Brasil & Política
30/06/201409:00
RAQUEL LANDIM
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
O
economista Gustavo Franco é torcedor do Botafogo e está acompanhando os
jogos da Copa do Mundo. Um dos formuladores do Plano Real, que completa
20 anos durante o Mundial, ele diz que o "futebol se tornou uma
metáfora exata das causas da inflação" no Brasil.
"Alguns
estádios foram construídos com um dinheiro que não existe, aumentando a
dívida do governo. Se queríamos exemplos de irresponsabilidade fiscal
que todos entendessem, a Copa foi um espetáculo", disse Franco, que
presidiu o Banco Central de 1997 a 1999, à Folha.
Próximo
ao PSDB, ele defende que o próximo governo faça uma discussão
"transparente" sobre o orçamento e critica a administração Dilma
Rousseff. "É preciso fazer quase uma comissão da verdade para saber o
que houve com as contas públicas."
Franco
diz que a alta de preços preocupa, mas nada comparável à hiperinflação
que o Plano Real derrubou. Para o economista, o país fez progressos
institucionais contra o "comportamento inflacionista dos políticos".
Folha - Vinte anos depois do lançamento do real, a inflação ainda preocupa?
Gustavo
Franco - A inflação é uma doença que vai nos ameaçar sempre.
Infelizmente tivemos um episódio crítico, que foi a hiperinflação. Por
isso, nosso organismo é mais sensível que o de outros países a essa
doença. O que significa que precisamos ter mais cautela pelo resto da
vida. É como o alcoolismo: não existe cura, só abstinência.
A inflação se aproxima do teto da meta estabelecida pelo governo. É preocupante?
Não
é comparável a 1992 e 1993, mas é grave. A experiência dos vizinhos
demonstrou que uma inflação, que pode até parecer pequena, se torna
desestabilizadora.
Na
Argentina, a situação degringolou quando a inflação chegou a 15%. Foi
uma esbórnia de controle de preço e ocultação de informação. Na
Venezuela, a inflação subiu para 60% e, retirados os controles, já se
parece com hiperinflação. É uma inflação dolorida, porque gera escassez.
Esses
países demonstraram que existe uma fronteira, entre 10% e 15%, que é
muito perigosa. Será uma tragédia histórica se a inflação escapar e
entrarmos na trajetória de Argentina e Venezuela.
O Brasil corre esse risco?
O
risco existe, mas é pequeno. Temos progressos institucionais que nos
defendem. O Banco Central hoje tem outro status. A lei de
responsabilidade fiscal representou uma tomada de consciência da
população da importância de proteger a moeda e as finanças públicas. É
isso que nos salva hoje de um governo que, na ausência dessas condições,
sabe-se lá o que estaria acontecendo.
Como o próximo governo deve controlar a inflação?
O próximo governo precisa recompor os pilares de uma economia sadia, que foram abandonados por questões ideológicas.
Temos
que falar da responsabilidade fiscal em todas as suas dimensões e não
apenas em superavit primário. É preciso fazer quase uma comissão da
verdade para saber o que houve com as contas públicas nos últimos
tempos.
O
segundo ponto é o câmbio flutuante. O que está em jogo é o
relacionamento do Brasil com o mundo. Com o Plano Real, abrimos o país
para a economia internacional. Recentemente houve um recuo perigoso em
direção a ideias dos anos 1950.
Também
existia no Brasil a percepção de que o governo gostava da liderança
empresarial no crescimento. Hoje o governo tem reputação de hostilidade
ao setor privado.
O Plano Real se baseou em juros altos para estabilizar a inflação. Como resolver isso?
Não
concordo com a premissa. O Plano Real foi calcado em fundamentos
macroeconômicos, fiscais, monetários e cambiais. Para isso utilizou
todas as âncoras disponíveis: política monetária, fiscal e cambial.
A
política monetária foi usada de forma pesada em alguns momentos, quando
a política fiscal não pode ser utilizada. A política cambial também.
Depois que a situação fiscal melhorou em 1997 e 1998, foi possível
mudar.
Como baixar os juros?
