terça-feira, 22 de julho de 2014

José Maria E Silva: Dinheiro não compra educação de qualidade



Caso a educação pudesse ser feita apenas com dinheiro, sem dúvida, o Brasil teria um ensino de Primeiro Mundo. Com a promulgação pela presidente Dilma Rousseff do Plano Nacional de Educação (Lei Federal 13.005), em 25 de junho último, o Brasil terá de aplicar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, o que significa uma soma anual de R$ 484 bilhões, considerando o PIB de 2013, segundo o IBGE. Hoje, o País investe 5,8% do PIB em educação e, a partir do quinto ano de vigência do plano, isto é, em 2019, esse investimento terá de ser de 7%, alcançando os 10% no final da vigência do plano, em 2024.

Com os 5,8% que já investe na educação, o Brasil desponta como um dos países que mais investem no setor. Segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”, publicada em 5 de junho, “entre os países com maior peso na renda mundial, reunidos no G-20, os desembolsos com a educação variam de 2,8%, na Indonésia, a 6,3% do PIB no Reino Unido, de acordo com a ONU”. Ou seja, o Brasil já está próximo do topo do investimento e, com os 10% do PIB para a educação, tende a se isolar na liderança entre as grandes economias, ficando atrás apenas de nações diminutas, como Lesoto, que lidera investindo 13% do PIB, ou de Cuba, cujas estatísticas sociais – jamais fiscalizadas a sério pela ONU – são tão confiáveis quanto uma nota de 3 reais.

O comprometimento desse porcentual do PIB no ensino foi a grande bandeira da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, liderada pelo ex-líder estudantil Daniel Cara, com uma vasta rede de apoiadores nacionais e internacionais, que vão desde a ONG ActionAid, presente em mais de 40 países, até a Unesco e o Unicef, organismos da ONU para a educação, a cultura e a criança, passando pela Open Society do megainvestidor Georges Soros. Essa medida irá salvar a educação brasileira? A resposta é não. Nas condições em que se encontra o ensino no País, investir 10% do PIB em educação é quase jogar sal em carne podre. E uma das razões para se considerar esse gasto um desperdício e não um investimento é, sem dúvida, o viés ideológico da educação brasileira.

O próprio Plano Nacional de Educação é um sintoma da doutrinação que impera nas escolas do País, tanto públicas quanto privadas. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que sustentou a luta pela aprovação do plano e dos 10% do PIB, é muito mais do que a face de Daniel Cara, fartamente entrevistado pela imprensa como líder do movimento. Seu comitê diretivo conta com 11 entidades, entre elas o Centro de Cultura Luiz Freire, um grupo de esquerda radical de Pernambuco, sediado em Olinda, que defende o controle social dos meios de comunicação, e até o indefectível MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com 2 mil es­colas em seus assentamentos e a­campamentos, nas quais oferece uma educação à moda cubana, tendo Che Guevara como modelo.

Hoje, muitos movimentos sociais não surgem espontaneamente – são fomentados ou até criados pelas universidades, que se tornaram verdadeiras incubadoras de minorias. Na maior parte dos casos, de forma culposa, em decorrência de uma pregação ideológica geral, mas, em alguns casos, de modo doloso, por meio da organização institucional desses movimentos, que contam até com financiamento público, geralmente com verbas destinadas à pesquisa e à extensão universitária.

É o caso, por exemplo, do Centro de Difusão do Comunismo da Universidade Federal de Ouro Preto (MG), um programa de extensão vinculado ao Curso de Serviço Social da universidade, que oferecia bolsas de pesquisas para os alunos participantes de suas atividades de militância política contra o capitalismo.

Apesar de declarar que “não é um programa acadêmico com objetivos político-partidários”, o Centro de Difusão do Comunismo afirma que seu objetivo é “desenvolver o trabalho de ensino, pesquisa e extensão a partir da perspectiva da classe trabalhadora – do ser social que trabalha e é explorado – e lutar por uma sociedade para além do capital!”. O próprio nome não poderia ser mais expressivo: em vez de um “grupo de estudos” do marxismo, como muitos que pululam dentro das universidades pelo País afora, trata-se de um “centro de difusão” do comunismo, o que revela o seu papel de militância política e não de estudo apenas teórico.

