CORREIO BRAZILIENSE - 29/05
O Brasil tem uma
situação peculiar. As leis trabalhistas descem a minúcias para regular o
que nos países avançados é assegurado em contratos negociados, como é o
caso do valor da hora extra e da hora noturna, as formas de gozar
férias, licenças e afastamentos, o uso de horários de descanso e tantos
outros detalhes.
Não bastasse o
detalhismo das leis, há uma enormidade de decisões jurisprudenciais que
detalham ainda mais a realidade do trabalho. Esse é o caso das inúmeras
súmulas que vêm sendo aprovadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Importante estudo acaba de ser lançado pelos economistas André Portela Souza e Eduardo Zylberstajn, ambos da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, analisando as consequências econômicas das últimas súmulas editadas por aquela Corte ("A dimensão econômica das decisões judiciais", São Paulo: Fecomercio, 2014).
O estudo tomou como ponto de partida a análise de três decisões do TST. A saber, a redação da Orientação Jurisprudencial nº 372, referente ao intervalo intrajornada, atual Súmula nº 449; a Súmula nº 366, que fixa a tolerância máxima para marcação do ponto, após o que é contada hora extra; e a Súmula nº 244, relativa à licença maternidade de funcionárias contratadas por prazo determinado.
A Orientação Jurisprudencial 372, atual Súmula 449, em síntese, proíbe que empregados e empregadores façam acordos para reduzir o intervalo de refeições, mesmo quando negociados e aprovados pelos sindicatos das partes. A Súmula 366 considera hora extra todo segundo que ultrapassar o limite máximo de 10 minutos para a movimentação dos empregados na empresa, contando entradas e saídas. Finalmente, a Súmula 244 diz que mesmo quando contratada por prazo determinado, a funcionária gestante tem direito ao período completo de afastamento para gravidez e amamentação.
Os autores do estudo fazem importante pergunta: será que empregados e empregadores têm interesse em conviver com a rigidez imposta pelas súmulas? Será que elas são os expedientes que melhor atendem suas necessidades? Será que eles não prefeririam negociar seus direitos nesses casos?
Para responder a tais questões, o estudo procurou precificar as consequências das súmulas, mesmo reconhecendo que as decisões judiciais vão além dos seus impactos econômicos, e têm importante papel na garantia das proteções individuais e coletivas.
Com base em simulações baseadas na referida precificação, fica claro que, em muitos casos, as partes preferem a negociação em lugar da imposição. Isso ocorre, por exemplo, quando empregados e empregadores negociam a redução do horário do almoço de 60 para 30 minutos, para saírem mais cedo no fim do dia ou para não trabalhar aos sábados. Com essa redução, as empresas buscam economizar energia, administração, logística etc. Ao proibir esse tipo de negociação, a Orientação Jurisprudencial 342 frustra as duas partes.
O mesmo ocorre para a fixação rígida de horário de tolerância na marcação de pontos. A exagerada rigidez leva muitas empresas a exigir a retirada imediata dos empregados do local de trabalho no exato encerramento do expediente, privando-os de ficarem na empresa para estudar e se prepararem para as aulas do horário noturno, inclusive com o uso de computadores a eles franqueados.
Nesse caso, o maior perdedor é o empregado que o TST busca proteger. Outra perda para o lado do trabalhador ocorre na extensão da licença maternidade a todo tipo de contratação, pois muitas mulheres poderão ser substituídas por homens em trabalhos temporários, especialmente no comércio e nas datas festivas.
Em todos os casos examinados, verifica-se um jogo do perde-perde e não do ganha-ganha. Empregados e empregadores se ressentem da restrição à sua liberdade imposta por expedientes aprovados pelos tribunais que, na prática, funcionam como leis.
Mas súmula não é lei, pois não é discutida e aprovada pelo Poder Legislativo. Ao contrário, é uma deliberação isolada dos ministros do TST, da qual as partes não participam - nem sequer são ouvidas. A despeito disso, as súmulas se tornam ainda mais fortes do que as próprias leis. Sim, porque toda lei pode ser questionada no Judiciário quanto à sua legalidade ou constitucionalidade.
