Candidatos a presidente esquecem as propostas de governo e partem para os ataques contra os adversários. Quem perde, segundo analistas, é o eleitor brasileiro por causa do debate empobrecido.
A 20 dias do início da corrida eleitoral — a legislação prevê que a
campanha oficial só pode ser feita a partir do dia 5 de julho —, os
ataques mútuos entre os postulantes ao Palácio do Planalto aumentaram de
tom, especialmente após o primeiro fim de semana de convenções
partidárias.
Pré-candidato do PSDB, Aécio Neves (MG) afirmou que deseja
“varrer o PT do governo”, em ato da legenda no sábado. No domingo, o
ex-presidente Lula lançou o petista Alexandre Padilha ao governo
paulista, ressuscitou a denúncia de compra de votos para aprovação da
emenda da reeleição de Fernando Henrique e disse que a “esperança vai
vencer o ódio”.
E Eduardo Campos (PSB) disse que o governo é comandado
por “um bocado de raposa que já roubou o que tinha que roubar, que já
tomou o que tinha que tomar e que não vai dar ao Brasil nada de novo”...
O tom de animosidades recíprocas, que atingiu o ápice no fim de semana,
não é um fenômeno atual. Em diversos momentos de campanhas
presidenciais recentes, o espaço destinado à discussão de temas
importantes para o país, seja do ponto de vista econômico, social ou
político, foi ocupado por ataques pessoais entre os candidatos,
empobrecendo o debate.
O que chama a atenção no embate de agora é a
intensidade em uma fase em que as atenções do eleitorado estão
concentradas na Copa do Mundo, não na disputa eleitoral.
Ainda no ano
passado, a presidente Dilma Rousseff afirmou que “faria o diabo para se
reeleger”, em uma frase enxergada pela oposição como um salvo-conduto
para os petistas atacarem duramente os adversários na disputa eleitoral
deste ano.
Ontem, por intermédio de uma rede social, o ex-presidente Fernando
Henrique criticou Lula por ter partido para o ataque durante a convenção
do PT paulista.
“Lamento que o ex-presidente Lula tenha levado a
campanha eleitoral para níveis tão baixos. Na convenção do PSDB, não
acusei ninguém. Disse que queria ver os corruptos longe de nós. Não era
preciso vestir a carapuça”, devolveu.
“A acusação de compra de votos na
emenda da reeleição não se sustenta. Ninguém teve coragem de levar essa
falsidade à Justiça”, acrescentou FHC.
Nota tucana
No início da noite, a executiva nacional do PSDB contestou outra afirmação de Lula, que disse, também no domingo, que as pessoas que xingaram a presidente Dilma Rousseff no estádio são “pessoas que não têm calo na mão e têm cara de tudo, menos de trabalhadores”.
Ela foi
atacada duramente, com palavras de baixo calão, tanto no jogo entre
Brasil e Croácia, no Itaquerão — abertura da Copa do Mundo — quanto na
partida entre Colômbia e Grécia, no Mineirão, no último sábado.
Para os tucanos, a perspectiva de perder o poder está levando o PT a
aumentar a agressividade e intolerância do discurso. “Tentam atribuir a
uma elite conservadora o desejo de mudança, ignorando que cerca de 70%
dos brasileiros ouvidos pelas pesquisas de opinião exigem uma nova
maneira de governar o país.”
Em janeiro deste ano, uma página do PT em
uma rede social atacou pela primeira vez Eduardo Campos, afirmando que
este era um “playboy mimado, tolo, sem conteúdo e sem compostura
política”.
A frase gerou uma crise entre petistas e socialistas, o comando de
campanha do PT apressou-se em pedir desculpas, mas a acusação demorou a
ser retirada do ar.
Para o professor de ciência política Carlos Melo, do
Instituto Insper, os gritos vindos da arquibancada no dia da abertura
da Copa do Mundo representam um início de troca de chumbos grossa entre
os candidatos.
“Minha impressão é de que, daqui por diante, assistiremos
a grosso chumbo trocado. E, a meu ver, numa jovem democracia como a
nossa, munição trocada pode doer, sim. E muito. As convenções, nacional
do PSDB e estadual do PT, já expressaram isto: a cada tom mais elevado
de um lado, aumenta-se o volume do outro”, afirmou Melo.
Para Melo, nada disso é bom, porque não se sabe onde vai dar.
Parafraseando o raciocínio com um jargão futebolístico, o cientista
político afirma que há quem diga que o time joga “de acordo com a
torcida”.
Ele recorre, então, a Sócrates, craque da seleção das Copas de
1982 e 1986 e do capitão da Democracia Corintiana. “O grande Sócrates
dizia que craque é aquele que controla a torcida; que a faz reagir ao
seu estímulo. Não o contrário. O certo é que faltam craques para
controlar esse processo; a maioria só sabe reagir aos apupos da
arquibancada”.
Para o historiador e cientista político da UnB Octaciano Nogueira, a
legislação eleitoral brasileira não impõe limites a esses tipos de
conflitos. “Pode haver recursos para a área cível ou criminal. Mas, em
momentos em que a eleição se torna mais aguçada, esses problemas
inevitavelmente aparecem”.
Mas Octaciano alertou. “O eleitor percebe
quando os ataques são exagerados e atingem o lado pessoal dos
candidatos”, disse ele.
“O grande Sócrates dizia que craque é aquele que controla a torcida;
que a faz reagir ao seu estímulo. Não o contrário. O certo é que faltam
craques para controlar esse processo; a maioria só sabe reagir aos
apupos da arquibancada”
Carlos Melo, professor de ciência política, do Instituto Insper
“Pode haver recursos para a área cível ou criminal. Mas, em momentos em
que a eleição se torna mais aguçada, esses problemas inevitavelmente
aparecem. O eleitor percebe quando os ataques são exagerados e atingem o
lado pessoal dos candidatos”
Octaciano Nogueira, historiador e cientista político
Histórico das baixarias // Relembre episódios constrangedores de campanhas presidenciais
2010
» A oposição resgatou um vídeo de uma entrevista antiga de Dilma
Rousseff, na qual ela defendia o direito das mulheres ao aborto. A
gravação passou a ser usada como se, caso eleita, Dilma fosse defender a
legalização da prática. Durante caminhada no centro do Rio de Janeiro,
José Serra disse que tinha sido atingido por um objeto atirado por um
militante petista. Descobriu-se, posteriormente, que se tratava de uma
bolinha de papel.
2006
» A Polícia Federal prende dois militantes do PT com um dossiê falso
que seria usado para tentar associar tucanos à máfia dos sanguessugas,
que desviava dinheiro para a saúde.
» Em evento promovido em Santa Catarina, Jorge Bornhausen, então no
PFL, comentou o mensalão e disse, referindo-se ao PT, que era “o momento
de exterminar essa raça”.
2002
» Um ano antes das eleições, o PT levou ao ar uma propaganda na qual
vários ratos saíam de um buraco para roer uma Bandeira brasileira, em
alusão à corrupção no governo FHC. Até Itamar Franco, que estava rompido
com o PSDB, criticou a propaganda petista. Os tucanos a consideraram
fascista.
Fonte: PAULO DE TARSO LYRA - Correio Braziliense - 17/06/2014 - BLOG do SOMBRA
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