Esse
dilema ficou na cabeça do governo, que acha que a única maneira de
reduzir a inflação é subir os juros. É perfeitamente factível reduzir os
juros se houver uma política fiscal correta.
O
atual governo tentou reduzir os juros sem responsabilidade fiscal e
teve que voltar atrás. Esse é o governo dos juros altos tanto quanto
qualquer outro.
Qual foi o principal mérito do Plano Real?
Reduzir uma inflação que chegou perto de 12.000% ao ano para 1,6% em 1998, sem praticamente nenhuma alteração do desemprego.
E qual foi o principal defeito?
É
difícil apontar um defeito no plano de estabilização. Só que a
estabilização não resolve todos os problemas. Muitas reformas poderiam
ter sido feitas, mas foram interrompidas. Só que aí entramos em outro
processo, que é a recomposição do crescimento.
Até a desvalorização em 1999, vocês mantiveram o câmbio fixo por tempo demais?
O
câmbio valorizado não foi um desejo, mas um problema que tivemos de
lidar. Até perto da crise da Rússia (1998), o Brasil sofria uma
enxurrada de dólares. A dificuldade de fazer o câmbio desvalorizar era
grande --situação parecida com o que viveu o governo Lula em 2008.
Tínhamos
duas alternativas: deixar flutuar o câmbio e fazer uma
maxidesvalorização, ou sustentar a política cambial, fechar um acordo
com o FMI, deixar o tumulto passar, e fazer uma flutuação fora da crise.
Escolhemos a segunda opção.
A
experiência recente do PT destrói o argumento de que estávamos mantendo
o câmbio artificialmente valorizado. O dólar estava quase em R$ 1,50
quando veio a crise de 2008 e bateu em R$ 2,50.
Você teve dúvidas de que o Plano Real funcionaria?
Tive
dúvidas e certezas todo o tempo. Nesse ramo, você tem convicções muito
fortes, mas não controla todas as variáveis. A dúvida é saudável porque
te deixa mais vigilante aos imprevistos. E por mais esperto que esteja, o
imprevisto sempre vai ser pior do que você esperava.
Que tema hoje mereceria um novo Plano Real?
É
preciso continuar o processo que começamos. O brasileiro chegou perto
de entender as causas da inflação e estabelecer instituições que evitem o
comportamento inflacionista dos políticos.
Nos
últimos anos, esse comportamento voltou. A inflação começou a subir e a
reação popular foi forte. O futebol ajudou muito porque se tornou uma
metáfora exata das causas da inflação.
Nada
pode ser mais ilustrativo da forma como as finanças públicas são
conduzidas do que os estádios superfaturados e a discricionariedade de
como um político determina que um banco federal coloque R$ 1 bilhão para
construir um estádio do nada.
Mas os manifestantes pediam para gastar em saúde e educação e não para economizar...
Esse
debate é maravilhoso e deveria ocorrer no orçamento. É aí que as
pessoas devem dizer que querem escola e hospital em vez de estádio. Isso
confrontado com a disponibilidade de dinheiro.
Em
muitos casos, os estádios são construídos com dinheiro que não existe,
aumentando a dívida do governo. Se queríamos exemplos de
irresponsabilidade fiscal que todo mundo entendesse, a Copa foi um
espetáculo.
Cada
estádio é um exemplo de um rombo de mais ou menos R$ 1 bilhão. Se esse
dinheiro existia, por que não foi utilizado para outra coisa?
O
próximo governo precisa de uma proposta de orçamento transparente.
Nunca organizamos direito nosso orçamento, que é o centro econômico de
qualquer democracia digna desse nome.
Raio-X
Idade 58 anos
Cargos públicos
Secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1993); diretor de assuntos internacionais do BC (1993 a 1997) e presidente do BC (1997 a 1999)
Secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1993); diretor de assuntos internacionais do BC (1993 a 1997) e presidente do BC (1997 a 1999)
Ocupação atual
Estrategista-chefe e sócio fundador da Rio Bravo Investimentos
Estrategista-chefe e sócio fundador da Rio Bravo Investimentos
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