No caso das súmulas, o Supremo tribunal Federal ainda não se posicionou sobre a possibilidade de analisar sua constitucionalidade, por não ser ato concebido e aprovado pelo Poder Legislativo. Assim, até que haja uma definição, elas ganham vida própria, presidem decisões importantes, geram custos elevados e ficam imunes a questionamentos. Isso precisa mudar. Está na hora de se buscar um outro método para se elaborar súmulas e orientações jurisprudenciais.
Importante estudo acaba de ser lançado pelos economistas André Portela Souza e Eduardo Zylberstajn, ambos da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, analisando as consequências econômicas das últimas súmulas editadas por aquela Corte ("A dimensão econômica das decisões judiciais", São Paulo: Fecomercio, 2014).
O estudo tomou como ponto de partida a análise de três decisões do TST. A saber, a redação da Orientação Jurisprudencial nº 372, referente ao intervalo intrajornada, atual Súmula nº 449; a Súmula nº 366, que fixa a tolerância máxima para marcação do ponto, após o que é contada hora extra; e a Súmula nº 244, relativa à licença maternidade de funcionárias contratadas por prazo determinado.
A Orientação Jurisprudencial 372, atual Súmula 449, em síntese, proíbe que empregados e empregadores façam acordos para reduzir o intervalo de refeições, mesmo quando negociados e aprovados pelos sindicatos das partes. A Súmula 366 considera hora extra todo segundo que ultrapassar o limite máximo de 10 minutos para a movimentação dos empregados na empresa, contando entradas e saídas. Finalmente, a Súmula 244 diz que mesmo quando contratada por prazo determinado, a funcionária gestante tem direito ao período completo de afastamento para gravidez e amamentação.
Os autores do estudo fazem importante pergunta: será que empregados e empregadores têm interesse em conviver com a rigidez imposta pelas súmulas? Será que elas são os expedientes que melhor atendem suas necessidades? Será que eles não prefeririam negociar seus direitos nesses casos?
Para responder a tais questões, o estudo procurou precificar as consequências das súmulas, mesmo reconhecendo que as decisões judiciais vão além dos seus impactos econômicos, e têm importante papel na garantia das proteções individuais e coletivas.
Com base em simulações baseadas na referida precificação, fica claro que, em muitos casos, as partes preferem a negociação em lugar da imposição. Isso ocorre, por exemplo, quando empregados e empregadores negociam a redução do horário do almoço de 60 para 30 minutos, para saírem mais cedo no fim do dia ou para não trabalhar aos sábados. Com essa redução, as empresas buscam economizar energia, administração, logística etc. Ao proibir esse tipo de negociação, a Orientação Jurisprudencial 342 frustra as duas partes.
O mesmo ocorre para a fixação rígida de horário de tolerância na marcação de pontos. A exagerada rigidez leva muitas empresas a exigir a retirada imediata dos empregados do local de trabalho no exato encerramento do expediente, privando-os de ficarem na empresa para estudar e se prepararem para as aulas do horário noturno, inclusive com o uso de computadores a eles franqueados.
Nesse caso, o maior perdedor é o empregado que o TST busca proteger. Outra perda para o lado do trabalhador ocorre na extensão da licença maternidade a todo tipo de contratação, pois muitas mulheres poderão ser substituídas por homens em trabalhos temporários, especialmente no comércio e nas datas festivas.
Em todos os casos examinados, verifica-se um jogo do perde-perde e não do ganha-ganha. Empregados e empregadores se ressentem da restrição à sua liberdade imposta por expedientes aprovados pelos tribunais que, na prática, funcionam como leis.
Mas súmula não é lei, pois não é discutida e aprovada pelo Poder Legislativo. Ao contrário, é uma deliberação isolada dos ministros do TST, da qual as partes não participam - nem sequer são ouvidas. A despeito disso, as súmulas se tornam ainda mais fortes do que as próprias leis. Sim, porque toda lei pode ser questionada no Judiciário quanto à sua legalidade ou constitucionalidade.
No caso das súmulas, o Supremo tribunal Federal ainda não se posicionou sobre a possibilidade de analisar sua constitucionalidade, por não ser ato concebido e aprovado pelo Poder Legislativo. Assim, até que haja uma definição, elas ganham vida própria, presidem decisões importantes, geram custos elevados e ficam imunes a questionamentos. Isso precisa mudar. Está na hora de se buscar um outro método para se elaborar súmulas e orientações jurisprudenciais.
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