Artigo no Alerta
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Por Carlos I. S.
Azambuja
“O conhecimento do
que foi o terror comunista pode ajudar muitas pessoas,
sobretudo as mais jovens, a entenderem a importância da verdadeira liberdade,
sem coletivismos e falácias socialistas, impedindo a repetição de tragédias
semelhantes”.
Muito já se escreveu
sobre o terror comunista, mas nunca é demais detalhar como esse terror foi
implantado por Stalin, com um relato baseado não apenas em memórias e diários inéditos
de personagens importantes, e entrevistas com os sobreviventes e os
descendentes dos poderosos da era stalinista, mas também, e sobretudo,
beneficiado pela liberação – no governo de Boris Yeltsin, que deu fim à União
Soviética - de documentos, cartas, bilhetes, anotações nas margens de
documentos e de livros, minutas de reuniões, agendas e dos papéis que passavam
todos os dias pela escrivaninha de Stalin, em muitos dos quais ele deixava a
sua marca de aprovação, reprovação ou escárnio. Assim, foi possível mostrar
tanto a intimidade do poder, que permanecia envolta em brumas e mistério, como
sua face mais brutal.
O primeiro dos
grandes processos espetaculares do terror comunista teve início em 19
de agosto de 1936 no Salão de Outubro, no segundo andar da Casa dos
Sindicatos, em Moscou. Os 350 espectadores eram funcionários do NKVD
com roupas comuns, jornalistas estrangeiros e diplomatas. No centro, sobre um
tablado, os três juizes, liderados por Vassili Ulrikh, sentaram-se em cadeiras
semelhantes a tronos, cobertas com pano vermelho. A verdadeira estrela desse
espetáculo teatral, o procurador Andrei Vichinski, com uma interpretação de ira
espumante e pedantismo articulado.
Os acusados, 16
sujeitos rotos, guardados por soldados do NKVD com baionetas caladas,
sentaram-se à direita. Atrás deles uma porta que dava para um espaço comparável
a uma sala de espera das celebridades em um estúdio de televisão. Ali, com
sanduíches e refrescos, estava Guenrikh Grigorievitch Iagoda (Comissário do
Povo de 1934 a1936), que poderia conferenciar com Vichinski e os acusados
durante o julgamento.
Dizia-se que Stalin
a tudo assistia desde uma galeria escondida, com janelas escuras, nos fundos do
salão.
Os acusados foram indiciados
por uma quantidade fantástica de crimes tramada pela conspiração obscura
liderada por Trotski, Zinoviev e Kamenev (o “Centro Trotskista-Zinovievista
Unido”)que conseguira matar Kirov, mas falhara várias vezes ao tentar
matar Stalin. Durante seis dias eles confessaram esses crimes com uma
docilidade que espantou os espectadores ocidentais.
A linguagem desses
processos era tão obscura quanto hieróglifos e só podia ser entendida dentro do
universo fechado bolchevique de conspirações do mal contra o bem, em que
“terrorismo” tinha o significado de “quaisquer dúvidas sobre as políticas ou o
caráter de Stalin”. Todos os seus adversários políticos eram tachados de
“terroristas”. Mais de dois “terroristas” era uma “conspiração” e a reunião de
“terroristas” de facções diferentes criava um “Centro Unificado” de espantoso
alcance global, revelador da paranóia bolchevique, formada em décadas de vida
na clandestinidade.
Enquanto os 16 réus
esmagados diziam suas falas, o procurador Vichisnky combinava com brilhantismo
o embuste indignado de um pregador com as maldições diabólicas de um
feiticeiro. Uma testemunha ocidental achou-o parecido com um corretor da Bolsa,
acostumado a almoçar no Simpson’s e jogar golfe em Sunningdale.
De uma família polonesa nobre e rica de Odessa, Vichinsky fora companheiro
de cela de Stalin, com quem dividia os cestos recebidos da família,
investimento que pode ter salvado sua vida.
Era desagradável com
seus subordinados, mas servil com seus superiores. Seus subordinados o
consideravam uma “figura sinistra”. Alerta, vigoroso, vaidoso e inteligente,
impressionava os ocidentais tanto quanto os assustava com seus maneirismos
forenses. Orgulhava-se muito de sua notoriedade: apresentado à princesa
Margaret, em Londres, em 1947, sussurrou aos diplomatas que fazia as
apresentações: “Por favor, acrescente meu antigo título de procurador
nos processos de Moscou”.