Diante desse aparelhamento político da universidade, um advogado de São Luís do Maranhão, Pedro Leonel Pinto, entrou com uma ação popular contra o centro comunista e conseguiu que a Justiça Federal suspendesse o custeio de suas atividades por parte da Universidade Federal de Ouro Preto, que ficou impedida de fornecer professores e disponibilizar suas dependências para as atividades do centro. Todavia, a única medida que deve ter surtido efeito prático foi a suspensão do pagamento das bolsas de extensão para os ativistas do centro, pois a pregação comunista continuou dentro da própria universidade, a despeito da decisão da Justiça.

De 24 de abril a 10 de julho último, por exemplo, o Núcleo de Estudos Marxistas da Federal de Ouro Preto, vinculado ao CNPq, promoveu um encontro sobre a obra do marxista húngaro István Mészáros, realizado nas dependências do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da universidade. Nos cartazes de divulgação das palestras aparece a frase: “Em apoio ao Centro de Difusão do Comunismo”. No mês de maio, também nas dependências do instituto, foi realizado um “Encontro com os Trabalhadores”, envolvendo quatro sindicatos, promovido pelo Curso de Serviço Social em apoio ao Centro de Difusão do Comunismo. No cartaz de divulgação do evento, uma frase desafiadora: “Ação judicial nenhuma vai impedir nossa luta ao lado dos trabalhadores”.

Não se trata de um caso isolado, mas de uma tendência. Pelo Brasil afora, núcleos de estudantes de pós-graduação ou graduandos com bolsa de iniciação científica engrossam as fileiras de movimentos como a Marcha das Vadias, a Marcha da Maconha, o Movimento Passe Livre e os black blocs, geralmente associando a militância política com as atividades discentes. O movimento gay, o movimento negro e o movimento feminista são os que mais se beneficiam da doutrinação ideológica que impera nos meios acadêmicos. Hoje, na área de humanidades, não faltam linhas de pesquisa destinadas aos estudos de raça e de gênero, que se tornaram até mais atraentes do que os estudos de classe das velhas gerações do marxismo ortodoxo, calcado no materialismo histórico-dialético.

O próprio movimento negro, que tem raízes numa luta justa contra o racismo, especialmente nos Estados Unidos, adquiriu contornos claramente artificiais, chegando a ser ele próprio segregacionista ao tratar o branco como inimigo e o mulato como um ser desprezível, que só é digno de respeito caso se assuma como negro. No excelente livro “Uma Gota de Sangue”, o geógrafo e sociólogo Demétrio Magnoli disseca a criação artificial de minorias pelo mundo afora, num levantamento à altura dos estudos do economista norte-americano Thomas Sowell, que, analisando as ações afirmativas de países como Estados Unidos, Índia, Ni­gé­ria, Sri Lanka e Malásia, de­monstra a ineficácia das políticas pú­blicas que visam a emancipar as mi­norias e, no mais das vezes, acabam produzindo injustiças e conflitos.

E o que é mais grave: muitas dessas minorias só tomam consciência de si, criando uma história que nunca tiveram, por meio do discurso ideológico produzido nas universidades e fomentado com recursos de poderosas fundações privadas, como a Fundação Ford. De­métrio Magnoli descreve esse fenômeno: “Diferentemente das nações, que emanam de um processo complexo de fabricação de uma história, uma literatura e uma geografia, as ‘minorias’ da globalização emergem apenas de uma postulação étnica superficial. Nações podem até ser interpretadas como imposturas, mas são imposturas nas quais o povo acredita. As ‘minorias’, em contraste, são imposturas nas quais nem mesmo os impostores acreditam”.

