06/05/2014
Por: José Maurício Conti
Assunto
que sempre está na ordem do dia, a questão da violência, e por
consequência da segurança pública, tem sido objeto de maior destaque
nas últimas semanas, em que se tem observado um — no mínimo aparente —
aumento da criminalidade. Crimes que tem chocado a população, greves de
policiais, situação prisional degradante em alguns estados e
sucateamento de órgãos de investigação: o noticiário foi farto nos
últimos dias em más notícias na área da segurança pública, e nos obrigam
a pensar mais sobre o assunto.
Trata-se de tema que
envolve inúmeros aspectos e áreas do conhecimento humano, e, portanto,
de grande complexidade não só na sua compreensão, mas também e
principalmente na busca das melhores soluções para resolver as inúmeras
e relevantes questões que ele suscita.
E como usualmente acontece pouco se aborda o aspecto que é, regra geral, o mais importante: o financeiro.
A segurança pública é
“dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, nas claras
palavras do artigo 144 da Constituição. Uma das mais importantes
atribuições de todo e qualquer Estado Democrático de Direito, pois não
há como se alcançá-lo e mantê-lo sem que se garanta a preservação da
ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, funções que
nossa Constituição lhe atribui. Função essencialmente de Estado e bem
público com características de indivisibilidade e não especificidade, a
segurança pública deve ser garantida diretamente pelo poder público, e
pouco se pode contar com a colaboração do setor privado e terceiro
setor.
Essas razões colaboram
para torná-la um serviço caro — muito caro. Os direitos têm custos,
como bem ressaltaram Stephen Holmes e Cass Sustein em sua clássica obra
(The cost of rights, 2000), e a segurança pública é um de seus exemplos mais evidentes.
A segurança pública,
se analisada de forma abrangente, constitui-se em um sistema bastante
complexo, pois, além de incluir os órgãos que a compõe mencionados no
artigo 144 da Constituição da República (polícias federais, civis,
militares e corpo de bombeiros), também envolvem o Poder Judiciário,
Ministério Público, Força Nacional, Guardas Municipais, assim como todo
o sistema de administração penitenciária.[1]
Poderes, órgãos e instituições, que, como se pode ver, pertencem aos
vários entes da federação. Um direito que não se consegue implementar
por uma ou poucas ações governamentais, mas por um conjunto de várias
políticas públicas que devem se coordenar e complementar para atingir
seu objetivo.
Um sistema que, como se
pode ver, precisa alcançar resultados mediante a coordenação de entes
federados e poderes independentes em todo o país. E, mesmo dentro de um
mesmo Poder de um ente da federação, exige a ação conjunta de órgãos
sob comandos diferentes. Veja-se, no âmbito do Poder Executivo Federal,
as várias polícias (comum, rodoviária, ferroviária), e nos Poderes
Executivos dos Estados, as polícias civil e militar.
Multiplicidade de
comandos, órgãos e orçamentos, cuja cooperação é fundamental para
atingir o objetivo maior de atender a necessidade pública de mais
segurança e menos violência.
Não é de se surpreender
que o financiamento deste serviço público fundamental seja caro,
complexo e difícil de ser planejado e gerenciado, o que só reforça a
necessidade de que sejam priorizados estes aspectos.
Tendo em vista que
todos os entes da federação participam na segurança pública, seus
custos se espalham pelos inúmeros orçamentos públicos, órgãos e
respectivos programas governamentais, tornando difícil, se não
impossível, saber precisamente quanto do dinheiro público lhe é
destinado. Mas algumas informações permitem constatar a elevada
dimensão desses gastos.
Expressivas
quantidades de recursos são vinculados à segurança pública por meio de
vários fundos orçamentários. No âmbito federal, destacam-se o Fundo
Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional
(FUNPEN)[2], cujos montantes, para este ano
de 2014, são da ordem de 500 milhões de reais cada um, gerenciados
pelo Ministério da Justiça.
Isto representa apenas uma parcela muito
pequena do que se gasta, pois estes recursos são basicamente destinados
à capacitação e qualificação de servidores, modernização e
reequipamento dos órgãos de segurança pública e administração
penitenciária dos demais entes da federação e financiamento de
programas voltados à redução da violência, não incluindo, portanto,
aquela que é a despesa mais representativa — o pagamento de pessoal.
Há ainda programas
específicos no orçamento federal voltados à segurança pública, como o
Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci)[3],
importante fonte de transferências voluntárias destinadas a financiar
projetos para os entes subnacionais, em regime de cooperação
federativa.
