segunda-feira, 24 de março de 2014

Estaria o GDF usando a ONU como “laranja”?

Política & Brasil


 



Esta semana a opinião pública foi surpreendida por uma notícia captada e divulgada pela conceituada agência inglesa de notícias Reuters. A agência, que se apresenta como mundialmente a maior agência internacional multimídia de notícias, distribuiu aos quatro cantos planeta a notícia, sob o título “Brasília pede ajuda da ONU para concluir estádio”, na sua versão em português. 

Na nota, amplamente utilizada pela imprensa tradicional e alternativa do Brasil, ela informa que o governo do Distrito Federal, com dificuldades para concluir o estádio Mané Garrincha, a tempo da abertura da Copa das Confederações, Brasília está pedindo ajuda a uma fonte surpreendente: a Organização das Nações Unidas (ONU).

Segundo a reportagem de Anthony Boadle, o GDF teria feito um convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Pnud, no valor de R$ 35 milhões, para que o órgão da ONU contratasse serviços e itens como barracas, geradores e câmeras de segurança para o estádio.

A primeira reação da imprensa e de muitos usuários das redes sociais foi no sentido de que o episódio demonstraria cabalmente que as obras do estádio estão fora do cronograma. Entretanto, o significado deste convênio ou convênios é muito mais profundo, e coloca em xeque a licitude das iniciativas da administração Agnelo na execução do Mané Garrincha.

O governo Agnelo Queiroz não reconhece atraso nas obras do estádio, apesar de estarem faltando – na data que escrevo este artigo – apenas 30 dias, segundo o cronograma oficial. A inauguração do Mané Garrincha está prevista para o dia 21 de abril. Segundo informes da imprensa, estariam falando ainda 16% dos serviços, nos quais se insere a totalidade do gramado.

A pressão para que não haja atraso nos serviços tem provocado, inclusive, reação dos trabalhadores. Recentemente, os operários responsáveis pela instalação de vidros paralisaram seus serviços em protesto contra as jornadas extenuantes, de até 14 horas diárias e sem a devida remuneração, segundo relato das lideranças do movimento.

Também a agência de notícias não acredita que as obras estejam em dia. ‘”Com o curto cronograma e a necessidade de focar na conclusão do estádio, o governo do Distrito Federal não conseguiu fazer a compra a tempo por meio de licitação pública”, disse Arnaud Peral, representante-adjunto do Programa da ONU para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil’ – informou a Reuters.

A motivação de pedir socorro ao Pnud estaria, pois, depositada na condição jurídica do organismo internacional que não está sob o julgo das leis brasileiras que exigem licitação pública para a aquisição de equipamentos e contratação de serviços. Já prevendo dificuldades operacionais, o governo federal fez aprovar a medida provisória 527/11 que prevê a flexibilização da Lei das Licitações nº 8.666 para obras da Copa 2014 e da Olimpíada 2016. O novo marco jurídico estabelece o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC para licitações destinadas a obras e serviços relacionados à Copa das Confederações (2013), à Copa do Mundo (2014) e aos Jogos Olímpicos (2016).

Apesar da lei mais simples, Agnelo não foi competente suficiente para planejar a realização das licitações que seriam necessárias e agora se vê premido contra o tempo. Além disso, o Tribunal de Contas do Distrito Federal tem impugnado sucessivamente os editais de licitação elaborados pelo GDF por considerá-los inadequados.

No passado, manobras jurídicas como esta eram muito usadas tendo como conveniados fundações, institutos e Ongs. Mas a Justiça e as autoridades responsáveis pela fiscalização da gestão de recursos públicos combateram esta prática e muitos governantes foram condenados a repor aos cofres públicos os dinheiros usados via estas terceirizações. Em Brasília, há um processo iconográfico que se refere ao convênio entre o Instituto Candango de Solidariedade, que foi durante muitos anos um braço do GDF para contratar mão-de-obra e serviços sem licitação.

O arranjo jurídico atual com este organismo internacional, segundo especialistas em contas públicas, colocaria o Pnud numa triste situação de “laranja” do Governo do Distrito Federal. É sempre bom ter em mente que a missão do Pnud no Brasil, segundo o próprio organismo, é a de “contribuir para o combate à pobreza e à desigualdade, o fortalecimento da governança democrática, o crescimento econômico e o desenvolvimento humano e sustentável”. Não consta, portanto, em nenhum momento, as tarefas de locação, intermediação de equipamentos e serviços.

Mesmo que legalmente o arranjo jurídico possa estar coberto juridicamente, moralmente é inaceitável, pois como dito antes, ele busca unicamente contornar exigências da moralidade na gestão dos recursos públicos, exigências que o Congresso Nacional já havia flexibilizado.

O pior de tudo é que, segundo o porta-voz da entidade em Nova York, Boaz Paldi, os R$ 35 milhões podem não ser suficientes para toda a demanda do GDF e um reforço de caixa, com mais verbas oriundas do governo do Distrito Federal, se faça necessário.

Outro Lado

Em nota oficial, o GDF nega irregularidades e afirma que:

- está em processo de assinatura de dois convênios com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para o fornecimento de estruturas temporárias pedidas pela FIFA a todas as cidades-sede. Elas ficarão ao redor do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha durante a Copa das Confederações, em junho de 2013, e a Copa do Mundo, em 2014. O valor total do contrato, que engloba os eventos de 2013 e de 2014, é de R$ 34 milhões.

Ainda segundo a nota, “as estruturas temporárias serão usadas, por exemplo, para a recepção de convidados e suporte à cobertura pela imprensa. O convênio garantirá ainda equipamentos essenciais aos eventos, como o fornecimento de geradores e mobiliário provisório.”

Mesmo em se tratando de estruturas provisórias, são questionáveis a necessidade de tais equipamentos e a forma de sua contratação. É de se estranhar que um estádio especialmente projetado para sediar dois campeonatos mundiais e que almeja estar entre os melhores e maiores do Brasil, não tenha previsto em suas instalações “estruturas para a recepção de convidados e suporte à cobertura pela imprensa”. Pelo visto, o novo Mané Garrincha vai se valer de um antigo DNA candango que são os puxadinhos irregulares.

Poder-se-ia dizer que a FIFA exigiu tais equipamentos de última hora – o que já seria estranho, pois há um caderno de exigências, conhecido há mais de quatro anos. Entretanto, os equipamentos e serviços que estão sendo contratados via Pnud, também serão usados em 2014, o que daria muito tempo para o GDF fazer as licitações que se façam necessárias.

Todo o arranjo entre o órgão das Nações Unidas e o GDF estaria a demonstrar claramente a posição de “laranja” do primeiro conveniado, com o intuito de burlar as leis brasileiras e sabe se até, se tal prática não poderá resultar em benefícios a apadrinhados. Não se sabe também se isto representará economia aos cofres públicos, nem quanto o Pnud irá cobrar de pedágio para ser laranja do GDF. E quem irá fiscalizar? O Tribunal de Contas do Distrito Federal e o Tribunal de Contas da União não possuem competência sobre as Nações Unidas.

Por Chico Sant' Anna


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