Um relatório inédito da área técnica do Tribunal de Contas
da União (TCU) indica que os gestores da Petrobras causaram um dano de pelo
menos US$ 126 milhões aos cofres da estatal por terem desconsiderado um laudo
de avaliação da refinaria de Pasadena, elaborado por uma consultoria contratada
pela própria companhia e com apontamento de um preço do empreendimento inferior
ao que acabou sendo pago.
O documento do TCU, obtido pelo GLOBO, cita ainda que
a estatal declarou ter pago US$ 170 milhões pela metade de um estoque que não
valeria US$ 66,7 milhões.
Os auditores do TCU consideram que, no caso dos estoques, há
indício de irregularidade na maneira como a Petrobras tratou do assunto. A
estatal informou ao mercado que pagou os US$ 170 milhões por estoques de
produtos que estavam na refinaria na época da compra. Mas, ao analisar os
detalhes do contrato, os auditores dizem que essa cifra efetivamente paga e
declarada ao mercado não tinha relação com os estoques. Era de outra natureza,
fazia parte de ajuste de preço na transação comercial.
Os indícios de irregularidades são citados no primeiro
parecer técnico elaborado pela Secretaria de Controle Externo (Secex) de
Estatais do TCU, responsável pelo amplo pente-fino realizado no processo de
compra da refinaria de Pasadena, no Texas. O procedimento foi instaurado em
fevereiro de 2013, sob a relatoria do ministro José Jorge. Em 27 de novembro, o
diretor da Secex Bruno Lima Caldeira, supervisor da fiscalização, concluiu um
documento de 17 páginas com apontamentos de indícios de irregularidades na
aquisição de Pasadena.
GESTORES ‘CONHECIAM’ PARECERES
Trata-se de um “exame técnico” preliminar, a partir das
primeiras descobertas das equipes de auditoria. As investigações prosseguem até
a conclusão do relatório final, que será submetido ao gabinete do ministro
para, então, ser apreciado em plenário. A Petrobras continua fornecendo
diversos documentos para tentar derrubar os indícios de irregularidades.
No documento, é possível saber pela primeira vez — todo o
processo é sigiloso — quem são os gestores listados no rol de supostos
responsáveis pelo negócio. Os integrantes do Conselho de Administração e da
Diretoria Executiva da Petrobras na ocasião da aprovação da compra, em 2006,
são listados como responsáveis a serem investigados. Entre eles, estão a
presidente Dilma Rousseff, que presidia o conselho quando era ministra da Casa
Civil; o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli; e os ex-diretores
Nestor Cerveró, da Área Internacional, e Paulo Roberto Costa, de Abastecimento,
este último preso no Paraná por conta de supostos desvios e lavagem de dinheiro
de obras da estatal.
O nível de responsabilidade dos conselheiros na compra da
refinaria é um dos pontos analisados pelas auditorias. O relatório da Secex
Estatais cita, na página 5, que conselheiros e diretores “tinham conhecimento”
dos pareceres da Área Internacional sobre a compra da refinaria. Um desses
pareceres foi “um dos principais instrumentos técnicos de persuasão que levaram
tanto a Diretoria Executiva quanto o Conselho de Administração a aprovarem a
primeira oferta para a compra de 70% das ações da refinaria”.
O parecer da Área Internacional mencionava a consultoria
Muse Stancil, que avaliou Pasadena por um preço inferior ao valor efetivamente
pago. Anexado a esse parecer estava o documento da área jurídica da Petrobras
que analisou a compra da refinaria. No documento, é citada a existência da
cláusula contratual de put option, que obrigava a aquisição integral do
empreendimento em caso de litígio.
A versão da presidente Dilma é de que o aval à compra de 50%
da refinaria ocorreu por conta de um “parecer falho” elaborado por Cerveró. Ele
omitiu do sumário executivo levado à reunião do conselho a existência da put
option e de outra cláusula contratual, a marlim, que garantiria dividendos
mínimos à Astra em caso de prejuízos. Dilma alegou não ter tomado conhecimento
de nenhuma das duas cláusulas.
A auditoria do TCU sustenta que os conselheiros decidiram
pela compra da primeira metade da refinaria com base em estudo de viabilidade
técnica e econômica elaborado pela Petrobras, que apontou um valor de US$ 745
milhões a Pasadena. Mas, ressalta o primeiro exame técnico do TCU, eles também
tinham conhecimento do parecer da Área Internacional com a citação à
consultoria Muse Stancil. O valor a ser pago por 100% da refinaria, no estado
em que se encontrava em janeiro de 2006, era de US$ 126 milhões, conforme o
laudo de avaliação da Muse citado na auditoria.
