segunda-feira, 12 de maio de 2014

Marco Aurélio: Ministro condena reeleição




10:33:57

Prestes a deixar a presidência do TSE, Marco Aurélio defende o fim do foro privilegiado, o financiamento público e o voto facultativo.


"A disputa pressupõe igualdade de condições, mas isso não existe. Você só consegue apear um candidato à reeleição se ele foi muito mal no cargo.”
A presidente Dilma Rousseff, pré-candidata à Presidência, fez um pronunciamento no Dia do Trabalho, e a oposição entrou na Justiça Eleitoral contra ela. Houve campanha antecipada?

Ela sinalizou. Hoje, ouvi uma rádio dizendo que não ela só não caiu mais em termos de opinião pública porque ocorreu aquele pronunciamento. Agora, caberá ao TSE — não estarei mais aqui — decidir a respeito. ...



Hoje três dos sete ministros do TSE já foram advogados dela ou do PT: Admar Gonzaga, Luciana Lóssio e Toffoli. O TSE está comprometido para julgar ações contra a Dilma?
Sou favorável a termos corpos permanentes na Justiça Eleitoral, mas temos mandatos. De qualquer forma, julgar é uma missão sublime e a pessoa deve atuar segundo ciência e consciência possuídas. Claro que fica essa situação. Nós, egressos dos tribunais, não dependemos do Executivo. Mas os colegas que são egressos da advocacia têm a possibilidade de retornarem para mais um mandato. Fica uma situação realmente extravagante. É tempo de modificar-se o sistema. E aí, em vez de ter dois originários da advocacia, teríamos um da advocacia e outro do Ministério Público.


Já há projetos sobre isso?
Não tenho notícia, mas seria muito importante em termos de segurança. O julgador poder se dedicar apenas àquele ofício. No período eleitoral, nós, do Supremo, não somos afastados do ofício judicante, só o presidente (do TSE) o é, quanto a processo que, na origem, exija uma medida cautelar. A distribuição de processos no Supremo, por semana, é de 100 para cada gabinete. Lá já está algo invencível. Isso resulta em algo pernicioso, que é a delegação. A arte de julgar é pessoal, é a formação técnica, humanista.


Está havendo uma delegação para assessores?
Isso é notório. Está havendo. Isso prejudica. Imagina-se que o trabalho elaborado pela assessoria seja revisto.


O senhor critica o instituto da reeleição. Acredita que hoje o PSDB se arrepende de ter aprovado tal possibilidade durante o primeiro mandato de Fernando Henrique?
Ainda lembro que houve um mandado de segurança, quando se versou aquela problemática da compra de votos (para a aprovação da emenda da reeleição). O relator, que não decidiu sozinho, levou ao plenário no qual foi o único voto suspendendo para se apurar — os dois que tinham sido comprados foram expulsos do partido e renunciaram ao mandato. E se aprovou a toque de caixa. Não para se aplicar no tocante aquele que viesse a ser eleito, porque geralmente a norma é editada para vigorar para o futuro. Quando eleito, o presidente Fernando Henrique não foi com essa potencialidade de disputar o cargo, porque não se podia na época. Hoje há algo ambíguo. A disputa pressupõe igualdade de condições, mas isso não existe. Você só consegue apear um candidato à reeleição se ele foi muito mal no cargo.


As recentes condenações de deputados pelo Supremo podem resultar em mudanças quanto ao foro privilegiado?
Pode, porque em direito penal a passagem do tempo tem uma eficácia muito grande porque faz surgir a prescrição. O que é melhor para o acusado? Ter a possibilidade de ver a decisão de primeira instância ser revista por um tribunal de Justiça, depois chegar a Brasília, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e após no Supremo ou uma tacada única, como ocorre no Supremo? O Supremo decide e não somos semi-deuses. Podemos errar. Você não tem a quem recorrer. Carta ao santo padre de nada adianta.


É o caso de os deputados deixarem de ter o foro privilegiado?
Não sei como não acabou com a carta que o doutor Ulysses Guimarães apontou como cidadã (a Constituição de 1988). Devia ter acabado, porque antes a prerrogativa era muito restrita, aí se ampliou. O argumento é que é para proteger o cargo. Mas não julgamos cargo. Julgamos o cidadão. A culpa é norteada pela pessoalidade, é um argumento frágil. Sou favorável ao término da prerrogativa para todos os cargos, inclusive presidente da República. Como se tem, por exemplo, na América. O Clinton (ex-presidente dos Estados Unidos), quando houve aquele episódio com a estagiária. Ele foi julgado em primeira instância, não foi julgado por um tribunal federal, muito menos pela Suprema Corte. Foi por um grande júri, porque lá o sistema é de colegiado, mas de primeira instância.


Se o senhor pudesse mudar alguma legislação de ofício, qual seria a principal mudança eleitoral que faria?
Faria duas mudanças. O financiamento estritamente público, mas com regras rígidas quanto ao aporte de dinheiro particular, e o voto facultativo, porque o direito não pode ser ao mesmo tempo direito e dever e a pessoa ser obrigada a comparecer. Agora se diz que não avançamos ainda suficientemente para ter o voto facultativo. Mas quando avançaremos? Temos que pensar grande.


O senhor acha possível haver revisão criminal no mensalão?
Revisão criminal é uma ação rescisória. Ela é processada em uma via muito estreita quanto ao sucesso. Pressupõe ou a existência de um documento novo que infirme a base da condenação ou a prolação de uma decisão contrária a lei. Indaga-se: depois de tantos meses discutindo um único processo, será que nós atuamos desconhecendo a legislação? Não vejo chance de êxito. Vou para 24 anos no Supremo em 13 de junho. Não me defrontei, que eu me lembre, com uma única revisão criminal.

Mas o ex-ministro José Dirceu, por exemplo, já teve sucesso em relação à formação de quadrilha com os embargos infringentes…
Mas aí ocorreu um fenômeno e, de certa forma, ficou em segundo plano a impessoalidade. Duas cadeiras no Supremo foram renovadas e esses votos mudaram completamente a situação.

Há alguma chance de os presos do mensalão  perderem direito ao  trabalho externo?
Acho que há, mas dependerá da maioria porque fatalmente essas decisões do ministro Joaquim Barbosa serão submetidas ao colegiado.

O senhor disse que é a imprensa quem mostra as mazelas da sociedade. Fez nos lembrar do ex-presidente Lula dizendo que a imprensa é um partido de oposição. A declaração foi proposital?
Não. Atribuo ao que diz o presidente Lula a arroubo de retórica. A uma visão pouco equidistante, ou seja, uma visão apaixonada. Porque vocês têm papel fundamental. Ressaltei em São Paulo, durante um congresso de comunicação, que a tônica é a busca da verdade. Reconheço que é um trabalho isento.


Fonte: Correio Braziliense - 12/05/2014 - - 10:33:57

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