quarta-feira, 30 de abril de 2014

Jovem envolvido no assassinato do índio Galdino quer ser policial.Me pergunto por que?


O rapaz que cumpriu medida socioeducativa pelo assassinato do índio em uma parada de ônibus da 703 Sul, em 20 abril de 1997, está na última fase de seleção para agente da Polícia Civil do Distrito Federal. Situação provoca controvérsia entre juristas


 


Imagem da época mostra dois acusados, Tomas de Almeida (esq.) e Antônio Novely (dir.), chegando para julgamento

Um dos envolvidos no assassinato do índio Galdino, que chocou o país na década de 1990, acaba de ser aprovado na última fase do concurso público para a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). O nome dele aparece na lista do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), publicada em 16 de abril. 

O resultado definitivo, com a análise de conduta social e outros questionamentos, deve ser divulgado na próxima semana. Na época em que Galdino foi queimado em uma parada de ônibus da 703 Sul por cinco jovens de classe média, Gutemberg  Nardes A.J. tinha 17 anos e respondeu pelo ato infracional análogo ao crime de homicídio. Especialistas ouvidos pelo Correio divergem quanto à possibilidade de ele atuar como agente de polícia.

 

A promotora de Justiça aposentada Maria José Miranda esteve à frente da acusação durante a maior parte do processo — só não participou do júri de quatro dos cinco jovens por questões pessoais. Ela considera inadequada a aprovação de G.N.A.J. para os quadros da PCDF. “Não é certo isso. No meu entender, à época, o rapaz ficou impune, pois só cumpriu alguns meses de medida socioeducativa, e isso não foi proporcional à gravidade do crime cometido por ele e os demais. E ele já era uma pessoa que tinha pleno conhecimento do que fazia”, disse. 


Para Maria José, Gutemberg teria dificuldades em se tornar policial. “Ele teria problemas tanto com os colegas quanto com os criminosos. Que moral teria para cumprir a lei se ele mesmo não cumpriu a pena por um ato criminoso praticado? Na minha opinião, legalmente, ele até tem direito de ser policial, mas, moralmente, não”, acrescentou.

 

Professora de direito penal e constitucional da Universidade Católica de Brasília, Soraia da Rosa Mendes é favorável a que ele tome posse. Ela lembra que qualquer legislação minimamente garantista e moderna assegura a quem cumpriu pena o direito de não passar o resto da vida sendo responsabilizado por um erro pelo qual foi punido. “Pode ser que esse rapaz atue na polícia e construa uma carreira de glória”, compara.

 


Entendimento

 
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), já existe o entendimento de que os editais de concursos públicos podem exigir a avaliação de conduta social como requisito essencial para aprovação do candidato. Pela Corte, a investigação não se resume a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que porventura tenha praticado. Mas deve também avaliar a conduta moral e social, visando aferir o comportamento frente aos deveres e às proibições impostos ao ocupante de cargo público da carreira policial.

Apesar de terem cometido o homicídio triplamente qualificado e condenados a 14 anos de prisão em 2001, os quatro acusados à época maiores Max Rogério Alves, Antônio Novely Vilanova, Tomás Oliveira de Almeida, Eron Chaves de Oliveira —, além de G.N.A.J., não têm fichas criminais hoje. Pela lei, o crime praticado só é resgatado caso a pessoa condenada cometa nova infração penal. Por isso, os cinco conseguem apresentar declarações de nada consta sem a informação de terem ateado fogo em Galdino, em 20 de abril de 1997.

Eron trabalha no Detran
. Ele foi aprovado no último concurso para agente. Na época, o promotor Maurício Miranda, que atuou no júri do caso de Galdino, disse que as pessoas devem recomeçar a vida, sem discriminação. Procurado ontem, ele preferiu não se pronunciar sobre a nova polêmica.

Memória

 
Brutalidade no Plano


 
Na madrugada de 20 de abril de 1997, cinco jovens de classe média alta atearam fogo ao corpo do índio Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, que dormia na parada de ônibus da 703 Sul. A vítima era da etnia Pataxó Hã Hã Hãe, do sul da Bahia, e estava em Brasília para participar das comemorações do Dia do Índio, festejado no dia anterior ao crime. Galdino não resistiu aos ferimentos e morreu cerca de 20 horas depois de dar entrada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) com dificuldades respiratórias e problemas renais (foto).