Para Demétrio Magnoli, as elites multiculturalistas que formam essas minorias artificiais “não precisam de apoio popular, pois a sua legitimidade se conquista nos salões suntuosos das instituições internacionais”. O autor mostra que só a Fundação Ford destinou 280 milhões de dólares, em 2001, para criar programas de pós-graduação voltados para a formação de “lideranças emergentes de comunidades marginalizadas fora dos EUA”. Segundo outras fontes, de 1962 a 2001, a Fundação Ford investiu só no Brasil 347 milhões de dólares, em valores corrigidos pela inflação. Magnoli afirma que “as subvenções da Fundação replicaram nas universidades brasileiras os modelos de estudos étnicos e de ‘relações raciais’ aplicados nos EUA e consolidaram uma rede de organizações racialistas que começaram a produzir os discursos e demandas dos similares norte-americanos”.

Ora, se até o histórico movimento negro já está perdendo suas raízes legítimas e se tornando um engenho ideológico da academia, o que dizer de movimentos sem qualquer lastro histórico, como a Marcha das Vadias? Tanto no Canadá, onde teve origem, quanto no Brasil, que imita tudo, essa marcha é pura consequência dos estudos de gênero que se disseminaram pelas universidades de todo o mundo. Vá lá que, em metrópoles como São Paulo ou Nova York, onde existem tribos para todos os gostos, esse tipo de marcha pudesse surgir espontaneamente (e nem isso ocorre). Mas o que dizer da modesta cidade de Jataí, no interior de Goiás, com seus 93.759 habitantes? Lá, a “Marcha das Vadias” só existe porque conta com o apoio do Campus UFG, por meio de um grupo de extensão sobre gênero, direitos e violência.

O extremismo ideológico que grassa nas universidades pode chegar ao ponto de destruir a própria dignidade humana, equiparando-se aos experimentos de Joseph Men­gele no ápice do terror nazista. Em 29 de maio último, os alunos do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, como parte da disciplina chamada “Corpo e Resistência”, promoveram no Campus de Rio das Ostras o evento “Xereca Satânica”, em que, a pretexto de denunciar o alto índice de estupro, uma mulher teve a vagina costurada no meio da festa. Depois que o evento foi denunciado na grande imprensa, a Polícia Federal chegou a abrir inquérito para apurar responsabilidades, mas provavelmente a investigação não dará em nada, esbarrando na apregoada liberdade estética de seus promotores.

Mais espantoso do que o próprio evento foi a defesa que se tentou fazer dele. O coordenador do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, Daniel Caetano, graduado em Cinema e doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, explicou que a mulher que teve a vagina costurada integra um coletivo de Minas Gerais que foi ao Rio especialmente para participar do evento. E acrescentou: “É um coletivo que está habituado a fazer performances como a que aconteceu, feitas para chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus próprios limites”. Ora, se é para testar limites, que se acabe com a tal Comissão da Verdade e se contratem torturadores da ditadura para fazer performances nas universidades.

Daniel Caetano foi ainda mais longe, afirmando taxativamente: “Embora não tenham sido feitos ‘rituais satânicos’ e o título do evento fosse essencialmente provocativo (ao contrário do que o jornalismo marrom afirmou), precisamos dizer que não haverá de nossa parte qualquer censura a atos do gênero”. E desafiou: “Qualquer pessoa em cargo público que porventura se posicionar contra a performance será por nós inquirida acerca de suas atitudes prévias contra os estupros em Rio das Ostras”. Engraçado é que essa gente, quando se trata de combater criminosos armados, sempre fica contra a polícia, alegando que violência não se combate com violência. Mas na universidade ensina a combater o estupro estuprando – o corpo, a inteligência e a dignidade humana.

Mas engana-se quem pensa que essa ideologia destrutiva fica restrita às universidades e afeta apenas a qualidade do ensino superior. Ela tem graves consequências na sociedade, especialmente em áreas como saúde e educação. Esse tipo de ativista, até por integrar coletivos ideológicos, participando de amplas redes de relacionamento acadêmico, acaba fazendo especialização, mestrado, doutorado e se tornando autoridade pedagógica, indo pontificar na educação básica sobre gênero, minorias, exclusão. Em que outro lugar um especialista em costurar vagina e teorizar sobre isso arranjaria trabalho? Só mesmo nas Secretarias de Educação, onde poderá pontificar sobre teoria de gênero e “heteronormatividade burguesa”, coordenando a distribuição de camisinhas e kit gay.
 