“Fica constatado indício de irregularidade grave na prática
de gestão de ato antieconômico por parte dos gestores da Petrobras que, ao
desconsiderarem laudo elaborado pela Muse, compraram 50% da refinaria por US$
189 milhões, resultando injustificado dano aos cofres da companhia no montante
de US$ 126 milhões”, cita o parecer técnico. Com os estoques, o valor
desembolsado na primeira metade de Pasadena foi de US$ 360 milhões. Após uma
longa disputa arbitral e judicial, os outros 50% do empreendimento foram adquiridos
pela Petrobras, que desembolsou ao todo US$ 1,249 bilhão.
O “erro de estratégia” na compra da primeira metade foi
admitido em relatório da área técnica da estatal, conforme o documento do TCU.
Os técnicos reavaliaram em 2010 o estudo de viabilidade econômica e concluíram
que deveriam ter sido consideradas “possíveis diferenças de pontos de vista
entre comprador e vendedor”.
O relatório do TCU considera “inadmissível” a concessão da
Petrobras à Astra de uma receita bruta de comercialização dos estoques de US$
170,2 milhões. “O pagamento dessa alocação especial foi garantido mesmo que as
receitas brutas da trading fossem insuficientes”, cita o documento.
Cláusulas contratuais, ainda segundo o parecer, corroboram
que o valor pago não correspondia aos estoques da época. "O valor
encontrado pela Astra para o inventário líquido a ser pago pela Petrobras seria
de US$ 66,7 milhões. Em nenhuma situação haveria pressuposto para um pagamento
de US$ 170 milhões por conta da aquisição dos estoques."
O parecer faz duras críticas às condições em que foi
estabelecida a cláusula contratual de put option, que teriam sido favoráveis
apenas à Astra. Os pagamentos por estoque da refinaria, decorrente da aplicação
da cláusula, teriam levado a um prejuízo de US$ 150,2 milhões. Pagou-se por um
bem que não existia, segundo a Secex. Ainda conforme o relatório, o valor pago
na entrada do negócio chegou a US$ 644 milhões, superior aos US$ 360 milhões
informados pela estatal.
O entendimento técnico do TCU é de que a Petrobras deveria
ter “partido diretamente para a arbitragem” na compra da segunda metade da
refinaria. Uma carta de intenções elaborada por Cerveró fez a proposta de US$
700 milhões pelos 50% restantes. “O laudo arbitral fixou o valor referente ao
put option da refinaria em US$ 300 milhões, menos da metade do que o senhor
Nestor Cerveró aceitava pagar pela via negocial.” A segunda metade da
refinaria, depois de uma longa disputa judicial, saiu por US$ 820,5 milhões.
TCU QUER MAIS ESCLARECIMENTOS
O relatório conclui que o “elevado grau de complexidade”
demanda maiores esclarecimentos por parte da Petrobras, antes de um
pronunciamento definitivo da unidade técnica sobre os indícios de
irregularidades. Somente depois dessas explicações é que a unidade deliberaria
sobre pedido de audiência dos responsáveis ou abertura de tomadas de contas
especiais para pedido de ressarcimento aos cofres públicos.
A decisão de realizar uma audiência — o que pode ocorrer com
a presidente Dilma — é do ministro relator do processo, José Jorge. A opção
pela audiência indica que o responsável não tem culpa por danos financeiros,
mas por má gestão ou por uma determinada irregularidade, o que acarretaria a
aplicação de multa. A necessidade de ressarcimento, por sua vez, leva à citação
dos investigados.
José Jorge tem mantido o silêncio sobre o processo. Não há
previsão de quando ele receberá o relatório final, elaborará o voto e levará o
processo a plenário. O ministro se aposenta em novembro. Ele é ex-senador pelo
PFL (hoje DEM) de Pernambuco, foi candidato a vice-presidente na chapa de
Geraldo Alckmin (PSDB) em 2006 e ministro de Minas e Energia no fim do segundo
mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ocasião em que presidiu o Conselho
de Administração da Petrobras.
Por conta do processo que conduz no TCU, José Jorge entrou
no foco dos governistas da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista da
Petrobras. Eles querem convocá-lo para um depoimento sobre supostas
irregularidades cometidas no período em que esteve à frente do conselho da
estatal.
O GLOBO procurou a assessoria de imprensa da Petrobras no
início da tarde de ontem, mas não houve resposta aos questionamentos até o
fechamento desta edição. (Link O Globo)
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