Publicado no Estado de Minas
FERNANDO TIBÚRCIO PEÑA
Em 1968, o ecologista americano Garrett Hardin publicou artigo em que apresentava aos leitores da então já prestigiada revista Science um curioso dilema, segundo o qual certos indivíduos, atuando de forma racional e olhando para os próprios umbigos, usavam de maneira desmedida recursos comuns e limitados até o ponto em que a superexploração acabava por trazer prejuízos para todos.
Para ilustrar o dilema, Hardin citou o exemplo hipotético de uma pastagem compartilhada por um número qualquer de pastores, que por sua vez tinham um número determinado de animais. Em um dado instante, os pastores perceberam que, apesar do uso intensivo, havia ainda espaço para mais animais.
E, então, foram paulatinamente colocando novos animais na pastagem, até que ela se esgotou e toda a criação pereceu. Não é por menos que Hardin deu ao seu emblemático artigo o título de a Tragédia dos comuns.
No Brasil, hoje, vivemos uma realidade em que grupos com os mais diversos interesses vêm sistemática e progressivamente obtendo benefícios do Estado. Os sindicatos têm as suas próprias demandas.
Também os aposentados, funcionários públicos, plantadores de maçã e os pescadores de lagosta. Com o passar do tempo, tais grupos de interesse vão ganhando terreno e, na ausência de visão sistêmica do governo para modular as investidas, os recursos públicos tendem a se exaurir.
Tal estado de coisas tem um peso fundamental na desaceleração do crescimento da economia brasileira e faz com que, na América do Sul, o Brasil fique em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) somente à frente da Argentina e da Venezuela.
Num momento em que o país está vivendo uma indisfarçável crise de gestão – algo que começa a ser percebido nas pesquisas eleitorais –, o governo decidiu não percorrer a rota cheia de armadilhas que passa pela reforma das velhas estruturas que fazem com que a nossa economia avance a passos de tartaruga (candidatos da oposição que arquem sozinhos com o custo político de explicar ao povo brasileiro a verdade inconveniente que dá sentido ao que se pode chamar de “medidas necessárias”).
O governo preferiu seguir por uma estrada aparentemente mais tranquila e criou por decreto a Política Nacional de Participação Social (PNPS), o coelho morto que o Palácio do Planalto tirou em tom messiânico da cartola com o propósito anunciado de “consolidar a participação social como método de governo”.
O problema é que essa estrada de mão única termina num despenhadeiro. Os recursos públicos, assim como a pastagem imaginada por Hardin, são bens comuns e, portanto, finitos. É sob esse contexto que deve ser vista a PNPS.
Mais do que discutir se foi bolivarianamente inspirada nos conselhos comunais de Hugo Chávez ou se o Executivo estaria invadindo um campo reservado exclusivamente ao Legislativo, a questão primordial está em saber se a nova política – em vez de fomentar a propagada desconcentração e descentralização do poder político – poderá resultar numa relação perigosa, em que determinados grupos sociais se empenharão para desfrutar de uma condição ainda mais privilegiada junto ao governo, ganhando, agora que ostentam a qualidade de protagonistas, a musculatura necessária para dele exigir a ampliação dos benefícios obtidos no passado.
A se confirmar esse sombrio cenário, as contas públicas não vão aguentar, e, aí, não serão as ovelhas ou as vacas de Hardin que sofrerão as consequências. Seremos nós.
FERNANDO TIBÚRCIO PEÑA
Em 1968, o ecologista americano Garrett Hardin publicou artigo em que apresentava aos leitores da então já prestigiada revista Science um curioso dilema, segundo o qual certos indivíduos, atuando de forma racional e olhando para os próprios umbigos, usavam de maneira desmedida recursos comuns e limitados até o ponto em que a superexploração acabava por trazer prejuízos para todos.
Para ilustrar o dilema, Hardin citou o exemplo hipotético de uma pastagem compartilhada por um número qualquer de pastores, que por sua vez tinham um número determinado de animais. Em um dado instante, os pastores perceberam que, apesar do uso intensivo, havia ainda espaço para mais animais.
E, então, foram paulatinamente colocando novos animais na pastagem, até que ela se esgotou e toda a criação pereceu. Não é por menos que Hardin deu ao seu emblemático artigo o título de a Tragédia dos comuns.
No Brasil, hoje, vivemos uma realidade em que grupos com os mais diversos interesses vêm sistemática e progressivamente obtendo benefícios do Estado. Os sindicatos têm as suas próprias demandas.
Também os aposentados, funcionários públicos, plantadores de maçã e os pescadores de lagosta. Com o passar do tempo, tais grupos de interesse vão ganhando terreno e, na ausência de visão sistêmica do governo para modular as investidas, os recursos públicos tendem a se exaurir.
Tal estado de coisas tem um peso fundamental na desaceleração do crescimento da economia brasileira e faz com que, na América do Sul, o Brasil fique em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) somente à frente da Argentina e da Venezuela.
Num momento em que o país está vivendo uma indisfarçável crise de gestão – algo que começa a ser percebido nas pesquisas eleitorais –, o governo decidiu não percorrer a rota cheia de armadilhas que passa pela reforma das velhas estruturas que fazem com que a nossa economia avance a passos de tartaruga (candidatos da oposição que arquem sozinhos com o custo político de explicar ao povo brasileiro a verdade inconveniente que dá sentido ao que se pode chamar de “medidas necessárias”).
O governo preferiu seguir por uma estrada aparentemente mais tranquila e criou por decreto a Política Nacional de Participação Social (PNPS), o coelho morto que o Palácio do Planalto tirou em tom messiânico da cartola com o propósito anunciado de “consolidar a participação social como método de governo”.
O problema é que essa estrada de mão única termina num despenhadeiro. Os recursos públicos, assim como a pastagem imaginada por Hardin, são bens comuns e, portanto, finitos. É sob esse contexto que deve ser vista a PNPS.
Mais do que discutir se foi bolivarianamente inspirada nos conselhos comunais de Hugo Chávez ou se o Executivo estaria invadindo um campo reservado exclusivamente ao Legislativo, a questão primordial está em saber se a nova política – em vez de fomentar a propagada desconcentração e descentralização do poder político – poderá resultar numa relação perigosa, em que determinados grupos sociais se empenharão para desfrutar de uma condição ainda mais privilegiada junto ao governo, ganhando, agora que ostentam a qualidade de protagonistas, a musculatura necessária para dele exigir a ampliação dos benefícios obtidos no passado.
A se confirmar esse sombrio cenário, as contas públicas não vão aguentar, e, aí, não serão as ovelhas ou as vacas de Hardin que sofrerão as consequências. Seremos nós.
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