 
Agora pensem quantas camisinhas não dá para distribuir nas escolas com 10% do PIB para gastar? É por isso que, antes de se investir essa fabulosa soma de recursos na educação, seria preciso combater a doutrinação nas escolas. É evidente que o conhecimento não é absolutamente neutro e o professor ou o autor de um livro, na relação com seus alunos e leitores, fatalmente há de misturar alguma crença pessoal em meio aos fatos que leciona. Mas justamente por reconhecer essas limitações humanas, é que a ciência sempre se esforçou para criar métodos que afastassem ao máximo a inevitável subjetividade do indivíduo – e a educação, que serve à ciência e dela se serve, tam­bém esposou esse mesmo prin­cípio, inculcando no mestre a necessidade de cultivar a imparcialidade.

Mas, hoje, ocorre o contrário: ancorando-se em pensadores como o pedagogo Paulo Freire e o filósofo Michel Foucault, o ensino se tornou um instrumento das mais diversas lutas políticas, transformando as escolas num feirão de experimentos de gueto, em que cada minoria julga-se no direito de ter o seu português, a sua matemática, a sua história, a sua geografia, a sua literatura, dilapidando o patrimônio comum que tornou possível o surgimento das grandes civilizações ao longo da história.

Felizmente, já surgem reações a essa destrutiva politização do ensino. Exemplo disso é a ONG Escola Sem Partido, fundada e coordenada pelo jurista Miguel Nagib, à frente de um grupo de pais e alunos que lutam contra a doutrinação nas escolas. Além do blog que leva seu nome e acumula dezenas de estudos de caso de doutrinação, a ONG realizará na próxima quinta-feira, 24, em Brasília, o I Congresso Nacional so­bre Doutrinação Política e Ideológica nas Escolas, em parceria com a Federação Nacional das Escolas Particulares. O evento será sediado no Colégio Ciman, em Brasília, e terá transmissão ao vivo pela internet, no site da Fenep. O filósofo Olavo de Car­valho será um dos palestrantes, por videoconferência, diretamente dos Estados Unidos, onde reside.
Um fato que chama a atenção no seminário é a presença de professores universitários com doutorado, numa prova de que a fortaleza ideológica da esquerda no ensino superior não é inexpugnável. Luís Lopes Diniz Filho é doutor em Geografia pela USP, professor do Depar­tamento de Geografia da UFPR e autor dos livros “Funda­mentos Epistemoló­gicos da Geografia” (2009) e “Por uma Crítica da Geografia Crítica” (2013). Bráulio Porto de Matos é professor da Faculdade de Edu­cação de Brasília, mestre e doutor em sociologia pela UnB e pós-doutor pela University of Sussex, além de autor de “Pedagogic Authority and Girard’s Analysis of Human Violence” e co-autor de “A Pós-Graduação no Brasil – Formação e Trabalho de Mestres e Doutores no País”.

O medievalista Ricardo da Costa é professor do Departamento de Teoria da Arte e Música da Uni­ver­sidade Federal do Es­pí­rito e doutor pelo Institut Superior d’Investigació Cooperativa Ivitra. Trajano Sousa de Melo é promotor de Justiça do Minis­tério Público do Distrito Federal e Territórios. Ana Caroline Campagnolo é mestranda em História na Universidade do Estado de Santa Catarina e foi professora de História na rede de ensino pública e privada de seu Estado. Miguel Nagib é advogado e o idealizador de tudo isso. Este que vos escreve completa o quadro de palestrantes. E levo comigo Durkheim, que profeticamente alertava: “De que serviria uma educação que levasse à morte a sociedade que a praticasse?”.
 
 

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