Joaquim Barbosa, de corpo e alma.
Em longa
entrevista à TV, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, anuncia que não
será candidato a nada e, ao contrário do que dizem seus detratores
lulopetistas, sempre separou sua ação no tribunal da política. "No
Brasil", diz ele, "a vida pública é quase um apedrejamento." Pior,
existe aqui "um processo paulatino de erosão das instituições". Por
Merval Pereira:
A
primeira entrevista mais longa para a televisão do ministro Joaquim
Barbosa, presidente do Supremo tribunal Federal, dada ao jornalista
Roberto D'Ávila no seu programa de estreia na Globonews, é um depoimento
revelador de como pensa e age um dos principais atores da atual cena
pública brasileira. Ele não apenas anuncia formalmente que não será
candidato a nada nas eleições deste ano, como faz questão de separar sua
atuação da vida política, da qual diz preferir se manter alheio.
Ocupando um dos principais gabinetes na Praça dos Três Poderes, ele se
diz distante de "tudo o que se passa aqui (nessa Praça dos Três Poderes)
que tenha caráter político".
Retira
também do processo do mensalão, do qual foi relator e alvo das críticas
dos petistas, qualquer caráter político na sua atuação, mas reconhece
que ele trouxe "um desgaste muito grande, com uma carga política
exagerada, um pouco turbinada pela mídia também". Ressalta que, por
estratégia, tomou sempre as principais medidas ouvindo o plenário.
Certas
penas não foram muito pesadas?, pergunta o entrevistador, e Barbosa
rebate: "Ao contrário. Eu examino as penas aplicadas nesse processo e as
comparo com as penas aplicadas aqui no STF pelas turmas, só que em
casos de pessoas comuns, e (quem fizer a comparação) vai verificar que o
Supremo chancela em habeas-corpus coisas muito mais pesadas".
Ele não
atribui à transmissão pela TV das sessões um papel importante nas
atuações dos ministros, e fala de sua própria experiência: "A televisão
me incomodava muito nos primeiro meses, depois me acostumei e nem noto
que há televisão". Durante toda a entrevista o ministro procurou
colocar-se como uma pessoa diferente do que o pintam, tanto em relação à
sua carreira quanto ao seu comportamento na vida pública.
"No Brasil a vida pública é quase um apedrejamento. Acompanho
a vida institucional de alguns países e noto uma diferença fundamental.
Noto no Brasil um processo paulatino de erosão das instituições e esse
apedrejamento parece fazer parte disso. Exercer a função pública no
Brasil, na visão de muitos, tornou-se um anátema. As críticas são muito
acerbas e às vezes infundadas, fruto de incompreensão de como funciona o
Estado", comentou, denotando algum ressentimento.
A certa
altura, comentando a descrição que fazem dele como uma criança pobre que
teve que superar obstáculos para chegar onde chegou, Barbosa deixou
clara sua posição: "Ao contrário do que dizem de mim por aí, penso que
raras pessoas no Brasil, incluindo pobres e as vindas da elite, tiveram e
souberam aproveitar as oportunidades que eu tive.
Não sinto isso como superação, as coisas foram acontecendo".
Mesmo
assim, lamenta que "pouca gente olha o meu currículo, só vê a cor da
pele". Ele diz que o racismo, que, confessa, já o fez chorar quando
criança, "você sente sempre, mesmo quando ministro do STF". Citando
Joaquim Nabuco, que disse que o Brasil levará séculos para se livrar da
carga da escravidão, ele diz que seus traços "estão presentes nas coisas
mais comezinhas, na repartição dos papéis na sociedade, aos negros
posições mais baixas e salários menores".
Ele se
diz uma exceção, mas ressalta que jamais deixa que sua presença no STF
seja uma desculpa para o racismo brasileiro. Barbosa não acha que seja
uma missão sua combater o racismo, mas espera que sua presença possa
tirar a carga racial das escolhas para o Supremo. "Espero que os
presidentes (daqui para frente) saibam escolher bem pessoas para cá, que
escolham um negro com naturalidade".
O senhor
não é às vezes muito rude?, perguntou Roberto D'Ávila a certa altura, e
Barbosa foi incisivo: "Tem que ser, o Brasil é o país dos conchavos, do
tapinha nas costas, o país onde tudo se resolve na base da amizade. Eu
não suporto nada disso".
Ele
rejeita a acusação de que fica brabo quando é vencido, mas admite que
"às vezes" se arrepende de palavras mais duras, mas justifica: "Sou um
companheiro inseparável da verdade. Não suporto essa coisa do sujeito
ficar escolhendo palavrinhas para fazer algo inaceitável. E isso é da
nossa cultura. (O Globo).
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