É antigo o equívoco de quem quebra o termômetro para baixar
a febre. Pior do que não resolver, a atitude apenas contribui para que o doente
desconheça a gravidade da doença, impedindo a aplicação de remédio adequado
para curá-la. O Brasil acaba de escapar de semelhante equívoco, graças à
determinação de funcionários públicos, que demonstraram ainda haver
profissionalismo, dedicação e seriedade. Gente que coloca a honestidade
profissional acima de interesses partidários e não cede diante da tentação de
agradar aos poderosos de plantão.
Depois de conquistar o respeito da população e de estudiosos
das questões sociais e econômicas do país, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) vem fundando sua reputação na inabalável convicção de que
seu produto mais nobre tem nome: credibilidade. Não foi, portanto, sem motivo
que causou constrangedora repercussão, em todo o país, a determinação da
diretoria do órgão de suspender a publicação dos resultados trimestrais da mais
nova produção da casa, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua.
A decisão veio depois que os senadores Gleisi Hoffman (PT-PR),
ex-ministra da Casa Civil, e Armando Monteiro (PTB-PE), da base do governo,
questionaram a precisão de dados divulgados. Com esse trabalho, o IBGE pretende
substituir a tradicional Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que colhe dados em
apenas seis regiões metropolitanas, envolvendo cerca de 40 mil domicílios. A
Pnad Contínua cobre 3,5 mil municípios em todo o país, ouvindo moradores de
211,3 mil domicílios, para produzir um retrato sem dúvida mais completo e
próximo da realidade.
É possível que o mundo não desabasse sobre o IBGE se o
resultado da nova pesquisa não tivesse apontado realidade diferente da que vem
alimentando um dos trunfos do marketing oficial. Enquanto a PME mostrou uma
taxa média de desemprego de 5,4% em 2013, a Pnad Contínua cravou 7,1%. Os
senadores governistas argumentaram que poderia haver margens de erro entre os
dados dos estados, com potencial para gerar contestações na Justiça, tendo em
vista a nova lei que regula a repartição de verbas federais pelo Fundo de
Participação dos Estados (FPE).
A diretoria do IBGE aceitou a argumentação de que não
haveria tempo para adequar a pesquisa às exigências dessa lei e adiou a
divulgação trimestral dos dados para 2015, depois, portanto, das eleições
presidenciais. Inconformadas, duas diretoras do IBGE se demitiram, com a
solidariedade de colegas, que ameaçaram segui-las.
Por fim, os técnicos se ofereceram para trabalhar mais horas
por dia, para executar a adequação da pesquisa à lei no tempo exigido.
Derrubaram, assim, qualquer motivo para interromper a divulgação dos dados de
desemprego medidos com a profundidade da Pnad Contínua. A direção do órgão
recuou e, em 3 de junho, o país vai saber como ficou o desemprego no primeiro
trimestre. Venceu o bom senso e o Brasil ganhou a preservação de um trabalho
sério e indispensável, mantendo-o imune ao calendário eleitoral.
07 de maio de 2014
Editorial Correio Braziliense
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