A foto é de 2006. O local é o Palácio do Planalto. Paulo Roberto Costa, o diretor preso da Petrobras, junto com José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, faz reunião de trabalho com a Presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma Rousseff, e o então presidente Lula. Ali naquela mesa todos sabiam o que estava acontecendo e o que iria acontecer na Refinaria Abreu e Lima.
Aconteceu 11 anos
atrás, na tarde de segunda-feira, 28 de abril, no Recife, quando os então
presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez anunciaram que a Petrobras
e a Petroleos de Venezuela S.A. (PDVSA) construiriam uma refinaria em
Pernambuco, ao custo de US$ 2,3 bilhões.
Lula escolhera o estado onde nasceu para lançar um empreendimento industrial simbólico do seu programa de crescimento econômico.
Elegera-se presidente cinco meses antes, com 57% dos votos locais. Seria reeleito três anos depois, com 78,4% dos votos pernambucanos. Chávez, ao seu lado, estava no segundo mandato, vencera um golpe de Estado e acabara de consolidar o poder sobre a companhia estatal de petróleo de seu país, provedora de dois terços dos dólares que circulam na economia venezuelana.
Os presidentes estavam no Palácio do Campo das Princesas,
erguido sobre as fundações do Erário Régio do Recife, pedaço da burocracia
portuguesa encarregada do controle das contas públicas. Chávez encarou os
jornalistas curiosos sobre como a PDVSA, em crise e sem caixa, poderia
financiar sua parte nesse projeto binacional: — Não temos dinheiro — confessou, e acrescentou sorrindo: —
Mas temos vontade política.
TRÊS ANOS DE ATRASO NO CRONOGRAMA
Passaram-se 11 anos. Chávez morreu, a PDVSA nunca aportou um
centavo na sociedade, e, talvez, a presidente Dilma Rousseff consiga
inaugurá-la em novembro, penúltimo mês do seu mandato, depois de três anos de
atraso no cronograma.
Abreu e Lima já é considerado um dos mais caros
empreendimentos da indústria mundial de petróleo: cada um dos 230 mil barris de
óleo refinados vai custar no mínimo US$ 87 mil, acima do dobro da média
internacional. — Um erro que não deve ser repetido — comentou a presidente
da Petrobras, Graça Foster, em recente audiência no Congresso Nacional.
As despesas com a construção da refinaria dispararam.
Previa-se gastar US$ 2,3 bilhões. Logo o valor multiplicou-se, o que teria
levado a Venezuela a se retirar pouco depois — sem formalizar a saída. A conta
chegou a US$ 18,5 bilhões no último abril. E pode avançar para US$ 20,1 bilhões
até novembro, segundo projeções da Petrobras. Esse valor equivale ao dobro do
lucro líquido obtido pela empresa estatal brasileira no ano passado. Em outro
tipo de comparação, é quantia seis vezes maior que todo o dinheiro gasto pelo
país na construção e na reforma de 12 estádios para a Copa do Mundo.
As razões da escalada de custos (mais de 770%, em dólares)
se misturam num enredo onde predominam suspeitas de má gerência, erros de
projeto, contratos superfaturados, sobre os quais foram aplicados aumentos
extraordinários, além de corrupção, com lavagem de dinheiro no Brasil e no
exterior.
Mudanças durante a execução de projetos industriais são
comuns, porém, na construção da refinaria de Pernambuco o excesso de aditivos
contratuais refletiu escassez de planejamento. Foram US$ 3 bilhões em custos adicionais, em aditivos
realizados a partir de março de 2008 — aumento equivalente à despesa com a
reconstrução de um Maracanã a cada 11 meses.
Até dezembro do ano passado, foram 141 alterações contratuais com acréscimos de custos. Durante 2013, a média foi de três aditivos por quinzena, segundo dados em análise na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga irregularidades na Petrobras.
Até dezembro do ano passado, foram 141 alterações contratuais com acréscimos de custos. Durante 2013, a média foi de três aditivos por quinzena, segundo dados em análise na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga irregularidades na Petrobras.
A característica de projeto binacional, moldado por
interesses políticos, fez com que a refinaria Abreu e Lima fosse tratada como
empreendimento singular no processo decisório da Petrobras. Ela funcionou como
empresa autônoma durante cinco anos, até dezembro passado, quando foi incorporada
à empresa-mãe.
Na última segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff
transferiu por decreto o controle sobre todos os gastos na fase final da obra
de Abreu e Lima para a presidência da Petrobras.
A composição dos custos desse empreendimento é objeto de
investigações em curso em duas instituições nacionais, o Congresso e o Supremo
Tribunal Federal, e em cinco organismos federais (Tribunal de Contas,
Ministério Público, Polícia Federal, Receita e Conselho de Atividades
Financeiras). Um dos ex-diretores do grupo estatal e ex-presidente do Conselho
de Administração da refinaria, Paulo Roberto Costa, está na cadeia. Enfrenta
processos criminais simultâneos no Brasil e na Suíça.
REFINARIA TINHA CONSELHO INDEPENDENTE
Os múltiplos inquéritos focam abruptas alterações nos
valores originais, as bases de reajuste anual e, sobretudo, os aumentos
extraordinários aplicados em duas centenas e meia de contratos feitos pela
estatal, por convite.
Entre 2008 e 2013, a refinaria manteve um Conselho de
Administração que se reunia uma vez por semana — na rotina das empresas,
inclusive na Petrobras, o normal é uma reunião por mês. Os integrantes desse
conselho ficavam na sede da estatal, na Avenida Chile, Centro do Rio, pilotando
o andamento da obra, a 1,9 mil quilômetros de distância do canteiro.
As atas das reuniões informam que eles passaram 70 meses
concentrados na aprovação sucessiva de aumentos de custos diretos do
empreendimento. “Todos (aditivos) eram de responsabilidade da executiva da
refinaria”, apontou o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli, em
carta ao Senado no mês passado. No espaço de 32 semanas de 2013, entre março e novembro, os
conselheiros homologaram 63 aditivos, acrescentando US$ 739 milhões ao valor
dos contratos originais.
( O Globo )
( O Globo )
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