Uma semana depois da brutalidade, o local onde o índio foi incendiado vivo foi batizado de Praça do Compromisso e, mais tarde, de Praça do Índio. Em 3 de junho do mesmo ano, um ato de protesto marcou a inauguração da obra do artista plástico goiano Siron Franco, que criou o Monumento Galdino — com uma tonelada e 2,2m de altura. A peça foi produzida com base no desenho feito pela perícia policial do corpo do indígena. O monumento fica a 50m do ponto de ônibus onde os jovens atearam fogo ao indígena.


Para saber mais



Polêmica parecida


 
Outro envolvido no assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, se tornou servidor público no ano passado. Eron Chaves Oliveira foi aprovado, em 2012, em concurso para assumir o cargo de agente de trânsito do Departamento de Trânsito (Detran). 



O nome dele apareceu em uma lista de 27 pessoas que se declararam deficientes, conforme publicação no Diário Oficial do Distrito Federal. Para concorrer à vaga, Eron e os demais candidatos tiveram de apresentar um laudo médico emitido até 12 meses antes do último dia da inscrição, além de um formulário com o nome da doença, a provável causa, e a espécie e o grau ou nível da deficiência.


Ponto crítico
 

Existe algum impedimento para alguém envolvido em assassinato assumir uma vaga na Polícia Civil?
 

NÃO

» Chico Leite
 


Não existem, entre nós, penas perpétuas. Se a conduta social demonstrada quando menor de idade revela inaptidão para a posição de policial civil, que se fizesse uma nova avaliação para não cometer a injustiça de julgar uma pessoa no presente apenas pelo seu passado. Nesse sentido, seria feita uma verificação atual da compatibilidade entre a personalidade e o exercício do cargo, eis que já se passaram 17 anos desse caso. Se nós não formos capazes de acreditar na possibilidade de resgate do ser humano para a vida em sociedade, é melhor decretar a morte física, o que seria um absurdo, porque a pena perpétua é uma morte moral. Veja os casos dos fichas sujas na política. A lei impede o exercício de cargo público por oito anos, mas um ficha suja ‘mata’, na verdade, uma geração inteira (de eleitores dele).

 

Procurador de Justiça licenciado e deputado distrital


SIM

» Max Kolbe
Como eu vou colocar uma pessoa para investigar um crime, um agente da polícia, que já ateou fogo em outra pessoa? É um absurdo. Juridicamente, por causa da legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é branda em relação aos crimes cometidos por menores infratores, ele (Gutemberg ) tem a ficha limpa.  




De acordo com o artigo 143, em sua ficha não pode constar nada que reporte ao crime que ele cometeu enquanto menor. Então, legalmente, poderia ser considerado apto para o exercício do cargo, mas, na vida prática, não funciona assim. Diante das responsabilidades da função, a análise da vida pregressa e da idoneidade moral do indivíduo é fundamental em concursos públicos. No caso de G ... ele foi aprovado nas duas, pois nada consta em sua ficha criminal. No entanto, na minha opinião, ele não tem idoneidade moral para ocupar o cargo de agente.

 


Advogado e membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF e especialista em concursos públicos

 


MEMÓRIA     


Assassinos do índio Galdino tiveram tratamento diferenciado, diz promotora
 

 
 
Jovens de classe média que atearam fogo no índio em 1997 tinham várias regalias Eles tinham poder onde precisavam ter. 
 
 
 
É o resumo que a promotora que cuidou do caso do índio Galdino, Maria José Miranda Pereira, faz do processo. Há 15 anos, cinco jovens de classe média colocaram fogo no pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, bairro nobre de Brasília. Ele morreu em consequência do crime bárbaro. Com trânsito no Judiciário e dinheiro para contratar os melhores advogados, os jovens assassinos tiveram benefícios e regalias que outros presos não possuem e ficaram atrás das grades pouco mais da metade do tempo a que foram condenados. 
 
 
Dos cinco envolvidos no crime, um deles era menor de idade na época e foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. Gutemberg Nardes A.J ficou internado por três meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão.  Os outros quatro — Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova — foram condenados pelo júri popular por homicídio doloso (com intenção de matar), crime hediondo com qualificadores por ter sido um crime por motivo fútil, com crueldade extrema (uso de fogo) e sem chance de defesa para a vítima. 

