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Prestes a deixar a presidência do TSE, Marco Aurélio defende o fim do foro privilegiado, o financiamento público e o voto facultativo.
"A disputa pressupõe igualdade de condições, mas isso não existe. Você
só consegue apear um candidato à reeleição se ele foi muito mal no
cargo.”
A presidente Dilma Rousseff, pré-candidata à Presidência, fez um
pronunciamento no Dia do Trabalho, e a oposição entrou na Justiça
Eleitoral contra ela. Houve campanha antecipada?
Ela sinalizou. Hoje, ouvi uma rádio dizendo que não ela só não caiu
mais em termos de opinião pública porque ocorreu aquele pronunciamento.
Agora, caberá ao TSE — não estarei mais aqui — decidir a respeito. ...
Hoje três dos sete ministros do TSE já foram advogados dela ou do PT: Admar Gonzaga, Luciana Lóssio e Toffoli. O TSE está comprometido para julgar ações contra a Dilma?
Sou favorável a termos corpos permanentes na Justiça Eleitoral, mas
temos mandatos. De qualquer forma, julgar é uma missão sublime e a
pessoa deve atuar segundo ciência e consciência possuídas. Claro que
fica essa situação. Nós, egressos dos tribunais, não dependemos do
Executivo. Mas os colegas que são egressos da advocacia têm a
possibilidade de retornarem para mais um mandato. Fica uma situação
realmente extravagante. É tempo de modificar-se o sistema. E aí, em vez
de ter dois originários da advocacia, teríamos um da advocacia e outro
do Ministério Público.
Já há projetos sobre isso?
Não tenho notícia, mas seria muito importante em termos de segurança. O
julgador poder se dedicar apenas àquele ofício. No período eleitoral,
nós, do Supremo, não somos afastados do ofício judicante, só o
presidente (do TSE) o é, quanto a processo que, na origem, exija uma
medida cautelar. A distribuição de processos no Supremo, por semana, é
de 100 para cada gabinete. Lá já está algo invencível. Isso resulta em
algo pernicioso, que é a delegação. A arte de julgar é pessoal, é a
formação técnica, humanista.
Está havendo uma delegação para assessores?
Isso é notório. Está havendo. Isso prejudica. Imagina-se que o trabalho elaborado pela assessoria seja revisto.
O senhor critica o instituto da reeleição. Acredita que hoje o PSDB se arrepende de ter aprovado tal possibilidade durante o primeiro mandato de Fernando Henrique?
Ainda lembro que houve um mandado de segurança, quando se versou aquela
problemática da compra de votos (para a aprovação da emenda da
reeleição). O relator, que não decidiu sozinho, levou ao plenário no
qual foi o único voto suspendendo para se apurar — os dois que tinham
sido comprados foram expulsos do partido e renunciaram ao mandato. E se
aprovou a toque de caixa. Não para se aplicar no tocante aquele que
viesse a ser eleito, porque geralmente a norma é editada para vigorar
para o futuro. Quando eleito, o presidente Fernando Henrique não foi com
essa potencialidade de disputar o cargo, porque não se podia na época.
Hoje há algo ambíguo. A disputa pressupõe igualdade de condições, mas
isso não existe. Você só consegue apear um candidato à reeleição se ele
foi muito mal no cargo.
As recentes condenações de deputados pelo Supremo podem resultar em mudanças quanto ao foro privilegiado?
Pode, porque em direito penal a passagem do tempo tem uma eficácia
muito grande porque faz surgir a prescrição. O que é melhor para o
acusado? Ter a possibilidade de ver a decisão de primeira instância ser
revista por um tribunal de Justiça, depois chegar a Brasília, no
Superior Tribunal de Justiça (STJ), e após no Supremo ou uma tacada
única, como ocorre no Supremo? O Supremo decide e não somos semi-deuses.
Podemos errar. Você não tem a quem recorrer. Carta ao santo padre de
nada adianta.
É o caso de os deputados deixarem de ter o foro privilegiado?
Não sei como não acabou com a carta que o doutor Ulysses Guimarães
apontou como cidadã (a Constituição de 1988). Devia ter acabado, porque
antes a prerrogativa era muito restrita, aí se ampliou. O argumento é
que é para proteger o cargo. Mas não julgamos cargo. Julgamos o cidadão.
A culpa é norteada pela pessoalidade, é um argumento frágil. Sou
favorável ao término da prerrogativa para todos os cargos, inclusive
presidente da República. Como se tem, por exemplo, na América. O Clinton
(ex-presidente dos Estados Unidos), quando houve aquele episódio com a
estagiária. Ele foi julgado em primeira instância, não foi julgado por
um tribunal federal, muito menos pela Suprema Corte. Foi por um grande
júri, porque lá o sistema é de colegiado, mas de primeira instância.
Se o senhor pudesse mudar alguma legislação de ofício, qual seria a principal mudança eleitoral que faria?
Faria duas mudanças. O financiamento estritamente público, mas com
regras rígidas quanto ao aporte de dinheiro particular, e o voto
facultativo, porque o direito não pode ser ao mesmo tempo direito e
dever e a pessoa ser obrigada a comparecer. Agora se diz que não
avançamos ainda suficientemente para ter o voto facultativo. Mas quando
avançaremos? Temos que pensar grande.
O senhor acha possível haver revisão criminal no mensalão?
Revisão criminal é uma ação rescisória. Ela é processada em uma via
muito estreita quanto ao sucesso. Pressupõe ou a existência de um
documento novo que infirme a base da condenação ou a prolação de uma
decisão contrária a lei. Indaga-se: depois de tantos meses discutindo um
único processo, será que nós atuamos desconhecendo a legislação? Não
vejo chance de êxito. Vou para 24 anos no Supremo em 13 de junho. Não me
defrontei, que eu me lembre, com uma única revisão criminal.
Mas o ex-ministro José Dirceu, por exemplo, já teve sucesso em relação à formação de quadrilha com os embargos infringentes…
Mas aí ocorreu um fenômeno e, de certa forma, ficou em segundo plano a
impessoalidade. Duas cadeiras no Supremo foram renovadas e esses votos
mudaram completamente a situação.
Há alguma chance de os presos do mensalão perderem direito ao trabalho externo?
Acho que há, mas dependerá da maioria porque fatalmente essas decisões
do ministro Joaquim Barbosa serão submetidas ao colegiado.
O senhor disse que é a imprensa quem mostra as mazelas da sociedade. Fez nos lembrar do ex-presidente Lula dizendo que a imprensa é um partido de oposição. A declaração foi proposital?
Não. Atribuo ao que diz o presidente Lula a arroubo de retórica. A uma
visão pouco equidistante, ou seja, uma visão apaixonada. Porque vocês
têm papel fundamental. Ressaltei em São Paulo, durante um congresso de
comunicação, que a tônica é a busca da verdade. Reconheço que é um
trabalho isento.
Fonte: Correio Braziliense - 12/05/2014 - - 10:33:57
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