As acusações
deixaram sérias dúvidas entre muitos dos jornalistas, exacerbadas pelas
asneiras cômicas do NKVD: a corte ouviu como Sedov, filho de Trotsky, ordenou
os assassinatos em uma reunião no hotel Bristol, na Dinamarca, mas descobriu-se
que esse hotel fora demolido em 1917...
Consta que Stalin
teria gritado: “Para que diabos vocês precisam de hotel? Deveria ter
dito estação ferroviária. A estação está sempre lá”.
Esse espetáculo teve
um elenco maior do que as pessoas que estavam no palco, porque outras pessoas
foram cuidadosamente implicadas, abrindo a perspectiva de outros famosos
“terroristas” aparecerem em julgamentos posteriores. Os réus implicaram
comandantes militares e outros, como Bukharin, Rikov e Tomski, e Wichisnky
anunciou que iria instaurar processos contra esses nomes famosos.
Em 22 de agosto,
apenas três depois de iniciado esse processo, Stalin recebeu o seguinte
telegrama de Lazar Kaganóvitch, um dos poderosos do círculo de Stalin: “Esta
manhã Tomski se suicidou com um tiro. Deixou uma carta para você em que tenta
provar sua inocência (...). Não temos dúvidas de que Tomski, sabendo que agora
não é mais possível esconder seu lugar no bando Zinoviev-trostkista, decidiu
dissimular com o suicídio”.
Os porta-vozes de
Stalin criaram uma abominação pública contra os “terroristas”. Nikita Kruschev
(que em fevereiro de 1956, no XX Congresso do PCUS, iria denunciar os crimes de
Stalin), partidário raivoso dos processos e dos fuzilamentos, chegou uma noite
ao Comitê Central e encontrou Kaganovitch e Sergo (apelido de Grigori
Konstantinovitch Ordjonikidze) induzindo o poeta Demian Bedny a produzir um
poema curto e aterrorizante para o Pravda. Esse poema, publicado no
dia seguinte, bradava: “Esmagar as criaturas repugnantes! Os cães
raivosos devem ser fuzilados!”
No tribunal, Andrei
Vichinsky encerrou a acusação: “Esses cães raivosos do capitalismo
tentaram rasgar de membro a membro o melhor de nossa terra soviética, o
camarada Kirov. Exijo que esses cães raivosos sejam fuzilados. Todos eles!”.
Os cães fizeram então seus apelos patéticos e confissões. Mesmo mais
de 80 anos depois, são trágicos de ler. Kamenev terminou sua confissão, mas
depois se ergueu de novo para apelar por seus filhos, aos quais não tinha outro
meio de se dirigir: “Qualquer que seja a minha sentença, considero-a de
antemão justa. Não olhem para trás! Vão em frente! Sigam Stalin!”.
Os juizes se
retiraram para decidir sobre seu veredicto já decidido, retornando para
sentenciar todos à morte, diante do que um réu gritou: “Viva a causa de
Marx, Engels, Lênin e Stalin!”
De volta à prisão,
os “terroristas” apavorados apelaram por clemência, lembrando a promessa de
Stalin de poupá-los. Enquanto Zinoviev e Kamenev aguardavam em suas celas,
Stalin recebeu em sua ensolarada casa de campo um telegrama de Kaganovitch,
Sergo e Iejov (*), informando-o de que o apelo dos acusados fora recebido e
que “o Politburo propôs rejeitar os pedidos e executar o veredicto hoje
à noite”. Stalin não respondeu, talvez cônscio de que o fuzilamento de
dois camaradas mais próximos de Lenin marcava um passo gigantesco no sentido de
sua próxima aposta colossal: um intenso reino de terror contra o próprio
partido e contra os chefes do Exército, uma carnificina que sacrificaria até
seus amigos e familiares.
O texto acima é um
resumo das páginas 223 a 227 do livro “Stalin, a Corte do Czar
Vermelho”, de Simon Sebag Montefiore, editora Companhia das Letras, 2003.
(*) Nkolaï
Ivanovitch Iejov, chefe do NKVD de 25 de setembro de 1936 até 24 de novembro de
1938, um dos principais executores das purgas decididas por Stalin. Fuzilado
por ordem de Stalin e Lavrenti Beria – que o sucedeu na chefia do NKVD – em 2
de fevereiro de 1940.
Carlos I.S. Azambuja
é Historiador.
Postado por Jorge Serrão às
10:08:00
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