 
 
Regalias
 
 
Os jovens que atearam fogo no homem dormindo tiveram tratamento diferenciado antes e depois do julgamento, segundo a promotora. Foram presos no mesmo dia do crime e, encaminhados para a prisão, ficaram em uma cela especial.  A promotora conta que foi desabilitada uma biblioteca na prisão para acolher os quatro, "já que corriam risco de vida" por serem filhos de juízes. [O Antonio Novely Cardoso Vilanova é filho de desembargador.] 
 
 
 
 
No local, tinham chuveiro quente e vaso sanitário, coisa rara na penitenciária. Mesmo respondendo por crime hediondo, conseguiram antes do julgamento permissão para estudar e trabalhar.  — Os benefícios que eles tinham não era nem só pelo dinheiro. Claro que comparado às pessoas presas no Brasil, a maioria de classe muito baixa e presa por crimes pequenos, eles eram muito ricos. Mas eles tinham poder dentro do Judiciário. Tinham poder onde precisavam ter. 
 

 
 
No caso do menor, ele foi transferido para Recife para cumprir medidas socioeducativas. Lá, um juiz o encaminhou para cumprir pena no hospital de queimaduras da cidade. Assim, conviveria de perto com a dor que provocou no índio Galdino para se divertir. A punição durou pouco: a família e os advogados, revoltados com a "maldade" do juiz, trouxeram o infrator de volta para "refletir" em casa. 

 
 
Os advogados conseguiram atrasar o julgamento dos outros quatro jovens por cinco anos. Entraram com recurso em todas as instâncias possíveis e até no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Queriam que os jovens fossem julgados por lesão corporal seguida de morte e não homicídio triplamente qualificado. Além disso, tentaram impedir que os garotos fossem a júri popular.  O julgamento no Tribunal de Júri de Brasília durou cinco dias. Os jurados decidiram por cinco a dois que Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás eram culpados pelo crime classificado como hediondo. A juíza poderia escolher uma pena entre 12 e 30 anos. Os meninos foram condenados a 14 anos. 

 
 
Pena mínima 
 
 
Na opinião da especialista em Direito Penal Soraia da Rosa Mendes, pesquisadora da UnB
(Universidade de Brasília), vários critérios podem ter tornado essa pena tão pequena comparada ao crime, o que gera uma sensação de impunidade.   — O crime tem uma série de qualificadores que deveriam aumentar a pena e torná-la mais perto do máximo e não do mínimo, como foi. É uma condenação baixa para um crime de tamanha gravidade. 

 
 
Soraia acredita que, como os assassinos são filhos de classe média alta, com privilégios e chances de defesa maiores, a impunidade parece ainda maior.   — O sistema carcerário brasileiro é seletivo. Escolhe dentro do sistema quem são os que vão estar atrás das grades e os que não vão estar. E o critério, infelizmente, não é dado pelo crime cometido, mas pelas condições sociais e econômicas do réu. 

 
 
Mesmo condenados a 14 anos, os quatro jovens ficaram bem menos tempo atrás das grades. Como a lei, na época, dizia que com um sexto de pena em regime fechado os presos de bom comportamento e sem antecedentes criminais poderiam ir para um regime semiaberto, em 2002 os jovens já não viviam mais na prisão, apenas voltando lá para dormir.

 
 
Em 2004, oito anos depois de colocarem fogo no índio Galdino, estavam livres. Progrediram para o regime aberto e, como Brasília não possui colônias agrícolas e albergues, foram para suas casas. Deveriam voltar para dormir todos os dias e não viajar. No entanto, segundo a promotora, a Justiça concedeu vários benefícios e os assassinos do índio Galdino puderam fazer turismo enquanto cumpriam pena 

 
 
Na opinião de Maria José, a legislação brasileira favorece muito o criminoso por ser branda, uma das menores do mundo.   — Temos uma legislação que é pró bandido e, pior que a legislação, é a interpretação que se faz dela. 

 
 
A lei brasileira garante, por exemplo, que a cada três dias trabalhados, um dia seja diminuído na pena. O mesmo acontece com estudos. Com isso e outros benefícios, em 2009 a pena de Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás foi extinta. Hoje, eles aguardam a reabilitação, ou seja, que o crime seja extinto definitivamente da ficha criminal. Assim, eles não serão mais reconhecidos por serem os assassinos do índio Galdino.
 
 

 

Fonte: Correio Braziliense e R 7

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