O assunto ainda é o Decreto 8.243,
tamanha a importância que ele tem para nosso futuro – se pretendemos
preservar a democracia.
O PT aproveita o clima da Copa para levar
adiante um projeto claramente bolivariano, que pretende controlar por
meio do estado e seus braços militantes organizados todo o poder
político. Foi o tema da ótima coluna de Demétrio Magnoli na Folha hoje:
O Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) converteu-se numa linha de
montagem de artefatos ideológicos. Entre tantos países, escolheu a
Venezuela chavista como sede de sua única filial no exterior. Num
relatório produzido pela filial, lê-se o seguinte:
“O modelo bolivariano
afasta-se, sem dúvidas, da democracia representativa despolitizadora
que predomina ainda hoje no mundo. Supera o modelo idealizado pelos pais
fundadores da república norte-americana”. As duas frases ajudam a
decifrar o sentido do decreto presidencial que instaura a “democracia
participativa”.
As palavras
cruciais são “democracia representativa despolitizadora”. De fato, o
princípio da representação sustenta-se sobre o pressuposto de que os
cidadãos têm outros afazeres além da política.
A maioria esmagadora das
pessoas consagra o seu tempo ao trabalho produtivo, aos estudos, ao
lazer, aos afetos e aos amores. Os militantes políticos, pelo contrário,
dedicam-se essencialmente à carreira política, que enxergam como fonte
de poder, prestígio, dinheiro ou (raramente) como ferramenta para a
“reforma do mundo”.
O Decreto 8.243, dos “conselhos participativos”,
procura reduzir a abrangência da “democracia representativa
despolitizadora”. É um golpe dos militantes políticos contra as pessoas
comuns, cuja “participação” perde valor nos centros de decisão de
políticas públicas.
O sociólogo, que faz parte da tal “lista
negra” de “inimigos da pátria” divulgada pelo vice-presidente do PT em
site oficial do partido, afirma que o mais chocante nisso tudo é a
“ausência de um grito coletivo de indignação da sociedade civil diante
dessa suprema arrogância estatal”.
Como sabemos, o estado nasceu antes da
nação no Brasil, com a vinda da família real em 1808. Estamos
acostumados a delegar ao estado poder demasiado, e desacreditamos no
papel da sociedade civil como tal.
Tocqueville chamou atenção em seu
clássico sobre a democracia na América para as associações voluntárias,
que agiam de forma descentralizada e local nos Estados Unidos. Não temos
isso por aqui. No Brasil, subvertemos até mesmo a lógica das ONGs,
ignorando a letra N na sigla e mantendo a maioria delas ligada de forma
umbilical ao próprio estado.
Os intelectuais que ganham a vida falando
sobre a “sociedade civil” receberam calorosamente o Decreto 8.243, como
afirma Demétrio. A simbiose é antiga: intelectuais defendem o aumento
do papel estatal em nossas vidas, e os governantes financiam esses
intelectuais, além de lhes garantir poder e prestígio.
Demétrio vai direto ao ponto: “A
finalidade do Decreto 8.243 é moldar uma ‘sociedade civil’ adaptada às
estratégias de poder do governo: o ‘povo organizado’, no dialeto dos
militantes”. É verdade que nosso Congresso goza de pouco respeito, e é
isso que torna o terreno fértil para projetos autoritários como este. O
perigo é grande.
Segundo declarações do alto escalão do
governo, incluindo o ministro Gilberto Carvalho, o maior interessado no
projeto, pois é justamente ele quem controla os tais “movimentos
sociais”, a presidente Dilma não vai recuar. Será, nesse caso, uma
declaração de guerra à democracia representativa.
Espero que nossas instituições
republicanas se mostrem sólidas o suficiente para resistir. É seu maior
teste desde que o PT chegou ao poder, com sua mentalidade bolivariana.
Se por acaso o PT tiver êxito, então a Venezuela estará logo ali, a
poucos passos do nosso destino.
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