A função segurança
pública, no orçamento federal para 2014, prevê gastos na ordem de R$
8,5 bilhões, e é importante ressaltar que a maior parte dos serviços
relacionados à segurança pública está nos orçamentos dos estados, que
administram as polícias civis e militares estaduais.
No estado de São
Paulo, que tem o maior orçamento entre os estados-membros de nossa
federação, para se ter uma ideia, só na Secretaria da Segurança
Pública, principal responsável pelos programas nesta área, na qual
estão as polícias civil e militar, tem orçamento de quase R$ 18 bilhões
para este exercício de 2014. Se somados aos R$ 4 bilhões destinados à
Secretaria da Administração Penitenciária, perfazem um montante de R$
22 bilhões. Mas não é só.
Programas também importantes para a proteção
da sociedade redução da violência estão em outros órgãos, como a
Secretaria da Justiça, que administra o Programa Estadual de Direitos
Humanos, o de Perícia Judicial, o de Modernização da Fundação Casa e o
de Atenção ao Adolescente e de Integração das Medidas Sócio-educativas
de Internação e Semiliberdade, o que permite acrescentar mais R$ 1,5
bilhão a essa conta.
Ou seja, o estado de São Paulo destina anualmente
em torno de R$ 25 bilhões para tentar assegurar à população uma
sociedade com ordem pública e sem violência. É praticamente equivalente
aos gastos de toda a cidade do Rio de Janeiro, a segunda maior do
país, cujo orçamento municipal para este ano de 2014 é da ordem de R$
27 bilhões. E mesmo assim não consegue atingir os objetivos esperados
nem remunerar adequadamente seus policiais.
Considerando-se que a
segurança pública no estado de São Paulo conta com a participação do
governo federal, não só na transferência de recursos, mas também na
atuação direta, por meio dos órgãos federais, como a polícia federal,
sem esquecer das ações a cargo dos municípios do estado, muitos dos
quais dispõe de guardas municipais e outros órgãos e serviços que atuam
para colaborar na redução da violência, chega-se à conclusão de que os
valores mencionados estão longe de representar os reais gastos públicos
nessa área, que são muito maiores.
Algo precisa ser feito,
pois, apesar dessa quantidade fantástica de dinheiro público, o que se
vê muitas vezes em todo o país são delegacias mal equipadas, presídios
em situação lastimável e policiais sem equipamentos adequados para
exercer a função. Policiais que, na maior parte dos órgãos e entes da
federação, são mal remunerados, o que se é de lamentar, pois, mais do
que em outras profissões, colocam sua vida em risco ao cumprir suas
funções.
E, dada a variedade e
quantidade de órgãos e entes da federação envolvidos, não há como se
generalizar haver má gestão de recursos certamente presentes em boa
parte dos órgãos, como ocorre em toda a administração pública, mas sem
dúvida com exceções.
Muito há que se fazer.
Tramita no Congresso Nacional projeto de lei regulamentando o artigo
144, parágrafo 7º, da Constituição, voltado a organizar a segurança
pública e garantir a eficiência de suas atividades, por meio da criação
do “Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)”, e, apesar de todos os
fatos e acontecimentos recentes, pouco se debate o assunto.
Há que se dar maior
atenção e avançar nas discussões sobre o financiamento da segurança
pública, a fim de buscar soluções que fujam da solução simplista de
maior aporte de recursos, que nesse caso é ainda mais difícil de
viabilizar, dado o expressivo volume de dinheiro envolvido. Debater a
prioridade nas políticas públicas de prevenção, afinal melhor é não
haver violência, mas sem descuidar da repressão, pois sem ela a
impunidade impera e corrompe todo o sistema.
Conveniência, oportunidade,
legalidade, interesse, extensão de participação da iniciativa privada e
do terceiro setor, especialmente na área da proteção à criança e
adolescente e administração penitenciária; forma de financiar a
construção e manutenção de presídios, com a utilização de instrumentos
como parcerias público-privadas ou outros meios de contratação;
realização de audiências por videoconferência para evitar os custos de
deslocamento de detentos; penas alternativas, diminuindo os custos do
encarceramento; enfim, há muitas despesas cuja possibilidade de redução
precisa ser avaliada, a fim de verificar se são adequadas e viáveis
para dar mais qualidade ao gasto público na área da segurança pública.
Se bem gerenciados, os
recursos destinados à segurança pública estão entre os mais bem
aplicados, pois os custos da violência são imensuráveis. Mortes de
inocentes, sensação de insegurança, impunidade, falta de liberdade e
tranquilidade, são prejuízos que não tem preço.
Fonte: Consultor Jurídico
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