Uma coisa consiste em a sociedade
aceitar certos comportamentos como nocivos, sem se preocupar demasiado
em coibi-los, uma vez que toda sociedade deveria ser capaz de conviver
com a diferença e mesmo com comportamentos desviantes em relação aos
padrões usualmente aceitos. Uma repressão muito forte pode dar ensejo a
formas violentas de reação. Já a tolerância indiscriminada pode levar à
contaminação de toda a sociedade.
Os extremos devem ser evitados. Já dizia Aristóteles que a virtude está no termo médio.
Acontece que esse tipo de acolhimento do "novo" e da "diferença" é
fortemente contrastado com a condenação de outros comportamentos, como
os do consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas. É deveras curioso. Os
que defendem o consumo da maconha agora começam a apregoar que ela é
menos nociva que o do tabaco e do álcool. Logo, ela deveria ser bem mais
favorecida!
Observem o paradoxo. A maconha deveria ter seu consumo legalizado -
aí, portanto, incluindo sua produção e seu comércio. Deveriam os
produtores e comerciantes pagar impostos, o que, na visão de seus
defensores, iria reduzir, se não eliminar, o tráfico de drogas - ao
menos dessa droga. A tolerância seria implementada, ainda conforme os
mesmos defensores, com o reconhecimento da "diferença".
Contudo a mesma ideia de tolerância não é aplicada ao tabaco e ao
álcool, cada vez mais tidos por um problema comportamental e de saúde
pública que deveria ser equacionado. E equacionado por meio de campanhas
que só se têm intensificado, aumentando, inclusive, sua tributação.
Caso particularmente paradigmático é o do tabaco. O consumo e a
produção - esta envolve 160 milhões de agricultores familiares - estão
sendo desestimulados mediante políticas frequentemente coercitivas. É
como se o comportamento saudável devesse ser imposto pelo Estado,
restando aos indivíduos apenas a obediência e a tutela, como se fossem
incapazes de decidir por si mesmos. Qual é o problema de uma pessoa que
gosta de fumar e beber? Não é a livre escolha uma opção sua? Será que as
pessoas necessitam de controladores de consciência?
O contraste é ainda mais acentuado quando se procura legalizar a
maconha, fazendo do seu consumo um negócio como outro qualquer, passando
o tráfico a mudar de natureza, tornando essa droga um produto
comercializável, enquanto se faz o processo inverso no que diz respeito
ao tabaco.
O tabaco passa a ser fortemente tributado, criando um mercado negro, o
do contrabando, que já representa 30% do mercado total. Empregos estão
sendo perdidos. O que antes era tido por tráfico passa a ser considerado
como "legal", enquanto o que era e é legal passa a ser objeto de
"contrabando", comércio ilegal que só favorece, na verdade, o Paraguai. O
consumo de álcool, a continuar essa tendência, seguirá pelo mesmo
caminho.
Tudo isso se deve a uma espécie de cruzada do politicamente correto.
Este toma o que considera "bom" ou "progressista" como algo que deve ser
simplesmente imposto aos que não querem seguir a nova forma de
"virtude".
Bernard de Mandeville, célebre libertário do século 17, naquele então
denominado libertino, já advertia contra os reformadores sociais, os
reformadores dos costumes, que, em nome da virtude, terminavam
produzindo formas de desestruturação econômica e social. A imposição do
bem pode produzir daninhas consequências. É a marcha da intolerância.
Um comentário:
No caso do cigarro eu acho que seu uso é proibido porque causa cancer e cancer onera os sistemas de saude. Como ainda não ficou provado que a maconha cause algum tipo de doença cujo tratamento seja muito caro o governo não vê sua liberação com tanta preocupação. em A cruzada do politicamente correto
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